hermenêutica
“Teologia da experiência” não é teologia pentecostal
Confundem a teologia místico-popular, muitas vezes “neopentecostal”, com a teologia oficial do pentecostalismo.
Teologia da Experiência é uma abordagem teológica pós-modernista (e pós-liberal) caracterizada pela supervalorização da experiência do sujeito quando de sua leitura, interpretação, aplicação e transmissão da Bíblia Sagrada.
Não se trata de uma perspectiva genuinamente pentecostal, tampouco carismática, embora alguns de seus representantes se esforcem muito por defendê-la como uma verdadeira proposta teológica pentecostal, a ponto de classificar como “neocalvinistas”, “reformados” e “cessacionistas” os pentecostais que a criticam.
O conceito-chave dessa abordagem, como o nome indica, é a experiência, o que pode servir de atrativo a pentecostais desejosos de fundamentação teórica para a defesa de sua fé e identidade, considerando que uma das doutrinas características do pentecostalismo é a atualidade dos dons espirituais e a aplicabilidade, para hoje, do batismo no Espírito Santo evidenciado pelo falar noutras línguas, o que vem sintetizado na cláusula petrina “… e a todos quantos Deus, nosso Senhor, chamar” (cf. At 2.39).
Precisamos, porém, compreender qual a concepção que esses autores têm de experiência; quais as suas premissas ideológicas, seus valores e referenciais teóricos; qual o método que elegem para a interpretação das Escrituras; qual a relação que fazem entre o conceito de experiência e os conceitos de revelação, inspiração, canonicidade, autoridade e suficiência das Escrituras. Esta é uma empreitada que pode durar tempo considerável, mas que precisamos levar adiante, haja vista os veementes indícios de que não se trata de uma proposta ortodoxa.
Um exame detido de livros, artigos, palestras e declarações variadas dos representantes da Teologia da Experiência mostrará que, longe de teologia pentecostal, o que se tem é uma percepção ressentida quanto ao mundo protestante e sua fé, identidade, cosmovisão, tradição, cultura, doutrina e teologia, além de uma sementeira de dúvidas e teorias importadas das ciências sociais e da filosofia, com forte “sotaque de esquerda”.
Para se ter uma ideia do conceito de experiência para esses teólogos, um deles chamou de “experiência” a ida do profeta Oseias ao encontro da prostituta que tomaria como sua esposa, conforme a ordem divina. Em termos comuns, é claro que a realidade humana é construída por experiências, e que o que o profeta vivenciou pode ser caracterizado como tal, mas – atenção! – com isto se constata que o conceito de experiência para essa abordagem teológica ultrapassa os contornos da pneumatologia e avança ao campo do existencialismo.
No caso de Oséias, contado entre os “Profetas Dramáticos”, o que houve foi a obediência a uma determinação para que ele vivenciasse uma situação real que se tornaria metáfora para a relação de Deus com Israel – isso não guarda nenhuma proximidade com a tese de que “é a experiência que torna sagrado”, como diz esse mesmo teólogo (em outra fala, mas na mesma ocasião). Bem por isso, não se pode abraçar a suposição de que essa abordagem reconhece o valor da experiência pentecostal-carismática, dado que o que ela enaltece é a experiência em si, o subjetivismo, o lugar existencial, ainda que a pretexto de se eleger apenas a experiência que seja resposta à revelação de Deus.
O leitor poderá mesmo se assustar ao perceber que, mais do que uma corrente teológica pseudopentecostal, está-se diante de um repertório de ensinos alheios à fé cristã, mais carregados de premissas filosóficas e ideológicas do que de Bíblia.
Alguns expositores dessa tendência dirão, por exemplo, que a Bíblia seria o relato da trajetória de Deus em Sua relação com a humanidade e o registro das experiências dos autores diante da revelação divina, sem dar o devido realce ao processo de inspiração verbal e plenária; que haveria uma revelação especial não canônica, transmitida oralmente e não necessariamente absorvida pela Bíblia que temos na Igreja Ocidental; que a Igreja Oriental, por não ter passado pelos Concílios Ecumênicos do Ocidente ou pela Reforma Protestante, teria um cânon ampliado e não menos legítimo; que a causa de o Homem rejeitar o culto a Deus estaria na Razão; que não é possível obter conhecimento absoluto sobre nada, “inclusive sobre nós mesmos”; que o que temos em nossas mãos não é a Bíblia, “mas uma versão em português dela”; que o hebraico e o grego “estão tentando” reproduzir as experiências vivenciadas pelos autores bíblicos.
Esses mesmos pensadores “pentecostais” dizem, ainda, que a “hermenêutica pentecostal” consegue compreender os textos de Lucas-Atos, não como fruto da própria mensagem em si – acessível pelo método histórico-gramatical -, mas porque o leitor pentecostal teria maior propensão a se identificar com as experiências dos personagens bíblicos em virtude de pressupostos pessoais, sociais e comunitários; que o leitor pentecostal estaria mais inclinado a formas menos racionais de convencimento, mediadas por intuição, emoção, afeto, performance, poesia ou êxtase; que, enfim, circunstâncias históricas, sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais tornariam o povo pentecostal menos “racionalista”, menos “dogmático” e mais aberto à oralidade.
Curiosamente, essa Teologia da Experiência, que se arroga sensível aos socialmente vulneráveis – e por isso pode ser classificada como seção da Esquerda Teológica – constitui uma perspectiva elitista e academicista, exatamente aquilo que alega combater.
O elitismo reside na maneira condicionante e equivocada de enxergar o leitor pentecostal como se fora premido por fatores existenciais que o conduziriam a ler a Bíblia com um olhar experiencialista, desconsiderando a iluminação do Espírito para a transformação de premissas meramente humanas em pressupostos válidos, segundo os quais a Bíblia é a Palavra divinamente inspirada, inerrante, infalível, autoritativa, suficiente, absoluta e eterna; e o academicismo consiste na postura autocentrada, exclusivista e até hilária de supervalorizar a experiência e diminuir o aspecto da racionalidade, enquanto eles mesmos habitam no meio dos livros, criam teorias estapafúrdias e adotam referenciais teóricos em nada sintonizados com a Palavra de Deus.
Por outro lado, esses verdadeiros “escafandristas” da experiência confundem a teologia místico-popular, muitas vezes “neopentecostal”, com a teologia oficial do pentecostalismo, e falam como estando “de fora”, com seus sofisticados aparelhos de sondagem, enquanto se postam como legítimos defensores da tradição pentecostal quando algum mortal indica suas contradições.
Por fim, cabe dizer que o trabalho da apologética é identificar, diagnosticar, avaliar e combater ameaças à saúde espiritual da Igreja.
Liberais e pós-liberais não costumam gostar de apologistas, que consideram “caçadores de bruxas” a ver fantasmas em todo canto. Paciência.
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