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opinião

O retrato do Senado Federal

Onde os excelentíssimos senhores senadores, à semelhança de Dorian Gray, escondem os seus retratos?

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Plenário do Senado (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

O Retrato de Dorian Gray é um clássico do romantismo britânico da era vitoriana. O livro narra a história de um jovem que troca as virtudes e a honra pela beleza e juventude perenes, o conhecido pacto fáustico. O jovem embriaga-se nos prazeres imorais, todavia, apesar de o tempo decorrer goza de sua beleza e juventude, enquanto seu quadro, que agora carrega sua alma, envelhece e apodrece conforme ele mergulha numa imensa devassidão.

A obra byronista e de teor gótico estarreceu a sociedade à época de publicação. Oscar Wilde, autor do livro, defendeu sua obra das mais ferrenhas críticas e censuras, mas, assim como toda obra universal, ela transpôs o tempo. E quem diria que encontraria a elite ideológica do século XXI, e, até mesmo congressistas, vivendo abertamente o hedonismo, foco da narrativa de Wilde.

O narcisismo, os discursos voluptuosos e a alma ocultada em quadro escondido parecem ganhar analogias em nossos tempos. Os escusos desejos dos excelentíssimos senhores senadores exalados por ocasião da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid estarrecem e indignam qualquer indivíduo dotado minimamente de alguma sanidade e senso de justiça.

Muitos dos senadores parecem agir como o personagem Dorian Gray. Envoltos em maldades, entregues às próprias vontades, que se sobressaem ao bem comum, conduzem à morte qualquer que os questionem, ou ponham em dúvida suas declarações, ou ainda, arrisquem de fracasso seus planos abjetos.

O artista plástico em ascensão, Basel Hallward, é o personagem que cria o retrato em tamanho original do Dorian Gray. Também é ele que questiona a conduta e as transformações abruptas sofridas pelo jovem. Por tanto insistir no resgate do jovem e pedir-lhe para ver o quadro, que se encontrava escondido em um quarto, Dorian o mata.

Execrar a honra dos convidados ou convocados da CPI da Covid que ousam discordar e apresentar argumentos que contrariam a narrativa escolhida pelos senadores tornou-se comum em cada sessão. Interpolados, mas impedidos de expor seus argumentos e defenderem suas opiniões, eles têm a sua liberdade de expressão e sua honra assassinadas.

Vislumbra-se um verdadeiro tribunal inquisitório. Praticam abuso de autoridade e assédio moral; ameaçam e julgam. Regozijam-se em suas imoralidades e escondem os retratos de denúncias de corrupção e leviandades. A cada dia de trabalho da CPI da Covid, mais apodrece o retrato em que reside a alma de cada um dos senadores.

Na última terça-feira, primeiro de junho, a Dra Nise Yamaguchi, inocente e virtuosa como Sybil Vane, de Oscar Wilde, foi mais uma vítima dos senadores. Omar Aziz e Otto Alencar protagonizaram uma das cenas mais vergonhosas encenadas no Senado. Empenhados em constranger a médica, promoveram um assassinato de sua reputação e credibilidade. Trataram-na com total desprezo e desrespeito. Tolheram sua fala, acusaram-na mentirosa e ousaram criticar até mesmo o tom doce e tranquilizante de sua voz. O gozo em humilhá-la foi tão nítido que até mesmo uma senadora da oposição ousou intervir em defesa da depoente.

Além de Omar Aziz e Otto Alencar, Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues e Humberto Costa têm patrocinado orgias de horrores. O bom senso e o intelecto são superados pela ganância de remover qualquer opositor e, para isso, tentam a qualquer custo traçar um caminho viável para um impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Não foi a primeira vez que os senadores atacaram descabidamente uma mulher na CPI, a Dra. Mayra Pinheiro, secretária de gestão do trabalho, educação e saúde do Ministério da Saúde também foi alvo deles na ocasião de seu depoimento.

A atitude dos senadores promoveu mal-estar em muitos segmentos da sociedade, inclusive do Conselho Federal de Medicina que declarou ser intolerável e inaceitável o comportamento dos senadores. Elencou o CFM que a atitude de alguns dos senadores poderia ser considerada misógina e disse ser tóxico o ambiente da CPI. O presidente Mauro Ribeiro ainda se dispôs a depor para expor o posicionamento dos médicos brasileiros sobre a pandemia. Ademais, o grupo Médicos pela Vida, O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o próprio presidente da República se solidarizaram com as médicas atacadas.

Na história de Oscar Wilde, há um personagem importante que conduz Gray aos caminhos de prazer e imoralidade, fala-lhe o que ele deseja ouvir, é o Lorde Henry Wotton. Não faltou esse personagem na CPI da Covid. A médica Luana Araújo esteve no Senado com um discurso repleto de frases de efeito e pouca ciência, mas acalentou as promíscuas almas dos senadores, afagou-lhes o ego e concedeu-lhes o discurso perfeito para o relatório cuja conclusão já é conhecida por todos. Luana foi abrasiva, disse que o Brasil estava na vanguarda da estupidez. Parece que nisso ela tem razão, basta unicamente ajustar os motivos pelo qual faz a afirmação.

O clichê tem nomeado a CPI de circo, o que obviamente é uma afronta à arte tão bela como a circense, mas reconhecemos que é difícil adjetivar ou mesmo classificar o que vemos. Afinal, nem mesmo a Casa de Eny foi tão indecorosa e libidinosa quanto o cenário da CPI no Senado. É mais que imoral a CPI que visa apurar irregularidades ocorridas na saúde seja presidida justamente por um senador investigado por desviar 260 milhões da Saúde do Amazonas e cuja esposa e três irmãos tenham sido presos por corrupção e organização criminosa. Omar Aziz foi alvo da operação Maus Caminhos, deflagrada em 2016. Cabe até trocadilhos com o nome dado à operação da Polícia Federal. Ademais, o senador também já esteve envolvido em denúncias de exploração sexual infantil, pedofilia, em 2005, absolvido por apenas um voto.

Infelizmente, as incongruências não param no presidente da comissão. O relator da CPI, o senador Renan Calheiros, dispensa apresentação e segue com uma lista de ao menos treze processos. Entre as acusações: corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Com relação aos membros, supõe-se que o senador Humberto Costa, apontado como o Drácula da lista de propina da Odebrecht, citado nos mais de 70 inquéritos autorizados pelo ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), tenha recebido mais de R$ 590 mil em propinas. Além dessa investigação, o excelentíssimo senador, também envolveu-se no escândalo das ambulâncias, conhecido como o caso dos sanguessugas. Seguindo com os membros em destaque, segundo O Globo, o senador Otto Alencar também fazia parte da Lista da Odebrecht.

Indigna ver pessoas com o currículo tão desabonado como o desses homens, membros de uma instituição tão fundamental à democracia, como é o Senado Federal, e que ainda sejam expoentes de uma CPI que busca investigar casos de corrupção. Parece-nos que o Brasil está mesmo em maus caminhos.

Não creio, todavia, que à semelhança do personagem Dorian Gray, esses senadores percebam suas imundices e tentem o retorno ao bom e verdadeiro. Estão embriagados demais em suas malícias para isso. Não correrão aos retratos de sua devassidão e darão fim a corrupção que consomem as suas almas e destroem essa nação. Aguardamos, unicamente, que os brasileiros percebam a realidade que os cerca e se escandalizem ao ponto de mudarem as próprias condutas. As eleições se aproximam!

Serva do Cristo Vivo, é casada com Diógenes Rocha e mãe de Luiza, Adonai e Maria Júlia. Amante da literatura, é escritora. Formada em Letras, pós-graduada em Linguística. Servidora pública como professora do Estado de Pernambuco.

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