estudos bíblicos

A mordomia do cuidado da terra

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 12 do trimestre sobre “Tempo, Bens e Talentos”.

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Natureza. (Foto: Lukasz Szmigiel / Unsplash)

A Lição de hoje versa sobre um assunto não muito popular entre os cristãos evangélicos: o cuidado com a natureza.

Conquanto não seja prioridade da Igreja lidar com questões ambientais, é parte da nossa fé, doutrina e conduta transformada pelo Evangelho colaborarmos para uma cultura de respeito ao meio ambiente e uso sustentável de seus recursos naturais.

I. O homem foi criado para ser mordomo de Deus

1. O mordomo da terra

Visto que esta é nossa casa terrena, sobre nós pesa a responsabilidade de cuidar dela. Como já vimos desde a primeira Lição, a definição de mordomo, retrocedendo ao vocábulo grego oikonomos, fala de um cuidador da casa, o servo maior responsável pelas economias domésticas.

A terra é nossa casa temporária, e não foi aos anjos (seres inteligentes e poderosos), nem aos animais (criaturas irracionais e fracas) que Deus confiou o cuidado da terra, mas aos homens aos quais a terra foi dada (Sl 115.16). Inclusive um dia chegará em que Deus julgará aqueles maus mordomos que devastaram a terra, como está escrito: “veio… o tempo de destruíres os que destroem a terra” (Ap 11.18). Vê-se assim como é importante preservarmos a beleza da criação e a natureza em nossa volta!

Os que desregradamente desmatam ou incendeiam as florestas, poluem o ar, contaminam os rios, colaboram para a redução da biodiversidade e até para a extinção de espécies exóticas criadas para glória de Deus, e ainda emporcalham as ruas com lixo e retiram da criação a sua beleza natural, prejudicando a própria manutenção da vida e multiplicação da espécie humana, certamente serão chamados a prestar contas diante do Senhor de toda a terra!

2. Mordomia e o ponto de equilíbrio

A Declaração Evangélica sobre o Cuidado com a Criação (documento produzido na Europa, em 1999), alerta-nos quanto a duas ideologias extremistas que cercam o assunto mordomia da criação: a primeira é a de presumir que o Evangelho nada tem a ver com o cuidado com as criaturas que não são humanas; a segunda é da reduzir o Evangelho a nada mais que cuidado com a criação.

Noutras palavras, não podemos ignorar o assunto sobre cuidados com a natureza, nem devemos, noutro extremo, substituir a pregação evangélica por discursos políticos ambientalistas, como se a salvação do planeta fosse mais importante que a redenção das almas humanas. Esses dois equívocos rondam os arraiais evangélicos, mas precisamos buscar o ponto de equilíbrio. Silas Daniel é preciso nessa questão:

“Cristãos devem ter em sua agenda o discurso pró-preservação da natureza. (…) Porém, não devem fazer desse discurso algo parecido com uma religião nem ser hipnotizados por qualquer discurso apelativo dos ambientalistas de plantão. Em tudo, deve prevalecer o equilíbrio e a coerência” [1].

II. Deus concedeu a terra aos homens

1. A terra é do Senhor

“Porque a terra é do Senhor e toda a sua plenitude”, disse o apóstolo Paulo (1Co 10.26). Certamente ele estava citando a famosa passagem do Salmo 24.1. Isso por si só deve levar-nos a refletir sobre tão grande responsabilidade que pesa sobre nós quanto ao cuidado que devemos ter com aquilo que pertence ao Senhor. Não é comum termos cuidado quando tomamos algo emprestado de alguém? Não buscamos devolver da mesa forma como recebemos? Muito mais senso de responsabilidade devemos ter para com aquilo que é de Deus!

E mais: visto que a criação revela a glória de Deus (Sl 19.1-6) e que as coisas criadas manifestam “os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina” (Rm 1.20), não temos nós a obrigação de preservar a integridade da criação para que essa mensagem não-verbal (mas cheia de variados sons, cores e espécies) quanto ao poder e sabedoria de Deus continue sendo anunciada às próximas gerações? Como mordomos da terra, o que temos preservado de belo na criação para que a glória de Deus continue sendo manifesta através dela?

Devastar a natureza não é apenas destruir a propriedade de Deus, mas é também atentar contra a própria glória de Deus e contra o testemunho de seu poder que a criação proclama a nós, sem palavras.

2. A natureza – uma dádiva da graça de Deus

No cuidado com a terra, há dois erros a se evitar: tratar a natureza como se ela fosse Deus (isso seria cair na heresia panteísta), ou, ao contrário, trata-la como se nós fôssemos Deus acima dela (isso seria demasiadamente arrogante de nossa parte). A natureza não é nossa senhora, nem também somos o senhor dela. Ela é um presente de Deus para nosso desfruto legítimo, mas com zelo, pois a posse dela continua pertencendo ao Criador.

Não devemos venerar a tal “mãe natureza”, até porque ela não é mãe de nada e ninguém, já que tudo o que nela há é feitura do Deus todo poderoso (não cremos em “geração espontânea da vida”, nem em “evolução das espécies”, mas em criação e providência divina!). Por outro lado, não podemos também reivindicar direito absoluto sobre a criação, para usá-la como bem entendermos e exaurirmos seus recursos. Como disse John Stott, o domínio que Deus nos deu sobre a natureza deve ser visto como uma mordomia responsável, não como um domínio destrutivo.

3. A missão de governar a terra

Deus é o dono e nós somos os mordomos. John Stott, em sua obra O discípulo radical, explica que “As afirmações de que ‘ao Senhor pertence a terra’ [Sl 24.1] e ‘a terra deu-a aos filhos dos homens’ [Sl 115.16] se complementam, não se contradizem. Pois a terra pertence a Deus por causa da criação e a nós por causa da delegação. Não significa que, ao delega-la a nós, ele abdicou de seus direitos sobre ela. Deus nos deu a responsabilidade de preservar e desenvolver a terra em seu favor” [2].

A Declaração Evangélica sobre o Cuidado com a Criação chama-nos a recordar as palavras de Jesus de que as nossas vidas não consistem na abundância das nossas possessões (Lc 12.15), e encoraja os cristãos a resistirem as ciladas do desperdício e do consumismo desenfreado, optando por escolhas que expressem humildade, paciência e autocontrole.

Paremos para refletir: quanto lixo geramos com nosso desperdício de comida e com excesso de papel e plástico que trazemos para casa nas compras que fazemos? E o entulho de nossas construções, o depositamos em lugar apropriado ou descartamos em qualquer terreno baldio? Quantos minutos passamos no banho, com o chuveiro ligado, ou à pia, escovando os dentes? Não precisamos ser ambientalistas nem indígenas para perceber como certos hábitos contribuem para degradar o meio ambiente e para exaurir os recursos naturais. Estaríamos livres de muitas doenças se fôssemos mais zelosos com a nossa grande casa!

A mordomia da terra começa dentro de nossas casas, educando a família com hábitos saudáveis de consumo, de reuso de bens naturais ou reciclagem de materiais. Por que, por exemplo, não começar a separar papelão, plástico e metais para o pessoal que faz coleta de reciclagem à porta de nossa casa ao invés de jogarmos tudo no lixo? Por que não doar móveis velhos e aparelhos eletrônicos para alguém que possa precisar e até reformá-los ou consertá-los, ao invés de simplesmente descartar tudo em terrenos baldios ou até mesmo em rios, contribuindo para procriação de baratas, ratos e insetos? Por que participar de protestos de cunho político nos quais se queimam pneus nas estradas, poluindo o ar e prejudicando a saúde das pessoas, ao invés de promover, quando necessário, protestos civilizados e com respeito ao meio ambiente e às pessoas? Por que deixar o escapamento do carro liberar fumaça tóxica no ar ao invés de levá-lo a uma oficina e fazer os devidos reparos, por amor a você mesmo, ao seu próximo e ao meio ambiente?

Que tipo de mordomo da terra sou eu? Que tipo de mordomo da terra é você? O que você acha que o dono da casa lhe diria, a você que a alugou, quando ele voltasse para receber a casa e a encontrasse suja, caindo aos pedaços e com mau cheiro terrível? “Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Ec 12.14).

III. O homem e sua relação com a terra

1. A terra antes do pecado

Antes da introdução do pecado no mundo e da consequente maldição a que a criação foi submetida (Gn 3.17) e pela qual agora ela se encontra em gemidos (Rm 8.22), a natureza se encontrava em equilíbrio e certamente manifestava uma beleza incomparável! Como o homem ainda não foi (e cremos que não o será) capaz de devastar toda a criação, é possível encontrarmos muitas belezas naturais pelo mundo a fora. Uma grande diversidade de vida, cores e sons na fauna e na flora, além de montanhas, lagos e cachoeiras, e uma diversidade de animais marinhos nos grandes oceanos.

Entretanto, aquele Éden primitivo onde Deus pôs o primeiro casal humano era um grande e belo “jardim”. Ali tudo era “muito bom” (Gn 1.31).

2. A terra após o pecado

O pecado trouxe danos espirituais e também físicos ao homem. Mas não somente a ele, pois a terra também sofreu imediatamente os efeitos do pecado, sendo colocada sob maldição; além do mais, o homem, agora escravizado pelo pecado, tenderia a fazer mau uso da terra, subjugando a criação desordenada e impiedosamente. A ganância, o ímpeto violento, a imoderação dos costumes e, acima de tudo, a alienação de Deus, tem levado o homem a ser o grande agressor da criação!

Descarto a teoria defendida por alguns cristãos segundo a qual Deus lançou o diabo na terra junto com seus anjos e que tal precipitação trouxe devastação de proporções gigantescas ao nosso planeta (como se causado pela queda de um cometa). Não creio nesta teoria por não ver respaldo bíblico para ela e também por descrer que Deus faria mal à sua criação. Todavia, é fato bíblico que, não raro, Deus usa julgamentos na e através da natureza para condenar aqueles homens e povos que persistem na prática do pecado (enchentes, terremotos, tufões, etc. – veja, por exemplo, os julgamentos cósmicos das trombetas no Apocalipse), e que, em outros muitos casos, Ele permita que a terra expresse sua agonia em “tragédias naturais” para mostrar ao homem como é prejudicial romper os limites por Deus estabelecidos para o uso da terra.

3. Nossa responsabilidade com a terra

Na obra supracitada, Stott lista quatro desafios para a mordomia da terra:

  1. O crescimento populacional acelerado do mundo (em 1804 éramos 1 bilhão de habitantes; agora, pouco mais de duzentos anos depois, já somos quase que 8 bilhões. Como garantir moradia digna, saneamento básico, urbanização adequada das cidades e alimento suficiente para tantas pessoas, sem degradar o meio ambiente?);
  2. O uso e esgotamento dos recursos da terra (por exemplo, o combustível fóssil e a própria água potável, essencial à vida);
  3. O descarte do lixo (não temos reaproveitado/reciclado o quanto poderíamos, e as cidades sofrem graves problemas sanitários com a questão dos lixões);
  4. A mudança climática (efeito estufa, camada de ozônio, aquecimento global, estes são temas corriqueiramente tratados na mídia e em congressos internacionais, inclusive envolvendo cientistas, empresários e governantes, além de membros de organizações de proteção ao meio ambiente, mas parece estarmos longe de uma verdadeira sinergia para amenização dos problemas causados, especialmente pela industrialização da vida humana).

Todavia, para que não pareça que a mordomia da natureza é um assunto muito distante da nossa realidade individual e que este tema deve ser tratado apenas pelas autoridades governamentais, citamos as palavras de Chris Wright, segundo quem os cristãos podem colaborar significativamente para o desenvolvimento de uma consciência de responsabilidade ambiental. Para Wright, os cristãos

“escolhem [ou devem escolher] formas sustentáveis de energia quando é viável. Desligam aparelhos em desuso. Sempre que possível, compram alimentos, mercadores e serviços de empresas que tenham diretrizes ambientais eticamente saudáveis. Eles se aliam a grupos de conservação. Evitam o consumo demasiado e o desperdício desnecessário e reciclam o máximo possível” [3]

Não é curioso pensar que o pecado da glutonaria seja tão reprovado por Deus não apenas pelo mal que o glutão faz a si mesmo enquanto come mais do que precisa, mas também pelo fato de que o glutão costuma sempre desperdiçar alimentos, que, em efeito agravante, não é repartido com o necessitado e ainda é jogado fora, contribuindo ainda mais com a poluição da natureza? O glutão é péssimo mordomo do corpo, dos bens que possui e do ambiente em sua volta!

IV. A mordomia do meio ambiente

1. A falha do homem na mordomia da terra

A Declaração Evangélica sobre o Cuidado com a Criação resume nestas palavras nossa falha na mordomia da terra: “Porque pecamos, falhamos na nossa mordomia da criação. Por isso arrependemo-nos da forma como poluímos, distorcemos ou destruímos grande parte da obra do Criador”.

Mais à frente este documento diz ainda que “o resultado carnal do pecado humano foi uma mordomia pervertida, uma manta de retalhos de jardim e lixeira que o lixo vem aumentar (…) Sendo assim, uma das consequências do nosso mau uso da terra é uma injusta negação da dádiva de Deus aos seres humanos, tanto agora como no futuro”.

Cremos que uma reflexão sobre o ensino bíblico e teológico que fala da obra redentora de Deus em termos de renovação do seu propósito para com a criação pode ajudar-nos a retomar nossa mordomia da criação, e passar a tratar com mais cuidado a natureza que pertence ao Senhor e foi criada para sua glória.

2. A degradação da terra

Novamente citamos a Declaração Evangélica sobre o Cuidado com a Criação, dado suas colocações sucintas e objetivas quanto ao tema que estamos abordando:

Estas degradações da criação podem ser resumidas como: 1) degradação do solo; 2) desmatamento; 3) extinção das espécies; 4) contaminação das águas; 5) poluição global; 6) alterações na atmosfera; 7) degradação humana e cultural.

3. A restauração da terra

É certo que, a despeito de toda degradação causada na terra pelo pecado adâmico e pela própria ação humana devastadora, esta terra não será destruída pelos homens, nem os homens se autodestruirão. Não é esta a previsão que temos na Bíblia quanto ao fim desta presente ordem.

Cremos piamente na “restauração de todas as coisas”, ainda que em caráter provisório para o reino milenar de Cristo (pois cremos que ao final do milênio, “passarão o céu e a terra”). Quando Jesus vier com sua Igreja estabelecer um governo de justiça e paz e reconciliar o homem com Deus, com o próximo e com a natureza, a criação será redimida e seus gemidos cessarão. O equilíbrio edênico anterior à Queda voltará a prevalecer em toda a terra! (Conf. Is 11.6-9; 65.20-25)

Todavia, esta esperança quanto ao porvir não deve levar-nos a cruzar os braços e aguardar “deitado eternamente em berço esplêndido” que estas coisas aconteçam, e, enquanto isso, irmos devastando a criação aos poucos. Não! Nossa esperança de redenção da criação, deve produzir em nós uma consciência de amor pelo meio ambiente (ainda que não um apego idólatra, como fazem os animistas, que veneram a natureza).

Se Deus redimirá a criação é porque a ama e tem prazer nela. Esse também deve ser o nosso sentimento, e sendo verdadeiro, deve mover-nos a uma postura de trato responsável, zelo e cultivo ordeiro da terra. Somos todos filhos de Adão e sobre nós pesa igualmente o mandato cultural para dominar e sujeitar a terra (Gn 1.26,28) e para lavrá-la (Gn 3.23).

Conclusão

Sem cairmos no extremismo ideológico e político de muitos ativistas ambientalistas, nem na veneração idólatra dos panteístas e povos animistas, cumpramos nossa missão como verdadeiros filhos de Deus e mordomos fiéis da natureza que ele nos entregou. Cuidemos do nosso lar terreno enquanto aguardamos nosso lar eterno!

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[1] Silas Daniel. A sedução das novas teologias. CPAD, p. 271
[2] John Stott. O discípulo radical, Ultimato, p. 45
[3] citado por John Stott. Op. cit. p. 51

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