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As paredes pretas esconderam o simbolismo do templo

O templo é uma concepção divina, de acordo com registros bíblicos.

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Igreja com luzes
Igreja com luzes (Laura Stanley/Pexels)

Pastor, professor de Teologia, formado em Letras.

O templo é uma concepção divina, de acordo com registros bíblicos, (Êxodo 25:8,9).

Este artigo pretende demonstrar a desvalorização e corrupção da concepção divina do templo ao longo da história, das quais as paredes pintadas de preto representam apenas mais um capítulo dessa trajetória.

Que fique claro desde o início que uma coisa é apontar o desaparecimento do simbolismo sagrado na construção dos templos, outra bem diferente é negar que Deus habite neles.

Não se trata de criar polêmica, de evocar radicalismo doutrinário, muito menos de desaprovar o ministério dos que adotaram as paredes pretas em seus templos; antes se busca identificar de uma forma equilibrada que a composição e a estética do templo sempre foram tópico importante para o cristianismo, justamente pela origem direta em Deus, por fim, que isso é apenas mais um capítulo na subversão de prioridades e como o significado das coisas sagradas tem se diluído ao longo dos últimos séculos.

O espírito laico apoderou-se da concepção moderna de templo; aplicado primeiramente ao exterior, temo que se não for refutado, inevitavelmente convergirá para o interior, atingindo a alma humana. Hoje com a mesma facilidade que se abre mão das coisas sagradas, acolhe-se displicentemente qualquer sugestão de abandono do sagrado.
Creio que não se pode simplesmente ignorar a tradição e a rica literatura cristã disponível desde os últimos séculos sobre o templo e sua simbologia, diante da mudança radical na estética que as paredes pretas provocaram no propósito dos templos.

Ter que defender a origem divina na concepção e na arquitetura do templo, diante de tantos exemplos concretos que ainda existem para efeito de comparação com as paredes pretas, mostra de certo modo o empobrecimento do conhecimento e perda da consciência que as coisas sagradas atingiram e confirma que fracassamos um tanto ao rotular essa riqueza artística, histórica, cultural e principalmente espiritual como coisas do passado e prescindíveis.

A origem celeste do templo do Deus zeloso

A concepção do templo não foi produto da criatividade ou inspiração humanas; antes, foi dada diretamente por Deus. Sua origem é celeste. “E me farão um santuário, para que eu habite no meio deles. Conforme a tudo o que eu te mostrar para modelo do tabernáculo, e para modelo de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis.” (Êxodo 25:8,9).

Na “História da Igreja”, de Eusébio, podemos perceber que a concepção do templo entre os primeiros cristãos ainda se assemelhava à dos judeus no Antigo Testamento. Eles entendiam o templo cristão como reflexo na terra de um tipo celeste; a Nova Jerusalém do Apocalipse, residência do Deus Altíssimo. Não que os cristãos atuais desconheçam totalmente, mas para estes a simbologia com toda sua complexidade foi em parte perdida e em parte desvalorizada e atua como simples abstração sem vínculos já com a realidade, posto que não há mais contexto que a justifique.

É interessante notar que na Nova Jerusalém não haverá mais necessidade do santuário, “porque o seu santuário é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro.” (Ap. 21:22); logo, conclui-se que o templo na terra é a representação da presença do próprio Senhor Deus Todo-Poderoso.

Um dos nomes do nosso Deus é Zeloso (“pois o nome do Senhor é Zeloso;” Êxodo 34:14). Ele zela pelas suas coisas. No Livro de Êxodo está descrito detalhadamente como seria seu primeiro santuário e em Levítico está como se procederia a operação desse santuário.

A igreja católica inseriu uma série de símbolos convencionais, enquanto os protestantes preferiram o simbolismo essencial. Os primeiros se ligam de certa forma artificialmente aos seus objetos, os últimos ligam o objeto material ao seu correspondente espiritual de forma indissolúvel. Sem entrar em detalhes para manter o foco, mas há literatura católica tratando até sobre a simbologia dos bancos e sua disposição na igreja – isso, é consenso entre eles mesmos, como um tipo de simbologia convencional – enquanto que os protestantes permaneceram com os itens dos textos bíblicos exclusivamente.

A CPAD chegou a editar no 2° trimestre de 2019, conteúdo pentecostal aprofundado, comentado pelo pastor Elienai Cabral, exclusivamente a respeito do tabernáculo (o templo móvel) nas Lições Bíblicas Dominicais. Porém, a teologia assembleiana – protestante por extensão – também se refere ao templo somente como uma abstração já sem implicações com a realidade, pois até onde se sabe não se constroem templos pentecostais com a aplicação da simbologia primordial em vista.

Quando a simbologia dos templos perdeu sua importância

No livro de Apocalipse entendemos que o templo na terra representa o próprio Senhor Deus Todo Poderoso, (Ap. 21:22) e no livro do Êxodo conhecemos em detalhes a composição desse templo (Êx. 25:8,9).

Começou com o Tabernáculo, feito sob direção de Moisés, depois houve o templo de Salomão, recomendado por seu pai, Davi. Esses dois exemplos bíblicos seguiam rigorosamente ordens divinas.

Na Idade Média os templos atingiram o ápice de refinamento simbólico com o amadurecimento da teologia cristã e o desenvolvimento das artes liberais. Além de arquitetos que entendiam a simbologia e mestres artesãos, havia também mestres da pintura que ilustraram trechos bíblicos que permanecem até hoje como obras primas da humanidade. Ocorre que ao mesmo tempo que incorporavam toda aquela riqueza de detalhes e sofisticação arquitetônica, ocorria a apropriação da simbologia bíblica pela maçonaria que passava a aplicar um sentido esotérico a cada detalhe, descolando-se da simbologia primordial bíblica. Na quase totalidade desses templos já há uma mixórdia do simbolismo sagrado com simbolismo maçônico.

Já no século vinte, desde sua primeira década, o movimento pentecostal experimentou tremendo crescimento, iniciado a partir do episódio do Avivamento da Rua Azuza em Los Angeles, EUA. Nessa época, os protestantes tradicionais já construíam templos muito mais singelos e desprovidos de toda a riqueza simbólica daqueles da igreja católica na Idade Média. Vale notar que o primeiro templo do Avivamento da Rua Azuza foi um barracão de madeira alugado, na rua que deu nome ao grupo.

O crescimento vertiginoso do pentecostalismo, sem dúvida passou pela estratégia de alugar barracões ou salas comerciais para cultuar, ao invés de construir templos, o que permitia que se expandisse com muito mais velocidade. Mesmo quando construíam templos, os protestantes desnudavam suas paredes da iconografia e esculturas conforme as adotadas pelos católicos, mas ainda preservavam algum resquício que remetia aos suntuosos templos da Idade Média; seja pelo púlpito que ainda exercia importância na composição do altar, seja, pelas janelas e fachadas que seguiam o padrão de disposição, seja pelo corredor formado a partir da porta que culminaria no altar, diante do púlpito.

No Brasil, através de registros fotográficos, podemos comprovar que algumas igrejas protestantes do interior e mesmo as antigas das capitais, chegavam a construir um arremedo de torre na sua fachada, como que evocando resquícios dos templos primordiais a que se referiam.

Se por um lado a igreja católica já não constrói obras monumentais como as da Idade Média, por outro lado os pentecostais nunca chegaram a ter a preocupação e a concepção de construção que os católicos tiveram sobre templos. O simbolismo primordial extinguiu-se há muito tempo e mais recentemente, os próprios templos em si não fazem mais sentido pela concepção e pela forma como eram construídos, dada que a experiência que o público digital procura não é mais aquela presencial.

A icônica catedral de Brasília, por mais ovacionada que seja, não passa de uma obra da cabeça do arquiteto ateu e comunista Oscar Niemeyer. Do ponto de vista espiritual demonstra a decadência de quem elegeu um ateu para a construção do templo que reflete o próprio Senhor Deus Todo Poderoso na terra. Diga-se de passagem que Millôr Fernandes se referia a Niemeyer como metade idiota, talvez por suas preferências políticas, (AZEVEDO, 2006).
Sendo assim, nesse contexto da igreja ter que recorrer a ateus para projetar seus templos, do lado católico, e dos protestantes pintarem suas paredes internas de preto é onde chegamos.

O filósofo Roger Scruton afirma que a arte atual não se importa mais com a beleza e que os artistas estão mais preocupados que ela seja tão perturbadora quanto o mundo que nos rodeia. Assim a arte perde o status de sagrado e não tem mais compromisso com a beleza e sublimidade. Esse racional se aplica com precisão à construção dos templos na medida que perde sua importância sagrada e passa a atender prioritariamente demandas para consumo digital ditadas pelos departamentos de marketing.

Quem dita as regras?

Deus é onipotente e nunca perde o controle de nada, mas temo que os templos já não são construídos de acordo com os preceitos que ele deixou na Bíblia.

Hoje o cidadão comum pode assistir vídeos no Youtube que mostram como são por dentro, praticamente qualquer um desses grandes templos católicos ou protestantes que restaram. A cena é, grosso modo, a mesma: os templos estão posicionados de acordo com os pontos cardeais, a luz natural entra no templo pelas janelas cuidadosamente dispostas, é dissipada entre mil tonalidades e efeitos através dos vitrais que são pura obra de arte. Seus fachos cortam a escuridão do fundo, refletem e iluminam a nave e o altar.

O indivíduo fica como que arrebatado dos sentidos pelo espetáculo, fruto da combinação majestosa da arquitetura que assimila e projeta internamente a luz natural, feito um roteiro de contemplação que parte desde a porta e culmina no altar. Na maioria deles se dispensa totalmente a luz artificial durante o dia. A sensação é como se a pessoa experimentasse algo estranho ao mundo natural e participasse realmente de algo divino.

Havia uma preocupação fundamental e justa na concepção dos templos antigos em como trabalhar a luz natural e realçar seu efeito no interior da nave e demais ambientes. Os templos exibiam um esplendor provocado pela natureza luminosa dos vitrais que atingiram um nível impressionante de desenvolvimento.

Otto von Simson escreveu que em 1144, na igreja de Saint Denis, o Abade Suger retratou o espaço da catedral com um lugar que os céus tocavam a terra. Era um espaço onde o vivente podia vislumbrar os céus. O próprio Simson interpreta a concepção que o Abade tinha da catedral como uma amostra do céu, na qual o indivíduo podia experimentar cada vez que adentrasse em uma, (SCOTT, 2003, p.121).

Hoje a luz brilha ou se apaga comandada por especialistas em iluminação artificial. Antes havia a preocupação com o posicionamento dos vitrais para conduzir a luz natural e realçar seus efeitos; hoje essa preocupação recai sobre o aparato tecnológico de luzes artificiais e seus estroboscópios de cores múltiplas. A luz artificial é um recurso empregado para buscar e enaltecer quem fala ao microfone, ela é a principal ferramenta dessa linguagem teatral sendo criada nas igrejas para transmissão dos cultos.

A demanda das paredes pretas nas igrejas surgiu por conta das redes sociais. Essa visão já não leva em consideração somente aqueles que frequentam o templo, mas ela se preocupa, sobretudo, com o público das redes sociais e com a qualidade do espetáculo proporcionado num streaming de vídeo divulgado ao vivo por seus canais digitais. Ela extrapola o âmbito da comunidade e agora mira os usuários das redes sociais que consomem esses vídeos e trazem milhões de views. O culto mesmo gravado continua a ser visto meses e anos após seu encerramento. Há o ganho da abrangência, mas o preço que se paga é que a experiência com a comunidade esvai-se com os esforços concentrados na experiência digital.

Se antes o fiel sentava num banco para vivenciar a experiência individual, introspectiva, de estar dentro do templo contemplando aquele espetáculo iluminado, sua riqueza arquitetônica e artística, hoje ele é privado dessa experiência e sua participação se limita a figurar num culto que será transmitido e visualizado por milhões.
Moisés construiu o tabernáculo sob orientação divina; na Idade Média as catedrais foram construídas sob a orientação compartilhada de maçons; as igrejas de parede preta são construídas sob orientação compartilhada entre pastores, marqueteiros e técnicos de som e luz. Aqueles corromperam e manipularam a simbologia sagrada, estes se curvam diante das estatísticas do desempenho dos vídeos.

É um paradoxo que aqueles que consideram a estética simbólica sagrada do templo irrelevante, são justamente os mesmos que valorizam a estética das paredes pretas pela plasticidade que proporcionam às filmagens e pela sua eficácia junto aos consumidores internautas. O eixo de importância se transfere da experiência real e concreta da presença física no templo para a experiência puramente digital.

Um último ponto sobre a simbologia, é a confusão gerada entre cristãos por conta da apropriação que houve por esotéricos e maçons dos símbolos bíblicos relativos à construção do templo. Esse argumento não se sustenta, pois, um texto sagrado não perde sua validade porque alguém usurpou dele; pelo contrário, a orientação divina permanece intacta. Essa é uma estratégia satânica; apoderar-se de rituais e preceitos divinos, corrompê-los, devolvê-los corrompidos e causar confusão entre os cristãos sobre sua autenticidade.

Um exemplo recente é a apropriação do símbolo do arco-íris pelo movimento gay. Esse símbolo foi deixado por Deus como a aliança que ele fez com Noé de que não permitiria mais que as águas se tornassem em dilúvio sobre a terra, (Gênesis 9:8-17). Não sabemos quanto tempo durará esse movimento, mas a aliança do nosso Deus e o símbolo que nos remete a ela, perdurarão enquanto houver ser humano na terra. Ignorar um símbolo sagrado é perder contato com a realidade superior que ele remete.

No Evangelho de Mateus há uma passagem que os fariseus questionam Jesus sobre o divórcio, ao que ele responde: “Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.” (Mateus 19:8). Esse é o caso de um mandamento divino que teve de ser “adaptado”, não por vontade divina, mas pela dureza dos corações dos homens. Penso que há uma equivalência dessa aplicação para o caso dos templos. Há uma direção detalhada para a construção de templos mas que foi abandonada ao longo dos séculos por n razões. Essa situação se impõe e pouca força têm os que estão inseridos nesse sistema que envolve a atual concepção protestante de igreja, cultos e a geração de conteúdo baseado na transmissão de cultos.

Por fim, não se trata de criticar o ministério daqueles que adotaram as paredes pretas e que ao final acabam levando o Evangelho a milhões. Este artigo é uma tentativa de traçar resumidamente o desenvolvimento histórico da concepção de templo e de despertar os cristãos para a perda de um elemento importante da sua história, da qual as paredes pretas são apenas consequência de causas muito mais profundas. Jamais quero ser confundido com aquele que nega a presença de Deus em tais lugares.

Formado em Letras (Literatura Inglesa e Portuguesa), pastor assembleiano, professor da EBD e de teologia, residindo em São José, SC.

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