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O modismo evangélico

É tempo de dizer que o rei vai nu. É tempo de voltar às bases e de nos centrarmos mais na glória de Deus do que na dos homens.

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Evangélicos
Evangélicos. (Foto: Photo by Edwin Andrade on Unsplash)

O povo evangélico é tendencialmente de modas. Parece que os líderes estão sempre a descobrir a pólvora.

Houve a fase dos usos e costumes (eufemisticamente denominada de “santificação”), a da guerra espiritual, do louvor, das técnicas de evangelismo, do crescimento da igreja, da teologia da prosperidade, da igreja contemporânea, do G-12, da mega-igreja, do culto sem pregação, da igreja na política, da igreja franchising, da igreja Disney (como diz um amigo meu), da pregação de auto-ajuda travestida de espiritual e sei lá o que mais.

Não quero dizer com isto que a igreja não deva ser contextualizada ao seu tempo e espaço próprios, como não pode deixar de ser. Pelo contrário. O problema que observamos é outro. É que a igreja perdeu a criatividade e anda a reboque da sociedade copiando-lhe as técnicas e a cultura. Deus é o Pai de toda a criatividade e nós andamos curvados a apanhar bolotas do chão em vez de endireitarmos a espinha e colhermos os frutos do alto.

Por outro lado, em muitos lugares perdeu-se o foco na apresentação do Evangelho aos homens e na edificação dos fiéis, optando-se por colocar a ênfase no tamanho do rebanho, lançando mãos de técnicas de puro marketing religioso. É hábito de alguns pastores, quando se conhecem, perguntar: “Quantas pessoas tem a sua igreja?”… Como se o nível de espiritualidade, pureza doutrinária ou fidelidade a Cristo pudesse ser traduzida em números. Parece que o foco não está na obediência a Cristo e a uma visão recebida de Deus, mas sim na opinião pública, na influência e poder que se possam vir a alcançar no meio religioso e ainda, em inúmeros casos, na influência política.

É tempo de dizer que o rei vai nu. É tempo de voltar às bases e de nos centrarmos mais na glória de Deus do que na dos homens.

Líder espiritual que corra de moda em moda é porque não está seguro do que Deus o chamou a fazer, ou então porque pensa que a obra de Deus se faz com técnicas e truques humanos e não com persistência, fidelidade e renovação pessoal. Quantos obreiros vão a congressos e conferências de igreja, ouvem um pregador internacional e regressam para irem pregar nas suas comunidades de fé o que ouviram. Parece que é mais fácil reproduzir o sermão de um pregador de prestígio do que parar, meditar e ouvir o Deus a quem dizem servir. A questão é que no tal congresso Deus falou num contexto definido, num tempo e a uma audiência específica. Papaguear em contexto diverso aquilo que foi dito é como aplicar uma peça dum carro no lugar errado. Não resulta e pode até causar estragos.

A melhor maneira de evitar entrar na corrente vertiginosa da moda pastoral, eclesiástica e teológica é definir uma identidade própria. Saber quem se é no reino de Deus é das coisas mais básicas e necessárias no ministério. Quem passa a vida a imitar os outros é porque não tem consistência para fazer o seu próprio caminho, isto é, para saber qual é o seu lugar no corpo de Cristo e cumprir a chamada divina que recebeu.

Simão, o mágico, estava disposto a pagar para aprender o que ele supunha serem truques ou técnicas que desconhecia e considerava apelativas (Actos 8:18,19). O que se verifica hoje é que muitos obreiros fazem o mesmo. Pagam para adquirirem novas “técnicas”, “visões” e métodos para as suas comunidades de fé, mas fazem-no de forma diferente. Querem estar na crista da onda, têm receio de ficar para trás, pensam que, se determinada visão resulta ali, também deve resultar aqui. Funcionam mais como imitadores dos outros.

Bem sei que o apóstolo Paulo exortou a que o imitassem (I Coríntios 11:1), mas o contexto refere-se a uma modelação espiritual: “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo”. Como se vê o apelo não é para sermos macaquinhos de imitação de estilos de pregação, de liturgias, de formas de comunicação ou métodos, mas para uma imitação na fé e segundo o carácter de Cristo. Ele, sim, é o modelo a seguir, não os pregadores famosos ou os ministérios mais mediáticos, que tantas vezes acabam por tornar-se pedra de escândalo para os fiéis.

Pessoalmente sempre tive alergia a imitar quem quer que fosse. Gosto de pensar pela minha cabeça e agir em consciência. Gosto de fazer o meu caminho com a ajuda de Deus. Como pastor há trinta e quatro anos nunca tive gurus, apenas companheiros e amigos de ministério. Só há um que gostaria de conseguir imitar, e não é difícil entender quem é. Esse mesmo, o mestre da Galileia.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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