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devocional

Amoras: uma experiência ímpar da criação falando com a criatura

Todo o esforço será recompensado.

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Jovem segura um punhado de amoras em suas mãos (Nine Köpfer / Unsplash)

Quando vivemos uma estação de muitos confrontos pessoais, súplicas no altar e caçada por respostas de Deus, aguçamos o que chamo de sétimo sentido: é uma espécie de percepção extrassensorial que vai além da intuição (sexto sentido), que só experimenta quem tem intimidade. E é nesse lugar que ativamos a sensibilidade à voz do Pai, combinada com um entendimento espiritual dos fatos simples, que sai dessa fase para ensinamentos profundos.

Eu estava enquadrada exatamente nesse ambiente: vivia dilemas e uma confusão emocional torrencial – retorno definitivo ao Brasil visto que morava na Suíça, era um deles. Foi aí que Deus me conduziu literalmente a um jardim (que ficava na casa de uma tia) para colher amoras. Para quem não conhece esse fruto, é uma planta medicinal e espinhosa da família da amoreira ou silveira, com propriedade anti-inflamatória e antioxidante. Mas para nós cristãos, uma definição sem a revelação é vã.

Ora, aquela foi a primeira vez que despertei para essa planta. Ela sempre esteve ali, mas nunca me atraiu. Eu estava sendo apresentada à criação, pois seria através dela que o Senhor ia conversar comigo, para só então, ministrar a outras pessoas.

Eu não estava sozinha. Uma amiga me ajudou a entender como seria o processo de colheita. Ela me explicava que em um mesmo pé da fruta encontraríamos amoras maduras (são as pretas) que seriam as colhidas; flores, como um sinal de que mais frutas estariam por vir; e claro, a amora no estágio de amadurecimento (as vermelhas) ou verde, que eu fui aconselhada a sequer tocá-las.

O fruto é muito delicado, e deveria ser retirado torcendo levemente para desgrudar sem desfazê-lo, um por um, e arrumado – com muito melindre – num refratário largo. No início, eu estava com medo de tocar e esmagar aquele fruto. Comecei pelos que estavam a meu alcance. Depois, utilizei uma escada para ter acesso aos frutos mais altos. Naquele jardim, as amoras pareciam trepadeiras. Elas foram se entrelaçando às outras plantas que estavam do lado por causa dos espinhos e os frutos ficavam fora do meu alcance.

Com alguns minutos de colheita, eu já tinha familiaridade com aquela prática, e o que era tenso, se tornou divertido. Eu já conseguia extrair as amoras do pé com segurança. Até que deixei cair uma. Me assustei, achando que ela estaria “esbagaçada” no chão e imediatamente eu desci para resgatá-la. Encontrei soterrada pela areia fofa daquela parte do jardim, resgatei-a e pousei-a com todo cuidado junto às demais no refratário.

Dado momento, eu já tinha conseguido todas as amoras que estavam facilmente pegáveis, e precisei ir a lugares mais profundos, só para ter acesso a mais uma. Ali tive contato com os espinhos, que me machucavam, mas isso não era importante, comparado com o resultado que teria.

Naquela tarde, meu vestido tinha babados nas mangas, e me atrapalhava um pouco a estender as mãos no fundo da árvore. Os espinhos me impediam de chegar e acabei percebendo que estava com as vestes erradas para aquela ocasião. Entretanto, fomos no nosso limite, e a colheita foi encerrada. Enquanto comia aquele fruto, me vieram as mais diversas e poderosas lições: 

Aos líderes

Pastores, em um mesmo ambiente de glória, com pessoas buscando e conhecendo o Reino, e servindo a Deus, encontrarão aquelas maduras no espírito (elas tem chaves que destravam outras vidas); as que já estão florescendo (elas obedecem o Senhor por entenderem ser um princípio de proteção) e as que estão em processos de amadurecimento (novos convertidos, melindrosos e cheio de marcas). Todo cuidado, enquanto líderes ou aconselhadores, é fundamental.

É necessário respeitar a velocidade de entendimento de cada uma dessas pessoas, colaborando com seu crescimento dentro da dose moderada e do medicamento individual. Superdoses pode lançá-los em prisões escuras da religiosidade, ou formar feridas de amarguras de difícil reparação, ou de demorada cura.

O alerta é no tempo de falar e de calar, deixando Deus primeiro anestesiar às áreas que precisam de cirurgia, para só então, vocês atuarem mediante o bisturi. Mesmo estando no estágio de segurança daquilo que fazem, sempre reposicionem seus ministérios no amor, no interesse pelo resgate, no cuidado com as pessoas e no auxílio a cura das feridas dessas almas.

Aos que caíram

Quando uma amora cai no chão (pecado), ela não quer permanecer ali. Ficam cobertos de vergonhas e dores (tipologia da terra no jardim), estão aparentemente destruídas e sem forças para tomarem posições de filhos, mas estão inteiras (Jó 14:7-9). As vezes elas precisam da ajuda do povo de Deus para serem resgatadas. Mas em todo tempo, o Pai é quem desce da escada, nos segura no colo, nos reposiciona no refratário largo (igreja) com toda cautela, só para não perder nenhuma amora (Lucas 15).

Use as “armas” da oração, do jejum, do arrependimento, da confissão, da verdade e do choro a seu favor (Neemias 1). O Senhor nos deu essa autoridade de nos levantarmos.

Temos um espaço na sala do trono do Rei, temos intimidade para nos achegarmos sinceramente diante dEle, nos foi dado a vinda Cristo como heranças para entendermos que houve salvação, e o Espírito Santo como penhor dessa herança (Efésios 1:13-14).

Usufrua desses bens e alcance um lugar de proteção e compreensão de quem é Deus, e receba chaves que destravarão portas antes desconhecidas de sua vida.

Quanto aos espinhos

Deus amou tanto o mundo que não mediu esforço para ir em espaços de resgate à humanidade. Nos agraciou enviando Jesus (João 3:16). Cada vez que eu ia fundo buscar a amora, mesmo enfrentando os espinhos que me machucavam, o Senhor me dizia que era exatamente aquele ato que Ele sempre fazia. Não importava o quanto éramos pontiagudos, Ele só queria desfrutar a alegria de nos buscar.

Foi quando Ele me alcançou e ministrou enquanto “eu” a espinhosa, coberta de áreas emocionais que precisavam de cura. Que tanto machuquei e fui machucada, perdendo parte da minha essência original. E me encorajou a adentrar nesse ambiente libertador. Ele acrescentou que eu teria que ser forte o suficiente para ir além dos meus limites, para só então colher o fruto do espírito da paz (Gálatas 5:22).

Por isso, hoje, encorajar outras pessoas a enfrentarem seus medos de adentrarem em sítios desconhecidos, profundos e escuros, deixa de ser um clichê enfadonho para ser um recurso tão pontual para vida abundante.

As vestes

Como tracei, meu vestido naquela tarde era cheio de babados nas mangas. Eu teria duas opções: ou trocá-lo e me apropriar para a colheita, ou enfrentá-la como estava. Pela falta de tempo, eu decidi continuar o processo com aquela roupa. O resultado foi que as mangas se entrelaçavam nos espinhos da amoreira, puxando galhos que me machucavam constantemente, enquanto outros chegaram a rasgar parte da lateral da veste.

O Pai nos convida a nos vestir apropriadamente para a Boda. Uma noiva não pode se casar de calça jeans, ela precisa estar adornada com o traje conveniente para aquela ocasião. O convite é para casar, e não mais um namoro a moda antiga sentados numa calçada. O nível é de intimidade, onde o relacionamento precede na vertical, para depois estender ao plano horizontal, porque “fazer a obra de Deus” sem ter passado pela auto reforma é usar a palavra fora do espírito, e isso pode matar.

Para encerrar, é verdade que houve todo um trabalho para colher amoras: os machucados do espinho, vestuário errado, o fruto caindo no chão, o produto delicado e melindroso. Porém, todo o esforço seria recompensado pela doçura da fruta, pelas lições colhidas e pela dádiva do Criador, falando com a criatura, mediante a criação.

Larissa Fabiana do Amaral Pereira é advogada, membro da igreja Bola de Neve em Mossoró (RN). Uma das idealizadoras do ministério Preciosas e ex-aluna do Instituo Teológico Detrás das letras, na Suíça.

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