opinião
Bolsonaro é um ídolo evangélico?
Que não venhamos a pecar por egolatria enquanto estamos apontando uma suposta idolatria alheia.
Sabemos que, a despeito de quase todo mundo repetir o mantra “política e religião não se discute”, como se fossem duas demandas distintas uma da outra na existência humana, a verdade é que sempre haverá uma relação de paixão política no ambiente religioso como também devoção religiosa nas instâncias públicas, o que deve levar o cristão a analisar o próprio coração para verificar se não foi cooptado por um ou outro engodo contemporâneo.
No entanto, creio que muita gente está cometendo graves erros no trato com figuras públicas, sendo para alcançar um “bem” com isso ou denunciar um “mal” relacionado a isso. Estão tornando, por exemplo, Bolsonaro a pessoa central de todos os acontecimentos e fenômenos que envolvem a sociedade brasileira, e isso talvez seja muito mais perigoso do que qualquer leitura da realidade ou narrativa política que se possa construir a partir disso.
É evidente que existem muitos eleitores e apoiadores do presidente que o exageram na defesa do mesmo, como existe no lulopetismo. Também é claro que Bolsonaro se comunicou muito bem com o cidadão médio brasileiro, cansado da corrupção sistêmica instaurada pelos governos anteriores e desejoso por “mais Brasil, menos Brasília” e também por uma defesa mais incisiva dos valores judaico-cristãos na cultura e a introdução de uma economia mais liberal, tirando em certa instância o povo das garras do Estado.
Você pode concordar que o governo vigente tem cumprido suas promessas de campanha nestes quase dois anos e meio no poder ou pode até considerar o cenário atual um estelionato eleitoral – é do jogo –; o que não se pode é alçar uma figura política a um status que talvez ela nem pudesse alcançar por meio das próprias faculdades cognitivas. Em outras palavras, a maior parte dos críticos de Bolsonaro está cumprindo um papel de propagadores de um ideal que vai muito além do que o próprio talvez pudesse propor de forma intencional.
A idolatria política e ideológica existe em nossa cultura e isso jamais pode ser ignorado. O fato de que muitos brasileiros (incluindo aí muitos evangélicos) exageram no trato sobre a figura presidencial também é algo que não deve ser negado. Entretanto, o antibolsonarismo de esquerda e de direita provavelmente não está ocupado em outra coisa que não seja apenas a busca por enfraquecer uma força política que cresceu em 2018 e que tem sobrevivido a todas as circunstâncias desfavoráveis que surgiram com a pandemia do novo coronavírus.
Criticar um governo (ainda mais o que está no poder) é meio que um dever cívico de cada cristão. Sempre que algo soa mal ou mesmo quando há evidências de desvios de conduta ou decisões que beneficiam o establishment de corrupção no país ou simplesmente salvaguardam o benefício do próprio político ou seus aliados, é uma questão moral se posicionar contra tais injustiças que todo e qualquer político pode praticar, o que inclui no contexto atual o STF, que talvez seja a instituição mais política da república (ainda que não tenham recebido um voto de qualquer cidadão brasileiro), e os políticos no Congresso Nacional e os governadores, prefeitos e vereadores.
Se tornar oposição política ao governo federal nestes dias ainda é uma alternativa aceitável para um cristão que julgue dessa forma. O que não se pode confundir com uma articulação racional que visa demonizar quem o apoie ou quem enxergue sob outra ótica.
O monopólio da virtude não está em nenhum espectro ideológico e a minha cosmovisão não pode se sobrepor à sua; que a Palavra de Deus seja o árbitro de nossas percepções políticas e que ela nos livre da paixão por políticos ou por nossa racionalidade ideológica. Que não venhamos a pecar por egolatria enquanto estamos apontando uma suposta idolatria alheia. E que o posicionamento político seja sempre equilibrado e aberto ao contraditório; caso contrário, seremos envolvidos na espiral de ódio e intolerância que preenche os corações de bolsonaristas, antibolsonaristas e até dos apelidados hoje em dia de “isentões”.
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