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estudos bíblicos

Carta aberta a Victor Azevedo

A distinção entre Palavra de Deus e Escritura está na gênese do liberalismo teológico.

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Victor Azevedo. (Reprodução / Instagram)

O senhor não me conhece, mas seus pensamentos chegaram até mim pelas redes sociais, na esteira da repercussão negativa de frases que demonstram um distanciamento abissal entre aquilo que o senhor prega e aquilo que ensina o Cristianismo Protestante. Espero, porém, que estas linhas tornem claro o que pretendo com esta singela carta.

Preciso consignar, de logo, que me causa espanto a ligeireza com que o senhor dispara afirmações doutrinariamente absurdas, dizendo, por exemplo, que a Bíblia não é a Palavra de Deus, que não se sente inferior a Deus – por ser supostamente tão justo quanto Ele –, ou que Jesus, se estivesse no Éden, comeria o fruto proibido.

A distinção entre Palavra de Deus e Escritura está na gênese do liberalismo teológico, fundado no racionalismo e na incredulidade, e deu origem ao método histórico-crítico. Também percebo, em suas palavras, humanismo, evangelho de autoajuda e uma versão piorada da Teologia da Prosperidade. De fato, inexistem novidades em suas declarações, haja vista tratar-se de simples releitura coaching de heresias antigas, mas o senhor “causa”, para empregar aqui uma gíria de nosso tempo.

No entanto, esta breve dissertação não tem como foco propriamente a natureza e gravidade de suas preleções no mundo da internet, tampouco o ministério que o senhor exerce em sua igreja Por Amor, em São Caetano do Sul. Quero, na verdade, informar-lhe que a heresia que o senhor ensina acerca da Bíblia é compartilhada por certas autoridades de igrejas muito maiores e mais antigas que a sua, e que, portanto, não considero razoável que o senhor se veja como alvo solitário dessa indignação que temos visto nos últimos dias.

Mesmo em determinada igreja tradicionalmente assentada em solo brasoleiro existem alguns “mestres” (poucos, felizmente) que concordam com o senhor em muitas coisas. Eles constituem, ainda, uma minoria, mas que tem conseguido preencher cargos importantes em instâncias da denominação, com espaço para lançamento de livros, publicação de artigos acadêmicos e ministração de palestras em conferências e outras atividades institucionais, utilizando-se dos canais oficiais da igreja.

Sei o que estou dizendo, e posso provar. Acompanhe-me, por favor:

Sugiro inicialmente que o senhor considere a existência de uma abordagem teológica chamada “teologia da experiência”, a qual, constituindo uma adaptação existencialista e pós-modernista da teologia pentecostal, opera espertamente a aplicação de linguagem pentecostal-carismática para o que não passa de experiência  humana pura e simples, afirmando-se que fatores sociais, econômicos, políticos, emocionais e culturais condicionam a leitura do fiel pentecostal.

Isto, na realidade, é uma hermenêutica do tipo “resposta do leitor” que mistura o método sócio-crítico, técnicas do método histórico-crítico e técnicas desconstrucionistas e pragmáticas, paralelamente ao que fazem as teologias negra, feminina, inclusiva e da Libertação.

Recorrendo a teorias sociais e literárias, esses autores criaram argumentos em prol de uma suposta reformulação da teologia pentecostal que contraditoriamente dizem defender.

O que, então, a teologia da experiência teria de semelhante com o que o senhor ensina? Ora, teólogos da experiência veiculam a noção errônea de que a Bíblia é o mero registro (narrativa) das experiências que determinados homens tiveram com a revelação divina, e não a revelação escrita e divinamente inspirada de forma verbal e plenária.

Para o senhor ter uma ideia ainda mais clara do que está a ocorrer, registrarei abaixo algumas afirmações de um dos próceres desse movimento herético que se diz “pentecostal”, mas que não têm repercutido tanto quanto as palavras (igualmente heterodoxas) que o senhor profere. Tenho certeza de que o senhor ficaria feliz em forjar, com as palavras que citarei, frases de impacto para suas próximas palestras, brotando de insights tão “espetaculares” quanto infundados. Senão vejamos:

Impossibilidade do conhecimento verdadeiro e absoluto:

“A primeira coisa é a gente entender o quanto nós desconhecemos, não é o quanto nós conhecemos – eu queria que ficasse isso como um marco de tudo que nós vamos conversar aqui, porque a nossa atitude às vezes é uma atitude de quem conhece ou que pode conhecer muito, e na verdade é justamente o contrário disso: a gente não conhece e pode conhecer muito pouco”.

Ausência de caráter absoluto na própria Bíblia:

“Eles [referindo-se ao texto bíblico, à teologia e aos sistemas teológicos] não são absolutos em si, e não podemos ter conhecimento absoluto sobre nada, inclusive sobre nós mesmos”.

Diferença de valor entre a revelação sobre Jesus e todo o restante da Bíblia:

“Deus Se revela completamente na Pessoa de Jesus – isso indica uma coisa pra nós, uma coisa muito séria (…): é tão importante entender Jesus como Deus, mas é muito importante também entender que Deus é como Jesus. Isso aqui é muito importante, e eu não queria que você deixasse isso passar (…) A imagem de Deus que nós temos de buscar, com todo o respeito, não são as múltiplas imagens que o Antigo Testamento nos mostra, porque todas aquelas imagens ainda eram parciais. A imagem total e completa é Jesus. Então eu não tenho que olhar lá, porque lá eles estão buscando exatamente o que nós já temos aqui”.

A Bíblia seria o registro da experiência, a narrativa da experiência dos autores que receberam a revelação divina:

“[A teologia seria] uma tentativa de explicar o texto bíblico, que reproduz em palavras, muitas vezes metafóricas, a experiência, porque a Bíblia é o registro ou o relato das experiências, na maioria das vezes. Tem poucas coisas que foram ditadas diretamente por Deus, a exemplo do Decálogo”.

“O hebraico e o grego tão tentando reproduzir a experiência da revelação que aconteceu na prática (sic)”.

Os Concílios Ecumênicos-Eclesiásticos decorreram simplesmente de disputas pelo poder:

“Mas a força institucional, sobretudo após os Concílios, definiu o que era, ou não, ortodoxo e oficial, logo, dogmático, fazendo com que outras propostas teológicas fossem consideradas heréticas, heterodoxas ou marginais”.

Admissão do cânon ampliado da Igreja Oriental:

“[A Igreja Oriental manteve] o cânon original que tinha desde a Antiguidade, tendo inclusive os Livros que nós chamamos de apócrifos  – não esses da edição católica, não, mas 50 ou 60 Livros” [ao dizer isso, o “mestre” deixou em aberto, para a audiência, qual o cânon mais correto, o protestante ou o da Igreja Ortodoxa Oriental]. 

Desvalorização da teologia (da qual o “mestre” discorda):

“A teologia é uma teorização do sagrado, e ela pode muito bem sobreviver sem necessidade nem de revelação nem de experiência (…) tem muita teologia produzida sem respaldo de revelação e muito menos de experiência. É só fruto da imaginação fértil dos caras”.

“A doutrina é o que se pensa da Bíblia, e a teologia é o que se pensa da doutrina”.

“… Jesus não tá nem aí com nosso quintal teológico (…) chiqueirinho teológico”.

“A teologia quer pontilhar o mapa da mina pra Deus”.

O tetragrama impronunciável seria uma teologia elitizada:

“E diria que o nome de Deus sendo impronunciável seria uma elitização do nome de Deus, e, ao ser chamado de ‘Pai’, houve uma popularização do nome de Deus”.

O senhor gostou dessas ideias, Sr. Azevedo? Há muitas outras, todas ruins, que eu tenho lido, analisado e reservado em arquivos, para o exercício do trabalho apologético, disciplina que pessoas como o senhor certamente detestam.

Aliás, em julho de 2019 encaminhei a certas instâncias apologéticas um documento extenso e pormenorizado em que aponto esses e outros aspectos atinentes ao pós-liberalismo, à esquerda teológica, à agenda progressista e à mencionada teologia da experiência. Transcorridos tantos meses de lá para cá sem que tenha havido resposta, sinto-me desobrigado de manter sigilo absoluto sobre um documento que argumenta apologeticamente contra ensinos que têm sido veiculados publicamente por outras instâncias oficiais, como se doutrina chancelada fossem.

Devo anotar que, embora discorde veementemente do que o senhor espalha em suas declarações, considero mais “adequada” a sua atitude do que a daqueles que se utilizam de sua posição privilegiada numa denominação histórica para transmitir doutrinas errôneas, que contrariam flagrantemente os pressupostos válidos acerca da Bíblia como Palavra de Deus divinamente inspirada, inerrante, infalível, autoritativa, absoluta, compreensível, suficiente e eterna. Nesse ponto o senhor é melhor que eles.

Por fim, não me peça, por gentileza, para declinar os nomes desses personagens que acompanham o senhor na defesa de que a Bíblia não é a Palavra de Deus. Se tiver curiosidade, pergunte a uma senhora octogenária – uma vítima que tem sido forçada a hospedar tais ensinos. Ela, se quiser, poderá responder.

Ministro do Evangelho (ofício de evangelista), da Assembleia de Deus em Salvador/BA. Co-pastor da sede da Assembleia de Deus em Salvador. Foi membro do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Fraternal dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus no Estado da Bahia, antes de se filiar à CEADEB (Convenção Estadual das Assembleias de Deus na Bahia). Bacharel em Direito.

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