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opinião

A construção dum servo

Um crente é essencialmente um servo, uma testemunha de Jesus. Liderança é outra coisa.

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Moisés e a sarça ardente. (Foto: Reprodução)

“E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia.
E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima.
E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui.
E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa.
Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus”(Êxodo 3:1-6).

À epifania de Moisés no Monte Horebe podia chamar-se o processo de construção dum líder, já que ele foi chamado pelo Deus do Antigo Israel para levar a cabo a elevada missão de libertar o povo hebreu da escravidão do Egipto e conduzi-la à terra “que mana leite e mel”, prometida ao patriarca Abraão e sua descendência. Mas como o termo líder tem sido ultimamente muito abusado, mesmo nos arraiais cristãos, prefiro chamar-lhe o processo de construção dum servo.

Há quem defenda que todo o crente é um líder em potencial. Nada mais errado. Um crente é essencialmente um servo, uma testemunha de Jesus. Liderança é outra coisa.

Se pensarmos na biografia de Moisés concluiremos que há alguns aspectos a considerar no processo de construção dum servo: 

Um servo aprende que Deus nunca desiste de si

Moisés tinha cometido o maior erro da sua vida ao atacar e matar inadvertidamente o guarda egípcio, embora o tivesse feito com a melhor das intenções, ou seja, para proteger um seu irmão, hebreu como ele, que estava a ser espancado.

Em consequência disso teve de fugir, pois, apesar de ser neto adoptivo do faraó, haveria de vir a ter sérios problemas se permanecesse em terras egípcias.

Fugiu para o deserto do Sinai e por lá andou durante quarenta anos, numa vida nómada de aparente irrelevância, a guardar ovelhas e cabras.

Ele, que tinha sido educado no palácio do rei da nação mais poderosa da terra, tornara-se agora um foragido, esquecido por todos, mas não pelo Deus do seu povo e dos antepassados. Ele precisava descobrir que Deus ainda não tinha desistido dele.

Um servo descobre que Deus se faz presente no seu mundo

Ao fim de quatro décadas Moisés já conhecia os segredos do deserto há muito. Sabia da variação das temperaturas e dos ventos, conhecia perfeitamente a vegetação e a fauna da região, assim como os cheiros e os sons do dia e da noite.

Possivelmente já tinha assistido a combustões espontâneas no pico do calor do dia no deserto, mas nunca tinha visto um arbusto a arder sem se consumir.

Deus fez-se notar à sua frente, diante dos seus olhos, solicitou a sua atenção. Precisamos de estar atentos à forma como Deus se faz presente no nosso dia-a-dia, como se apresenta no nosso mundo. Um servo só está preparado para servir a Deus quando descobre que Ele se faz presente no seu universo pessoal e na sua história. 

Um servo sabe que Deus se lhe quer revelar

Para que não houvesse dúvidas Deus apresentou-se pessoalmente a Moisés: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó” (6a). Sim, Aquele que falava com ele desde a sarça ardente e fazia agora daquele espaço terra santa era o mesmo Deus dos seus pais, cuja memória se havia perdido na noite dos tempos e no imaginário colectivo dos hebreus. Por isso havia que refrescar a memória de Moisés. Era em nome do Deus dos patriarcas que ele era agora chamado a executar uma tarefa tão complexa e temerária, para a qual se sentia impreparado, como é apanágio de todo o servo de Deus que recebe uma missão da Sua parte.

Um servo só está preparado para servir a Deus quando sabe que Ele é um Deus que se revela aos seus e a todo o que o busca de coração. Se não houver uma revelação divina, a missão torna-se um emprego, um hobby, uma obrigação, ou até mesmo um fardo.

Um servo procura manter uma atitude de reverência

Face ao quadro inesperado, a reacção de Moisés foi tapar o seu rosto, em reverência para com Deus: “Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus” (6b). Esta seria a primeira vez que Deus falava com ele, pois não há notícia que o tenha feito nos anos do Egipto, tendo em conta que o povo hebreu clamava agora aos céus para que o Deus dos seus pais os libertasse e conduzisse para fora daquela terra de deuses estranhos. Também não há notícia de que alguma vez Deus se tenha encontrado com Moisés na solidão dos tempos do deserto.

Um servo só está preparado para servir a Deus quando mantiver uma atitude de reverência como estilo de vida.

Se queremos mesmo servir a Deus, nunca nos esqueçamos que Ele nunca desiste de nós; que se apresenta no nosso mundo, à nossa frente, assim estejamos atentos; que Ele se revela a nós como Deus vivo e verdadeiro; e que em função disso devemos manter uma atitude de humildade e reverência.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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