estudos bíblicos
Perseverança e fé em tempos de apostasia
Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 6 do trimestre sobre “A supremacia de Cristo”
II – A necessidade de vigilância espiritual
Nosso Senhor Jesus já nos advertiu que com a multiplicação da iniquidade, o amor de muitos esfriará (Mt 24.12). O apóstolo Pedro alerta-nos que “surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (2 Pe 2.1). O apóstolo Paulo é enfático: “O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios” (1 Tm 4.1). Vê-se, portanto, que o perigo do esfriamento do amor, da rejeição ao Cristo que nos resgatou e, finalmente, da apostasia da fé para seguir doutrinas de demônios é realmente um perigo real, não meramente hipotético.
Abaixo, procedo uma abordagem exegética das expressões usadas nos versículos 4 a 6 do sexto capítulo de Hebreus, que demonstra ser um convertido o que está ali em questão. Apenas ressalto de antemão que este texto, como destaca o Dr. Craig Keener, “se refere à apostasia intencional e não a um ato isolado de pecado ou de ‘desviar-se da verdade’, que pode ser tratado pelo arrependimento; o ato de se desviar pode ser coberto, conforme Tg 5.19,20. O ensinamento aqui não é que Deus não aceita o arrependido, mas que alguns corações se tornam tão duros para considerar se arrepender, que se recusam a reconhecer Cristo, o único meio de arrependimento” (5).
As expressões “foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro” (vv. 4,5) não podem COM HONESTIDADE ser aplicados a um ímpio, embora alguns assim façam parecer para acomodar a Bíblia à sua teologia (especialmente aqueles que defendem a Perseverança (incondicional) dos santos, que nega que um convertido possa perder a salvação). Na Carta aos Hebreus desde os primeiros aos últimos capítulos abundam as advertências contra os perigos reais que “os irmãos” enfrentam, possibilidade real de queda, de desvio e de exclusão da graça (leia: 2.1; 3.12; 4.11; 10.29; 12.15-17, 25-29). Vejamos alguns termos:
- “foram iluminados” (gr. photistenthas) (v. 4).
Pode o ímpio, a quem o deus deste século cegou (2 Co 4.4), ser iluminado sem ser pelo Evangelho que penetra-lhe a alma? Ademais no capítulo 10 e versículo 32, o autor da carta aos Hebreus se refere aos seus irmãos em Cristo como aqueles que foram “iluminados”. Por que os iluminados de 6.4 não seriam os mesmos de 10.32?! Interessante porque a concordância Strong diz que o significado de “photizo”, palavra grega usada aqui, significa: “produzir luz, brilhar, esclarecer espiritualmente, imbuir alguém com conhecimento salvador”. É de convertidos que se fala aqui.
- “provaram [gr. geuomai] o dom celestial” (v.4)
- “provaram a boa palavra de Deus” (v.5)
Pode o ímpio provar o dom do céu senão somente mediante a salvação? Pode um incrédulo provar a palavra de Deus e não ser convertido? Jesus disse que quem é de Deus ouve a Palavra de Deus (Jo 8.47). Não seriam estes de Deus já que ouviram e provaram (segundo Strong, “saborear, experimentar, servir-se, comer, nutrir-se”) o dom celestial e a Palavra de Deus? A mesma palavra usada para “provar” no capítulo 6 também foi usada antes no capítulo 2 (v. 9) para falar que Cristo “provou” a morte por todo homem. Trata-se, portanto, de uma experiência factível, real, concreta de alguém que provou para além de uma mera degustação, o dom celestial (que dom seria esse senão a salvação pelo Espírito? – At 2.38) e a boa palavra de Deus. Novamente, é de crentes que se fala aqui.
- “tornaram-se participantes [gr. metochos genethentas] do Espírito Santo” (v.4).
Pode o ímpio ser participante do Espírito Santo, sem ser salvo antes? Ora! Jesus disse que o mundo não tem nem pode receber o Espírito Santo, mas os discípulos sim é que o tem (Jo 14.17). Como o ímpio não pode ter o Espírito, mas pode ser PARTICIPANTE dele? Ainda mais que a palavra “participante” significa no grego “associação, comunhão, companheiro num trabalho, ofício, dignidade”. Pode um ímpio ter tal relação com o Espírito e não ser salvo? Paulo responderia: “Não há comunhão alguma entre a luz e as trevas!” (2Co 6.14). A palavra usada por Paulo é a mesma de Hebreus: “metocheo” (comunhão, associação). Definitivamente o ímpio não pode ser parceiro em nenhuma hipótese do Espírito Santo! E os que admitem tal possibilidade incorrem numa estranha forma de sinergismo: o ímpio cooperando com o Espírito Santo, sem ter em vista a salvação daquele. Interessante que a mesma palavra “metochos” foi usada várias vezes pelo escritor aos Hebreus para falar de uma participação real, vínculo afetivo, aliança, comunhão (1.9; 3.1). Dou destaque para este texto, que inclusive ressalta a nossa responsabilidade na questão da perseverança: “Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim” (Hb 3.14). Insisto: é de salvos que este texto está falando.
Eu poderia prosseguir a exegese do versículo 4 e 5 para mostrar que ali não está se falando de ímpios, réprobos ou incrédulos, mas de crentes, de salvos, de regenerados (não meros crentes nominais ou incrédulos simpatizantes do Evangelho). Todavia, concluo apenas ressaltando: o versículo 6 diz que eles “caíram” [gr. parapesontas]. Mas como poderiam cair se nunca estivessem de pé? Diz que é impossível “outra vez renová-los” para o arrependimento. Como “renovar outra vez” se eles nunca se arrependeram antes? Não existe “renovar” nem “outra vez”, para quem nunca teve a primeira vez! “Renová-los outra vez” significa que eles lá atrás já haviam provado realmente o arrependimento. O efeito cumulativo de todas as expressões de Hebreus 6.4-6 só podem levar-nos a uma direção: é de salvos que correm o risco de apostasia (deserção deliberada da fé) que se está falando ali! Sim, eles foram crentes genuínos no passado, mas negligenciaram a santificação e a obediência (livre) à Cristo, e por isso, como dizia Paulo, “naufragaram na fé” (1Tm 1.19). Gosto da figura evocada por Paulo do “naufrágio”, ela é bem significativa para falar de alguém que já esteve no barco (a nau), mas vacilou e afundou em meio ao mar revolto de tentações. Que ruína! Contrário aos que dizem que a graça não pode ser resistida ou que um salvo não pode declinar da salvação outrora recebida, a Bíblia afirma reiteradas vezes que:
- A pregação da Palavra pode em nada ser aproveitada (Hb 4.2)
- O esforço evangelístico pode ser feito inútil (1Ts 3.5)
- O homem pecador ou mesmo crente pode resistir ao Espírito Santo (At 7.51; Hb 3.7,8)
- O homem pode recusar os projetos de Deus para ele (Lc 7.30; Mt 23.37)
- A fé do crente pode ser pervertida (2Tm 2.18)
- A fé pode ser abandonada (Hb 10.38; 1Tm 1.19; 4.1)
- A fé pode ser recebida em vão (1Co 15.2)
- A graça pode ser recebida em vão (2Co 6.1)
- Pode-se cair da graça (Gl 5.4)
- Pode-se se excluir da graça (Hb 12.15)
Então sim, a Bíblia fala abundantemente da possibilidade de queda e apostasia final do crente, se ele não perseverar na fé. Os crentes judeus são sacudidos para que despertem da sonolência espiritual, antes que caiam precipício abaixo de modo irremediável (Pv 29.1). Cristo promete vida eterna aos crentes, mas somente aos que perseverarem até o fim (Mt 24.13; Mc 13.13; Hb 3.14; 10.38; Ap 2.10).
Somente estando em Cristo, e deixando Suas palavras estarem nele (Jo 15.4,7) é que o crente pode dizer junto com Paulo: “Quem nos separará do amor de Deus?” (Rm 8.35). Afinal, do amor de Deus só não serão cortados os que PERMANECEREM em Cristo. Foi ele mesmo quem disse: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor” (Jo 15.10).
Prestou atenção no “Se…”? Gosto do conceito de James Strong aqui: “[‘Se’ é] uma partícula condicional, que faz referência ao tempo e à experiência, introduzir algo futuro, mas não determinar, antes do evento”, ou seja, ninguém está determinado a permanecer no amor de Deus, sem levar em conta primeiro o evento da perseverança, da permanência voluntária em Cristo. Por isso, quando podendo deixar Cristo e seguir com a multidão, Pedro resolveu ficar: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).
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