estudos bíblicos

A mordomia do tempo

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 8 do trimestre sobre “Tempo, Bens e Talentos”.

em

Relógio. (Foto: Free-Photos por Pixabay)

A Lição de hoje versa sobre um importante assunto dentro da mordomia cristã: tempo. Deus é o dono, nós somos os mordomos; assim sendo, de entrada, deixamos a pergunta para refletirmos ao longo deste estudo: como estamos administrando o tempo e as oportunidades que Deus nos tem concedido, e qual nosso senso de responsabilidade quanto as cobranças que virão?

“É tempo de buscar ao Senhor” (Os 10.12) e também é tempo de aprender aos pés do Senhor, como bem fez Maria, recusando o ativismo supérfluo para ouvir o amado Jesus falar-lhe à alma (Lc 10.39,42). Sigamos o exemplo daquela sábia mulher!

I. Conceitos importantes

1. A palavra tempo

Nossa vida acontece momento a momento. Um instante desaparece antes de o próximo surgir, e cabe pouca coisa em cada um. É assim que funciona o tempo, e é claro que você e eu partimos do pressuposto de que essa série temporal – esse arranjo de passado, presente e futuro – não é simplesmente a forma como a vida ocorre, mas a forma como todas as coisas existem na realidade” – C. S. Lewis [1]

A citação acima do renomado escrito britânico C.S. Lewis, resumem o que o vocábulo tempo resume em si: uma noção de momentos ou instantes sucedidos; é a noção de passado, presente e futuro. Há inúmeras referências ao tempo nos escritos bíblicos, porém poucas reflexões elaboradas sobre ele. Certamente que o terceiro capítulo de Eclesiastes é o mais famoso entre os leitores da Bíblia quanto ao tempo: “Tudo tem seu tempo determinado…”, dizia o sábio Salomão.

2. O tempo na Bíblia e na Teologia

De fato, aponta R. Banks [2], tudo na vida tem seu tempo certo, como se pode ver nas Escrituras: responsabilidades domésticas (Gn 29.7), trabalho (Is 28.24,25); permanecer na habitação e sair em jornada (Dt 2.14); celebrar festa e passar fome (Jz 14.12; SL 37.19); menstruação (Lv 15.25) e casamento (1Sm 18.19); a juventude (Ez 16.22) e a velhice (Jó 5.26). Há tempos de tentação (Lc 8.13), repouso (At 3.19), angústia (Na 1.7) e cura (Jr 8.15), alegria e adversidade (Ec 7.14), aflição (Lm 1.7) e salvação (Is 49.8).

O biblista Russel Norman Champlin lista 11 palavras do hebraico bíblico e outras 11 palavras do grego neotestamentário usadas em textos que falam sobre “tempo”, “ocasião”, “momento”, “período”, “estação” e outras dentro do mesmo campo semântico [3]. Por uma questão de “mordomia do tempo e do espaço” (risos), e considerando que estas muitas e distintas palavras são usadas não raramente como sinônimas, não listaremos todas estas 22 palavras aqui com seus respectivos conceitos, apenas traremos três pares:

Hebraico (AT)

Grego (NT)

Yom – dia natural de 24 horas, ou algum tempo específico como “o dia do Senhor” Chronos – tempo, momento, ocasião (geralmente, um tempo mais breve que o kairóis)
Zeman – tempo determinado ou predeterminado para alguma coisa Kairós – período, tempo, estações (geralmente, um tempo mais longo que o chronos)
Eth – tempo geral ou período específico Ora – referindo-se à hora propriamente ou a algum momento específico em que algo acontece

Se popularizou no evangeliquês (e isso se nota até mesmo no comentário que está na revista da EBD) uma distinção espiritualizada entre chronos e kairós. Esta distinção, a meu ver insustentável, diz que chronos significa “tempo do homem”, enquanto que “kairós” significa “tempo de Deus”. Claro que respeitados homens de Deus, não-especialistas em línguas originais da Bíblia, já reverberaram de boa fé essas “definições”, mas desconheço qualquer abalizado dicionarista que as tenha defendido.

Uma distinção rigorosa entre chronos e kairós, ainda mais espiritualizada, não parece ser possível, e é melhor interpretar o sentido mais adequado de cada palavra em seu contexto, já que são em si mesmas sinônimas. Ambas tratam de tempo, ocasião, período. R. Banks comenta com maior assertividade:

O significado da palavra grega kairos é objeto de discussão. J. Marsh e outros tentaram estabelecer clara distinção entre kairos e chronos; a primeira para se referir ao tempo definido pelo conteúdo, e a segunda, ao tempo definido por sua duração. Entretanto, como J. Barr mostra, enquanto chronos muitas vezes se refere a um período de tempo (Jo 5.6), um tempo considerável (At 14.3) ou à totalidade de um período de tempo (At 20.18), às vezes denota um momento específico de tempo (At 7.17). De maneira semelhante, embora kairos geralmente signifique um momento oportuno (Cl 4.5) ou favorável (Ar 24.25), também pode designar o tempo presente ou limitado (1Co 7.5), ou um período de duração mais longa (Ef 2.12). Então, a distinção entre uma visão qualitativa e uma quantitativa do tempo não pode ser definida com base puramente linguística. [4]

II. A mordomia do tempo

1. Remindo o tempo

Tanto em Efésios 5.16 como em Colossenses 4.5, o apóstolo Paulo instrui os crentes a “remir” o tempo. No grego, o verbo é exagorazo, que literalmente diz respeito a resgatar do poder de outra pessoa por meio de um pagamento; é comprar para si e levar para fora do mercado (como quem comprava um escravo). É a mesma palavra que Paulo usa em Gálatas 3.13 e 4.5 para dizer que Cristo nos resgatou da maldição da lei.

No contexto paulino, quanto à mordomia do tempo, esta palavra dá a ideia de tomar o controle do nosso tempo, isto é, valorizá-lo e usá-lo sabiamente, ao invés de desperdiça-lo. Por isso que algumas versões bíblicas já traduziram aqueles textos numa linguagem mais próxima da que nos é usual, dizendo: “…aproveitando bem cada oportunidade…”.

Há um provérbio chinês que diz: “Existem três coisas que não voltam: a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida”. Deus, em sua misericórdia, nos dá reiteradas oportunidades na vida para escolhermos, fazermos e vivermos o que é certo. Todavia, de fato, há oportunidades que são ímpares! Desperdiça-las é mesmo uma falta de bom senso. Billy Graham, considerado maior evangelista do século passado, dizia: “Não despreze a sua vida, e não aceite nada menos que o plano de Deus para você”. Valorizemos este bem tão precioso e caro que é o tempo, e façamos o melhor uso dele possível!

2. Contar o tempo

No famoso Salmo de Moisés, aquele grande líder de Israel pedia a Deus: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio” (Sl 90.12). Essa é uma petição por sabedoria, de alguém que tem senso de responsabilidade com o tempo que lhe foi dado por Deus. “Contar os dias” neste texto não quer dizer ir contando: primeiro dia de vida, segundo dia de vida, terceiro… e assim até a morte. Não! O que Moisés está pedindo é que o Senhor ajude os homens a perceberem a efemeridade do tempo de cada um, isto é, que lhes dê sabedoria para compreenderem a limitação da vida, e como devem temer a Deus.

Todos nós já ouvimos ou já dissemos a expressão “O tempo voa”, ou “as horas estão passando muito rápido” ou ainda “janeiro mal chegou e já estamos indo pra dezembro”, e outras semelhantes que demonstram nossa perplexidade diante da brevidade da vida. Infelizmente não são poucos os que têm ignorado a finitude da existência na terra (ainda que a alma seja imortal e nossa vida continue além da morte), e, então, desperdiçam as oportunidades de viver para a glória de Deus. Vivem para si mesmos, satisfazendo seus próprios deleites, achando que a vida nunca acabará, quando de repente a morte bate-lhes a porta!

A ilustração abaixo, trata de um homem que não fez boa mordomia do tempo. Creio que você já deve ter visto essa imagem alguma vez, já que ela tem sido usada há décadas em panfletos evangelísticos. É uma mensagem muito forte contra o “desperdício de tempo na ilusão do pecado”:

3. A prestação de contas

Visto que Deus é Senhor do tempo, somos mordomos a quem Ele pedirá contas tanto do que pensamos e falamos quanto do que fizemos ou do que nos omitimos no tempo que Ele nos deu. E quanto mais vivemos, mais a nossa responsabilidade, já que Deus não nos dá oportunidades em vão. Ao findar o livro de Eclesiastes, Salomão adverte:

“De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Ec 12.13,14).

Se Deus pedirá contas do nosso tempo, é urgente que respondamos a esta pergunta: Que ocupação é a tua? (Jn 1.8)

III. Como aproveitar bem o tempo

1. Use o tempo para Deus

O jovem evangelista David Brainerd, que se converteu aos 19 anos e desde então dedicou-se à evangelização dos índios norte-americanos no século 18, escreveu em seu diário as seguintes palavras em seu aniversário de 25 anos:

Completo 25 anos de idade hoje. Dói-me a alma pensar que vivi tão pouco para a glória de Deus (…) Se o Senhor quiser, gastarei a minha vida, até os últimos momentos, em cavernas e covas da terra, se isso servir para o progresso do reino de Cristo [5]

Devido a fraqueza do corpo, resultado de constante doenças, Brainerd morreu muito jovem, sem nem ter completando 30 anos de vida. Todavia, cumpriu sua promessa, e dedicou sua última década à causa missionária! E nós, quanto tempo temos de vida até aqui? Que fizemos para Deus em todos os anos que Ele nos concedeu? E quanto tempo pensamos que teremos mais pela frente? Que temos projetado? Tem estado o Senhor na direção de nossos planos? Tiago, irmão de Jesus, adverte contra a vida soberba e atarefada, cheia de sonhos e idealizações, mas da qual o Senhor não faz parte:

Ouçam agora, vocês que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro”. Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Ao invés disso, deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tiago 4.13-15, NVI).

Ressaltamos também que quem dedica tempo à oração, ao estudo da Palavra e em louvor ao Senhor (seja no ambiente doméstico ou congregacional), está investindo tempo para recebe-lo com juros e dividendos na eternidade! Ao contrário disso, quem passa o dia inteiro distraído em coisas seculares, e não se lembra do seu Criador no modo como vive (Ec 12.1), está perdendo seu tempo! Será que nem uma hora podemos vigiar com Jesus em oração diária? (Mt 26.40).

2. Use o tempo para você mesmo

O “clube santo”, como era chamado o grupo de jovens cristãos estudantes na Faculdade de Oxford, na Inglaterra do século 18, fora um exemplo de mordomia do tempo. Daquele grupo participavam cerca de 15 a 25 jovens, liderados por George Whitefield e os irmãos John e Charles Wesley. Ficaram também conhecidos como “metodistas” (e daí vem o movimento metodista) porque possuíam um método rigoroso e disciplinado de devoção a Deus e comunhão uns com os outros, administrando e repartindo devidamente o tempo para o descanso, os estudos e trabalhos e para as devoções espirituais e evangelização.

Certamente temos muito o que aprender com os metodistas! Inclusive na administração do tempo para o descanso e lazer, para o estudo pessoal (leituras tanto de caráter secular, devocional e também teológico), como para o desenvolvimento de relacionamentos afetivos que agreguem à nossa vida. O excesso de sono, o ativismo profissional desenfreado, mas também o sedentarismo demasiado, podem apenas contribuir para doenças e prejuízos na vida!

3. Use o tempo para sua família

“Não gosto de ficar em casa” – você já ouviu alguém dizer isso? Entendo que existem famílias e famílias, e que algumas casas são amostras grátis do tormento eterno: brigas constantes, violência, vícios, etc. Realmente há casos em que só se desfruta um pouco de paz fora do ambiente familiar.

Entretanto, se temos uma família a quem podemos dedicar atenção e carinho, não desperdicemos as tantas oportunidades que cada um dos nossos dias nos reservam! Não permitamos nem que o ativismo profissional nem o ativismo religioso nos sequestrem de nossa família. Já dizia o pastor Josué Gonçalves, terapeuta de famílias: nenhum sucesso justifica o fracasso de uma família!

Maridos e esposas, dediquem-se um ao outro mutuamente, dialogando, brincando, passeando, andando de mãos dadas, desejando um ao outro sinceramente, e se presenteando. Um primeiro passo para uma família feliz é um casamento feliz

Pais e mães, dediquem-se aos seus filhos: brinquem, passeiem, realizem cultos domésticos. Não larguem seus filhos nas creches, nem os abandonem em escolas de tempo integral. A correria da vida é grande, e em muitas famílias os maridos e as esposas trabalham, mas que o tempo seja administrado sabiamente e que as atividades insignificantes e as distrações supérfluas sejam trocadas pela comunhão do lar!

Conclusão

Ao final deste estudo, que nossos corações e mentes estejam despertados para o senso de brevidade da vida e para o senso de responsabilidade quanto ao que faremos. Dê-nos o Senhor a prudência necessária para que vivamos, como dizia Rick Warren, uma vida com propósitos!

______
[1] C.S. Lewis, Cristianismo puro e simples, Thomas Nelson Brasil, p. 219
[2] R. Banks em Novo Dicionário de Teologia Bíblica (Alexander & Rosner, eds.), Vida, p. 1221
[3] para conferir na íntegra as listas de Champlin, confira Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, 11° ed., vol. 6, Hagnos, p. 345
[4] R. Banks. op. cit., p. 1219
[5] Orlando Boyer, Heróis da Fé, CPAD, p. 74,77. Confira na íntegra o registro biográfico de David Brainerd, feito pelo escritor pentecostal Orlando Boyer.

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