estudos bíblicos

A mordomia da família

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 4 do trimestre sobre “Tempo, Bens e Talentos”.

em

A Lição de hoje volta-se para os cuidados que devemos ter com nossas famílias. Não há assuntos controversos nem dificuldades teológicas aqui, mas apenas orientações bíblicas práticas para uma correta mordomia doméstica, isto é, administração de nossa casa.

O Deus que nos faz habitar em família (Sl 68.6), pedirá contas do que fizemos e de como tratamos o nosso lar e os nossos parentes.

I. A família no plano de Deus

1. A instituição do casamento

No princípio Deus fez macho e fêmea, e no princípio Deus os ajuntou (Mt 19.4,6). Ali, no Éden (Gn 1-2), ocorria o primeiro casamento, do qual Deus era o juiz e a testemunha, além de pai daquele casal.

O casamento fora estabelecido por Deus para ser uma união de forças e, ao mesmo tempo, divisão do peso nos trabalhos. É curioso notar que a palavra cônjuge em sua etimologia significa literalmente sob mesmo jugo (como dois bois que são colocados sob o mesmo jugo, ou canga, para somarem forças e ao mesmo tempo dividir o peso do trabalho no preparo da terra para o plantio). Vale perguntar: será que temos sido bons cônjuges? Temos de fato somado forças e dividido responsabilidades? Ou há egoísmo, individualismo e falta de parceria entre nós, casais?

A mulher fora dada ao homem não para estar acima dele, nem também para estar em posição de serva ou escrava (como infelizmente muitas culturas tem-na tratado), mas para somar forças. O teólogo pentecostal Craig Keener comenta a tamanha relevância da força feminina:

A expressão traduzida por “ajudadora […] adequada” [em Gênesis 2.18] não subordina a mulher, mas exalta a sua força (a palavra “ajudadora”, em todo o Antigo Testamento, refere-se mais a Deus que a qualquer outra pessoa; “adequada” significa “correspondente” ou “apropriada a”, isto é, alguém igual ao homem, em contraste com os animais). A mulher, portanto, foi criada porque o homem precisava da força dela e não (como alguns interpretam de modo errado esse versículo) para ser sua serva. [1]

Eva fora retirada literalmente da carne de Adão para ser com ele uma só carne pela união matrimonial e pela conjunção carnal – a relação sexual propriamente. Diferente do pensamento tolo de algumas seitas, a relação sexual não era o “fruto proibido”, nem era um ato pecaminoso ou vergonhoso, pois, nas palavras de Jesus, foi Deus quem ajuntou Adão e Eva e lhes ordenou que frutificassem, multiplicassem e povoassem a terra (Gn 1.28).

Nenhum casal deve envergonhar-se da intimidade sexual, pois para este fim foram dados por Deus um ao outro. De tal modo o Senhor valoriza o amor conjugal e a intimidade sexual entre o casal que nos deixou nas Escrituras um livro de teor altamente romântico, cuja leitura muito pode ajudar os casais a perderem sua inibição e aprofundarem sua intimidade. Refiro-me ao livro de Cantares de Salomão ou Cântico dos cânticos.

2. A origem da família

Deus fez Adão e Eva com suas próprias mãos, manipulando a matéria e dando-lhes fôlego de vida. Na criação dos demais membros da raça humana, porém, o Senhor não “botou a mão na massa”, antes delegou ao casal a responsabilidade de procriarem e povoarem a terra. E isto lhes fora possível porque o Criador lhes dotou com capacidade biológica para gerarem vidas (não, porém, sem a participação divina que garante a geração de uma nova vida no embrião formado pelo ato sexual).

O casamento foi a primeira instituição divina; a família veio logo em seguida (observe que somente no Novo Testamento é que a Igreja foi instituída, como Jesus havia dito: “edificarei a minha igreja…” – Mt 16.18). Costumamos nos referir à família como um “projeto de Deus”, todavia a família era um projeto de Deus antes de ser formada; agora ela é uma realidade, é um projeto concretizado! Assim, mais adequado seríamos dizer que a família é uma obra de Deus, uma instituição divina, muito mais que um projeto, sonho ou desejo.

II. A mordomia da família

1. Princípios que regem o casamento cristão

Em três versículos, proferidos por Jesus, podemos estabelecer os quatro princípios básicos de um casamento legitimado por Deus. Atente para os destaques:

“Não tendes lido que aquele que os fez no princípio macho e fêmea os fez, e disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim não são mais dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem (Mt 19.4-6)

O padrão divino para o casamento é aquele instituído no Éden, que foi ratificado por Jesus, e que tem essas quatro características:

1.1. Heterossexual: por três vezes o caráter heterossexual (isto é, entre cônjuges de sexos diferentes) é reafirmado nesse breve texto bíblico, conforme colocado por Jesus: a) “macho e fêmea”, b) “pai e mãe”, c) “homem e mulher”. Igrejas inclusivas que celebram casamentos gays ou dão sua benção para adoção de crianças por casais homossexuais caíram em apostasia, renunciaram ao Evangelho genuíno e se conformaram com o presente século ao invés de transformarem-se (Rm 12.2) e de salgarem o mundo preservando-o da corrupção espiritual e moral (Mt 5.13). Podem até dizer “Senhor! Senhor!”, mas não estão fazendo a vontade do Pai! (Mt 7.21)

1.2. Monogâmico: “o homem se unirá a sua mulher”. Na perspectiva de Cristo, cada marido deve estar ligado à sua própria esposa, não às “suas mulheres” nem às “outras mulheres”. A despeito de no passado e em culturas orientais homens chamados por Deus terem vivido a bigamia ou poligamia, o padrão divino instituído no Éden e reafirmado por Cristo (e por seus apóstolos) é o do casamento entre duas pessoas apenas, não três, nem quatro! Em Cristo, esgotou-se o tempo da tolerância para com a poligamia. O mandamento neotestamentário é claro como a luz do sol: “…cada um em particular, ame a sua própria mulher…” (Ef 5.33)

1.3. Monossomático: “serão dois numa só carne” (em grego, mono = um / soma = corpo). A conjunção carnal é reservada para o casamento legítimo entre um homem e uma mulher, para o desfruto do prazer e para a procriação. Fazer-se “um só corpo” com outra pessoa fora dessa relação, é cometer abominação aos olhos do Senhor (1Co 6.16). E negar injustificadamente ao cônjuge o devido direito sobre seu corpo, é também cometer pecado diante de Deus contra o cônjuge (1Co 7.3,5). Muitos casamentos estão em crise e outros estão abrindo as brechas para a traição e o divórcio, porque os cônjuges não estão se correspondendo no prazer sexual (o que é incrível, visto que quando namorados viviam inflamados!).

Quanto aos casais de namorados que publicam lindas fotos nas redes sociais com a legenda “o que Deus uniu não separe o homem”, gostaria de lembrar-lhes que a união a que este texto bíblico se refere é o casamento e não o namoro. É a união de dois corpos em uma só carne, o aspecto monossomático do casamento. Esta união ou conjunção carnal fora do casamento é prostituição; dentro do casamento, é benção.

1.4. Indissolúvel: “o que Deus ajuntou não o separe o homem”. O casamento não foi feito para se dissolver senão por meio da morte. Quem dera homens e mulheres fossem fiéis aos seus votos de fidelidade eterna “na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na fartura e na escassez, na saúde e na doença…”! Nem mesmo a escassez de amor deve motivar o fim do casamento, antes o compromisso de fidelidade firmado entre ambos deve exercitar o coração na busca do amor que se perdeu.

É óbvio que a paixão do namoro não será a mesma no casamento, pois como dizia C.S. Lewis, a paixão foi apenas a ignição que deu partida no motor do amor [2] – e é este amor que, amadurecido pelo tempo e pela vida a dois, deverá permanecer funcionando; e caso ele comece a falhar no percurso da vida, deverá passar por manutenção para que continue funcionando ao invés de ser descartado.

2. A prioridade da família

Algumas pessoas interpretam mal as palavras de Jesus quando disse “buscai primeiro o reino de Deus” (Mt 6.33), e acham que com isso Jesus está dizendo “buscai primeiro os cultos da igreja”; também interpretam mal as palavras do Senhor: “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26), e pensam que Jesus estaria dizendo que é pra renunciar a família ou trata-la como segundo plano e dar prioridade a igreja. Grande engano!

Estas interpretações equivocadas têm resultado em desentendimentos, descumprimento das responsabilidades maritais ou domésticas e até mesmo em brigas e separações. Priorizar o reino de Deus ou entronizar a Cristo em nossos corações não é o mesmo que priorizar as atividades da igreja, pois a igreja é parte do reino e não o todo! O reino de Deus também inclui nossas famílias salvas e bem cuidadas. Quanto a Cristo, ele pode e deve estar exaltado em nossos corações mesmo acima de nossos cônjuges ou filhos, mas de modo algum isso implicará em negligência para com a família, pois o esposo ou esposa que tem a Cristo como Senhor absoluto de seu coração o obedecerá, amando e cuidando de seu cônjuge (Ef 5.25; Tt 2.4); igualmente filhos obedientes a Deus demonstrarão esta obediência honrando seus pais (Ef 6.1-3).

O apóstolo Paulo, em pelo menos duas ocasiões, demonstra a seriedade com que se deve tratar as famílias. No primeiro caso, ele se dirige aos pais: “Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia. Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?” (1Tm 3.4,5); no segundo caso, o apóstolo dirige uma palavra aos filhos e netos: “Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel” (1Tm 5.4,8).

Observe no primeiro texto a estreita relação que Paulo estabelece entre família e igreja, sendo a boa mordomia daquela imprescindível para a administração desta. Quem não cuida de sua família está desautorizado para cuidar da igreja de Deus! Logo, a família tem primazia. No segundo texto, com muita veemência Paulo chega a dizer que o descuido com os membros da família, especialmente os necessitados (como avôs e avós), torna tal crente pior que o descrente!

Confrontados por estas palavras perguntemo-nos: que atenção temos dado aos nossos filhos? Ao menos temos tido prazer de brincar e passear com eles? E às reuniões escolares, temos comparecido para acompanhar o desenvolvimento das crianças? Estão nossos filhos matriculados na Escola Dominical? E quanto aos nossos pais, os temos visitado com frequência e tomado parte em suas aflições? Quando foi o último abraço ou beijo que demos em nossas mães? Temos socorrido nossos predecessores que se encontram em necessidade? Nossos pais sentem gosto ou desgosto ao se lembrarem de nós?

Podemos até nos julgar muito crentes, mas, segundo a Bíblia, se não cuidarmos de nossos familiares somos piores que os descrentes!

3. O relacionamento entre pais e filhos

Ao mesmo tempo em que pesa o dever sobre os filhos de obedecerem e honrarem seus pais (Cl 3.20), está sob os pais a responsabilidade de educarem seus filhos nos caminhos do Senhor e não os tratarem com amargura, levando-os à irritação (Cl 3.21).

A vara da correção deve estar nas mãos dos pais (Pv 23.13,14), mas o castigo, quando necessário, deve ser administrado na proporção do erro cometido, não de menos para o filho não julgar seus pais permissivos, nem de mais para os filhos não odiarem seus pais pela agressão sofrida. O amor deve ser o regulador da disciplina e da correção.

Pais devem ser modelos e inspiração para seus filhos, e filhos devem ser apoio para seus pais, somando com eles força para a proteção do lar contra os inimigos (Sl 127.3-5). Assim, os filhos devem desde cedo serem instruídos na espiritualidade cristã (Pv 22.6), treinados para a economia dos bens e participação no orçamento doméstico, além de educados para o respeito às leis e as pessoas. Disciplina e limites devem ser administrados pelos pais para que seus filhos lhes respeitem a autoridade e temam cometer erros. Salomão dizia que “a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe” (Pv 29.15).

III. A família cristã está sob ataque

As desavenças familiares e o ódio pela família já foram prenunciados pelo apóstolo Paulo como características de uma geração perversa e de tempos trabalhosos, como os que vivemos. Entre as muitas características listadas por Paulo no texto de 2Timóteo 3.1-5, constam essas: “Os homens serão (…) desobedientes aos pais, (…) sem amor pela família” (NVI).

Desde os dias de Caim, vê-se na terra irmão matando irmão; mas certamente esta época em que vivemos é testemunha das maiores desordens familiares e da violência doméstica que têm posto fim à vida de muitos maridos, esposas, pais e filhos. Não bastasse o ataque ideológico contra o casamento e a família tradicional, orquestrados pelos “engenheiros sociais” [3] do nosso tempo, tristemente testemunhamos famílias se autodestruindo.

A instabilidade das famílias resulta em igrejas enfermas e em sociedades deficientes. Assim, é necessário cuidarmos de nossas casas e nos prevenirmos destes males; mas caso algum deles já nos tenha alcançado, oremos e peçamos a Deus sabedoria para tratarmos e curarmos nossos lares. Abaixo, uma lista de ataques do grande adversário das famílias contra os quais devemos nos prevenir:

1. Infidelidade conjugal

O amor verdadeiro é benigno, isto é, busca fazer o bem para a pessoa amada. Assim, amemos sacrificialmente nosso cônjuge e fujamos de toda sugestão para a traição. O pecado não compensa, deixando após si apenas vergonha, culpa e dor! “Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13.4).

2. Divórcio

É lamentável, mas mesmo entre os casais crentes tem-se notado grande número de divórcios. Isso demonstra que o Senhor não tem sido respeitado em muitos casamentos, pois quando há temor a Deus, os cônjuges somam todos os esforços possíveis para tratarem o casamento ferido. São palavras de nosso Senhor: “o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mt 19.6).

A Bíblia prevê algumas situações extremas em que o divórcio possa ocorrer, como um remédio de dose forte e amarga que não deve ser ingerido senão em situações muito raras. Infelizmente, vê-se que mesmo entre os filhos e filhas de Deus, o divórcio tem se tornado prática comum, tão comum que deixaria os mais liberais dos fariseus escandalizados! Mas o julgamento começará pela casa de Deus… (1Pe 4.17) Aos que banalizam o casamento, desonram seus votos de fidelidade, e flertam com o divórcio, atente para o que Deus diz: “‘Eu odeio o divórcio’, diz o Senhor, o Deus de Israel” (Ml 2.16, NVI).

3. Violência doméstica

Seja agressão verbal ou física, essa violência sempre provoca dor e causa feridas, algumas muito difíceis de recuperar. Pedro adverte os maridos para que não maltratem suas esposas, sob pena de terem suas orações impedidas (1Pe 3.7). Até mesmo na intimidade conjugal precisa haver respeito! A relação entre o casal precisa ser prazerosa para ambos e não apenas para um.

4. Perversão sexual (pedofilia, incesto)

Causa-nos espanto e ao mesmo tempo ira tomar conhecimento de pais que abusam de seus próprios filhos ou irmãos que abusam de suas próprias irmãs. A que nível de degradação moral o ser humano chegou! Pais devem ser protetores de seus filhos e irmãos devem ser cuidadores uns dos outros. Precisamos através da oração, do estudo da Palavra, de cultos domésticos e da poderosa ação do Espírito Santo em nosso interior, livrar-nos de toda impureza e criar um ambiente espiritual saudável, onde pais e filhos fossam se relacionar amorosamente, respeitosamente e decentemente. Filhos são herança do Senhor (Sl 127.3), e devem ser tratados com todo amor e carinho!

5. Rebeldia dos filhos

Filhos rebeldes são desgosto para seus pais. Mas a Bíblia já adverte: O que semear a perversidade segará males! (Pv 22.8) Muitos filhos estão hoje sofrendo dores terríveis porque maltrataram seus pais no passado e assim desonraram ao Senhor. Estão colhendo o que plantaram. Muitos estão sendo cortados da vida ainda na juventude porque transgrediram o santo mandamento de obedecer e honrar seus pais. Aos filhos, porém, que obedecem e honram seus pais, está dada esta mui grande promessa: “tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra” (Ef 6.3, NVI).

Conclusão

Que ao final dessa Lição possamos estar mais conscientes em relação ao nosso papel como cuidadores de nossa família. Não importa que lugar ocupamos, se o de pai, de mãe, de filho ou irmão, cuidemos uns dos outros! Nossa família é um bem preciosíssimo que Deus nos deu, e quanto mais amor dedicarmos a ela, mais amor receberemos dela. Que em nossas casas haja amor, respeito, perdão, alegria e confraternização diária! E que o Senhor seja o grande edificador de nossas casas, para que nossos esforços jamais sejam em vão (Sl 127.1).

___________
Referência

[1] Craig Keener. Comentário histórico-cultural da Bíblia: Novo Testamento, Vida Nova, p. 576
[2] C.S. Lewis comentava: “deixar de estar ‘apaixonado’ não precisa significar deixar de amar. Amar (…) não é meramente um sentimento. Trata-se de uma profunda unidade, mantida pela vontade e fortalecida deliberadamente pelo hábito; reforçada pela graça (no caso dos matrimônios cristãos) que ambos os parceiros pedem a Deus e dele recebem. (…) É esse amor o combustível que faz o motor do casamento funcionar; estar apaixonado foi a ignição que deu partida” (Cristianismo puro e simples, Thomas Nelson Brasil, p. 151).
[3] engenheiros sociais não são uma referência a pessoas formadas em engenharia, mas uma metáfora para formadores de opinião na sociedade que trabalham pela disseminação de novas teorias contrárias aquelas tradicionalmente aceitas e defendidas no que diz respeito ao casamento, família, criação de filhos e organização social. São filósofos, acadêmicos, jornalistas, políticos, artistas e até mesmo teólogos que vivem propondo rupturas com o que chamam de “modelo patriarcal e fundamentalista” de organização da sociedade.

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