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Covid-19 e uma igreja rumo ao digital

Como a pandemia tem influenciado a igreja a se reinventar na pregação do evangelho.

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Evento sendo filmado no celular (Elliot Teo / Unsplash)

Foi de repente. Vários governadores determinaram o isolamento social e as igrejas fecharam as portas. A prática da espiritualidade tornou-se digital. A igreja foi transferida para a internet. A fé está agora em rede.

O Governo do Distrito Federal, por exemplo, publicou decreto determinando fechamento dos templos. Essa medida também foi adotada em vários outros estados brasileiros.

Diante da impossibilidade de cultuar como era o costume, os líderes tiveram que se reinventar. A alternativa dos pastores foi realizar a celebração online, o culto drive-in e as lives.

O reverendo Paul Robert Phillips, com mais de 30 anos de ministério, da Igreja do Nazareno, localizada na cidade de Sobradinho, no Distrito Federal, já transmitia os cultos aos domingos à noite pelo Facebook, Instagram e YouTube.

Com o isolamento social, a igreja decidiu continuar a transmissão pelas redes sociais e inovou ao realizar o culto drive-in aos domingos pela manhã. As famílias entram de carro no amplo estacionamento e assistem ao culto.

Outra atividade que fez bastante sucesso na Igreja do Nazareno foi a feijoada drive-thru. Há 18 anos era tradição a igreja oferecer o prato. Com a pandemia, o jeito foi se adequar.

“Temos um estacionamento muito grande. Temos a atividade que eu acho que nenhuma outra igreja faz que é uma feijoada drive-thru. Uma vez por mês uma equipe, devidamente preparada, faz a comida. As pessoas entram com o carro, pegam a comida e saem. Não há nenhum tipo de contato próximo. Todos usam máscara, escudo e álcool em gel. Essa feijoada é tradicional na igreja”, explica o reverendo ao Gospel Prime.

Culto drive-in na Igreja do Nazareno (Reprodução)

Além da transmissão dos cultos, o ministério de louvor também resolveu não parar. Faz lives pela internet aos sábados. Já às terças-feiras a pastora Delse, esposa do reverendo, grava uma mensagem que é postada nas redes sociais. Paul também teve uma experiência diferente. Realizou o primeiro casamento pela internet. Os noivos, os pais da noiva e os padrinhos estavam na igreja. Poucas pessoas reunidas para não gerar aglomeração. A cerimônia foi transmitida, ao vivo, pelo YouTube. Centenas de pessoas assistiram no Brasil e nos Estados Unidos.

O ministério também ajudou outros trabalhos. O estacionamento foi emprestado para um cine drive-in para uma igreja coirmã. Como a experiência online tem dado bons resultados, a equipe de comunicação pretende continuar com a transmissão.

“Com certeza o número de pessoas assistindo culto on-line aumentou. Já tínhamos pessoas assistindo culto no exterior como nos Estados Unidos e na Polônia. Agora temos também a comunidade da vizinhança, que não ia à igreja presencialmente, assistindo às reuniões. Muitas pessoas da vizinhança da igreja já manifestaram o interesse em participar das atividades presenciais quando voltarmos com a realização das atividades de forma tradicional. No YouTube chegou a 10 mil o número de pessoas que assistiram alguns trechos do culto. Foram mil pessoas que assistiram os vídeos completos”, comenta Paul.

Novo desafio

O pastor Rogério Moreira Junior está na Igreja Batista Geração Eleita, na cidade de Sobradinho, Distrito Federal, há 15 anos. Antes da pandemia, o trabalho com a internet era pouco estruturado. O culto era transmitido pelo Facebook com uma audiência pequena. Com o isolamento social, a realidade mudou. Foi um desafio realizar as atividades porque os membros estavam acostumados à comunhão presencial.

A igreja optou por se comunicar via aplicativo e chamadas de vídeo do WhatsApp. O pastor Rogério conta que escolheu um aplicativo que permitisse a troca de informação e o diálogo em tempo real. Outra dificuldade foi ensinar os membros a usar o aplicativo. Principalmente os idosos que não estavam acostumados com a tecnologia.

“Fizemos um treinamento presencial na semana que foi publicado o decreto do governador mandando fechar as igrejas. Depois usamos o WhatsApp, com chamadas de vídeo, para ensinar um por um a usar o recurso”, explica o pastor.

A Geração Eleita optou por não interromper nenhuma atividade. Tanto os cultos passaram a ser online quanto a Escola Bíblica e os grupos de oração.

“Tivemos o cuidado de distribuir as atividades em dias e horários diferentes para não ter dificuldade de acesso. Sabemos que alguns lares têm dificuldade com equipamento e com a internet. Com uma grade de horários e turmas diferenciadas, evitamos o conflito e mantemos o contato permanente e diário com, pelo menos, um membro da família”, diz Rogério.

Quando o Governo do Distrito Federal liberou o culto drive-in, essa nova modalidade foi implantada também. O acesso pelo drive-in foi muito facilitado porque a igreja funciona em uma tenda. As laterais são abertas e ventiladas. Não há problema mesmo se estiver chovendo.

“Como nossa igreja possui estacionamento interno, conseguimos organizar a programação de culto e voltamos a nos reunir uma vez por semana. Agora, mesmo com a liberação do culto presencial, optamos por manter o formato do culto drive-in. Dentro dos carros podemos atender as várias faixas etárias”, comenta o pastor.

Culto drive-in na Igreja Batista Geração Eleita (Reprodução)

Adaptar-se à nova realidade foi um desafio. Agora que o culto online foi estruturado, Rogério acredita que essa modalidade veio para ficar mesmo sabendo que é necessário ajustar a liturgia e a estrutura da pregação.

“Antes da pandemia, muitas pessoas viam a possibilidade de culto online quase como uma heresia. Diziam que culto é na igreja. Era isso que ouvíamos, principalmente dos mais idosos. Hoje aprendemos que ser igreja é mais do que o local do culto. O prédio é importante. Nós sempre valorizamos o estar juntos. Mas a pandemia nos tirou do conforto da estrutura física e nos lançou na web”, afirma.

A experiência de transmissão de cultos pela internet ajudou a alargar a tenda. Muitas pessoas, inclusive de outros estados, começaram a assistir o culto online e atualmente participam de todas as atividades da igreja. Com a pandemia os membros descobriram que, para serem irmãos, não necessariamente têm que morar na mesma casa.

A igreja não tinha um planejamento regular sobre o uso das redes sociais. Nem os cultos eram transmitidos com regularidade pelo Facebook. Com a pandemia, aumentaram as visualizações.

“Somos uma igreja pequena. Nossa média era de 40 visualizações por transmissão. Quando começou o culto drive-in, a média subiu para 101 visualizações. Agora está em 248. Ainda estamos aprendendo a interagir nas redes sociais. Todo o crescimento que houve ainda é orgânico, sem investimento em equipamentos ou divulgação. Mas já estamos nos preparando para usar as redes sociais como ferramenta para anunciar a salvação tanto para os que estão próximos quanto para os que estão longe”, contextualiza o pastor que não viu desvantagem ao transmitir o culto pela internet.

A nova realidade levou a igreja a se adaptar às pressas. Mas valeu o investimento. A internet mostrou, na prática, que é possível alcançar mais pessoas, a um menor custo, em menor tempo e de forma eficaz. Como acredita o pastor, o uso da internet os fez ver que são capazes de fazer mais do que acreditavam, os desafiou a buscar excelência e os empurrou para fora de uma estrutura analógica na direção de uma geração digital.

O distanciamento social foi ruim porque impossibilitou a comunhão e o convívio dos membros. Mas foi excelente para mostrar que é possível vivenciar uma igreja digital.

Fala especialista

O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal decretaram luto oficial diante do momento delicado no qual o Brasil atravessa. O Ministério da Saúde anunciou 103. 026 óbitos, 3.109.630 pessoas diagnosticadas com a Covid-19 e 2.243.124 casos de pessoas recuperadas até o fechamento desta edição, às 12 horas do dia 12 de agosto de 2020. Com esse quadro, é importante entender como a doença afetou psicologicamente as pessoas.

A psicóloga Cláudia Vasconcelos comentou o assunto. Ela é especialista em Psicologia Clínica, Psicossomática e Psicanálise. Também é especialista em terapia de adulto, casal e familiar. Tem especialização em trauma do nascimento. É psicoterapeuta com mais de 25 anos de experiência clínica. Ela é uma referência no atendimento de transtornos depressivos, ansiosos, pânico e doenças psicossomáticas. É servidora do Superior Tribunal de Justiça há 30 anos.

Cláudia comentou sobre o trabalho social da igreja em tempos de pandemia e a respeito das consequências psicológicas que o isolamento social pode causar na vida das pessoas.

Sobre a importância de a igreja oferecer assistência espiritual neste momento de pandemia, a psicóloga disse que uma das grandes funções da igreja, além da assistência espiritual, é a assistência social (o acolhimento e a socialização) de seus membros. Com a pandemia, grandes rupturas ocorreram nessas relações. E a essas rupturas se seguiram graves problemas emocionais. As pessoas foram forçosamente isoladas, por tempo indeterminado, de todas as relações, inclusive de familiares mais próximos. Todos tiveram que se esconder atrás de máscaras e foram proibidos de se tocar, abraçar ou de demonstrar afeto com espontaneidade.

“O estrago causado pela pandemia foi tal que chegou a ser comparado a uma guerra mundial. Engatilhou mortes, diversas doenças físicas, medos, ansiedades, depressão, angústia, ódio, raiva, conflitos familiares, separações e tantos outros sofrimentos. Diante desse cenário, a igreja se apresenta mais uma vez como a pedra angular, o mais importante apoio ao povo, pois sempre traz à memória a presença e a existência de um Deus que não está longe e que, apesar das circunstâncias, tem o controle de tudo. Com a impossibilidade de uma comunhão presencial, a igreja intensificou sua atuação digital, dando suporte espiritual, emocional, social e humanitário mesmo aos membros que, anteriormente, não tinham o costume de acessar as redes sociais. A igreja continua, em sua jornada terrena, a fazer o que o Cristo ordenou que é ir por todo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura”, explica Vasconcelos.

São grandes as consequências psicológicas que as pessoas sofrem no isolamento social. A psicóloga explica que o ser humano não foi feito para viver em isolamento. Desde que a pessoa nasce já existe a necessidade de interagir com sua mãe e todo desenvolvimento físico e emocional depende dessa interação.

“Deus, quando criou o homem, viu que não era bom que ele ficasse só. Assim tirou de sua costela a mulher. As costelas têm o formato de uma caixa e a função de proteger órgãos importantes e vitais como o coração, os pulmões e os rins. Isso quer dizer que a mulher é vital para o homem e vice-versa. Ela veio para ser protegida por ele a fim de poder auxiliá-lo, dando-lhe segurança e uma vida estruturada. Deus, em sua perfeição, criou homem e mulher para serem um o complemento do outro”,ensina.

Ela acredita que “podemos entender que, isolados, homem e mulher perdem, a princípio, essa estrutura e o sentimento de proteção, tornando-se incompletos, pois sua completude passa pelo relacionamento com Deus, com o outro e consigo mesmos. Em isolamento, o ser humano pode entrar num processo de depressão, fobia, fobia social, compulsão, na tentativa de sentir-se completo outra vez. Pode chegar ao suicídio”.

“Assim, vê-se claramente a importância do relacionamento entre as pessoas e do relacionamento de cada uma delas com Deus. É esse relacionamento que mantém viva e saudável não somente a igreja, que somos cada um de nós, pois somos parte de um mesmo corpo, como também a igreja formada por todo o corpo do Cristo, por cada um de seus membros”, completa psicóloga.

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