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Voltemos ao Evangelho

Alguns líderes acabam adotando procedimentos que, no fundo, reafirmam a imaturidade e fraqueza espiritual do rebanho.

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Cruz no alto do monte
Cruz no alto do monte (Foto: Reprodução/Pexels)

Reza a lenda que Narciso era filho do deus grego Cifiso e de Liríope. Conta-se, ainda, que  sua beleza era estonteante o que fazia com que todas as pessoas que o viam acabassem se apaixonando por ele. Certo dia, sua mãe preocupada com o futuro do filho, consultou o vidente Tirésias que, embora cego, tinha o “poder” de prever o futuro. Este, ao ser questionado por Liríope teria dito que Narciso viveria feliz e muito, desde que jamais viesse a ver refletida a sua imagem estonteante.

Acontece que, certo dia, ao sair para caçar, ele viu a sua imagem refletida na água e acabou se apaixonando por si mesmo e esse sentimento o levou a morte.

O mito apresenta algumas versões, mas em síntese esse é o resumo da história de narciso, filho de um deus que se achava tão especial que tudo aquilo que não refletisse exatamente a sua imagem não merecia crédito e deveria ser deixado de lado. Ele sentia uma necessidade constante de admiração e de reconhecimento por parte das outras pessoas, de maneira que, se estivesse em um lugar e ninguém notasse a sua presença seria um verdadeiro apocalipse em sua mente. Há alguns anos, inclusive, Caetano Veloso na letra de Sampa deixou bem claro esse sentimento exagerado de autoestima: “[…] é que narciso acha feio o que não é espelho”.

Malgrado seja um mito grego, quando paramos para analisar a história percebemos que um dos grandes motivos que levam as igrejas nos dias atuais a passar por “crises” é justamente o fato de que uma boa parte dos cristãos apresentam comportamento narcisista e os líderes, tentando resolver a fuga das ovelhas, ao invés de tratar com a Palavra (Sl 107.20) acabam adotando procedimentos que, no fundo, reafirmam a imaturidade e fraqueza espiritual do rebanho.

Em síntese a ideia é que ao tornar nossos cultos ao Senhor algo que seja agradável as pessoas que frequentam a igreja, quer sob o ponto de vista material quer sob a lente espiritual, iremos conseguir manter a frequência aos cultos e assim “pastorear” aqueles que congregam conosco, sem contudo ser instrumento de mudanças nas mãos do Senhor.

Com esse objetivo de agradar ao invés de fornecer meios para modificar os sentimentos, encontramos igrejas com diversas arquiteturas. Algumas pintam suas paredes de preto pois, segundo entendem, esse procedimento ajuda na “atmosfera” do culto. Outros, colocam luzes e lançam mão de uma série de aplicativos que permitem a reprodução de textos, breves clipes ou até mesmo pequenas montagens digitais. Há nesse contexto igrejas com púlpitos destacados por artefatos que lembram coroas, Arca etc. Por outro lado, algumas até retiram o púlpito para facilitar a visão do louvor durante a sua “apresentação”.

Sinceramente, analisando a questão puramente sob a ótica estética, não vejo, pelo menos em uma análise superficial, qualquer problema com o procedimento.

Mas as mudanças não ficam restritas a parte material pois, com a crescente “necessidade” de se atender aos anseios, sonhos e desejos de seus frequentadores, algumas igrejas fazem, ou tentam fazer concessões em relação a assuntos que causam um confronto entre o comportamento secular e aquele que se espera de um seguidor de Cristo.

Assim, enquanto as mudanças ficam restritas ao âmbito material a questão não desafia grandes preocupações. Paulo já ensinava que “todas as coisas me são lícitas…”(1Co 6.12, ARA), logo, adequar ou melhorar os locais com o objetivo de proporcionar condições agradáveis aos participantes do culto não afronta em nada a Palavra do Senhor. O problema acontece quando essa mudança tem por escopo agradar aos fiéis.

O grande embate enfrentado atualmente não está na arquitetura da igreja ou do culto, mas sim na motivação que leva a prática desses atos. Aqui devemos continuar a leitura de 1Co 6.12, para destacar que ”…nem todas (as coisas) me convêm.”

É fato que muitas pessoas veem ao evangelho oriunda de outras religiões, quer sejam praticantes ou não. Em um país como o nosso, sob o ponto de vista cultural, encontramos comportamentos que, consciente ou inconscientemente, refletem atitudes e práticas religiosas, tais como roupas de determinadas cores em certas ocasiões, a doação ou entrega de doces em determinadas épocas, a necessidade de se entregar (ou trocar) algo em recompensa a uma “benção” recebida ou até mesmo o sacrifício individual como meio de se alcançar uma graça.

Tudo isso, sob a ótica cultural até pode ser aceito desde que não interfira na verdadeira Palavra do Senhor. O problema acontece quando essas pessoas passam a frequentar as nossas igrejas e não se libertam dessas práticas. Elas “se convertem” exteriormente, mas em seu interior ainda existe aquela busca incessante de saciar seus sentimentos, de acolhida de seu eu.

Aqui é que surge a questão, pois, para conseguir “manter” os fiéis, muitos líderes acabam adaptando seus cultos ou o entendimento das doutrinas bíblicas para “abraçar” essas pessoas.

Assim, infelizmente, encontramos lenços, água, roupa e demais peças “ungidas”, de modo que a “simples” presença de Jesus e do Espírito Santo em nossas vidas passou a ser algo relegado a segundo plano! Doutrinas sedimentadas na palavra acabam sendo questionadas com o objetivo de acariciar pessoas e seus comportamentos pecaminosos.

Comecei este artigo mencionando a lenda e Narciso. Infelizmente, é possível ver que em muitos casos passamos da lenda para a realidade, visto que há diversas pessoas que frequentam igrejas não para cultuar ao Senhor, mas para terem suas necessidades supridas e saciadas. Na prática, encontramos pessoas que por não gostarem do louvor, quer porque preferem hinos, quer porque nos louvores não são de seu agrado, acabam trocando de igreja a procura de um culto que lhes massageio os sentimentos!

Outras, trocam de igreja ou por causa da altura do som ou, pior, porque o sermão não promete  “vitórias”, pelo contrário, fala de pecado, inferno e perdição!

Um crente narcisista, portanto, é aquele que frequenta os cultos com o objetivo de atender aos seus sentimentos, de modo que se algo não lhe agradar, ao invés de procurar auxílio do Espírito Santo para corrigir o comportamento, ele prefere trocar de igreja ou, pior, voltar às origens!

É justamente aqui que surge o embate o problema: como manter esses cristãos nos cultos adorando ao Senhor de forma verdadeira, sem adaptações ou artimanhas modernas?

Certamente não é alterando o layout da igreja ou dando maior destaque a esse ou aquele procedimento! Alterar as coisas tão-somente para agradar os frequentadores dos cultos nada mais é do que reforçar a prevalência da vontade e dos sentimentos humanos, relegando a um segundo plano a infalível Palavra do Senhor que diz somos transformados pelo Senhor (2Co 3.18).

Necessitamos voltar ao Evangelho e pregar a Palavra verdadeira, pura, independente da vontade, ocasião ou público (2Tm 4.2).

Em resumo, toda e qualquer alteração que se faça nas igrejas é válida desde que objetive o conforto, segurança e bem estar, mas jamais como instrumento para agradar os fiéis!

Na vida secular, quando uma pessoa se reconhece narcisista, ela procura um psicólogo e inicia um tratamento onde o profissional ouve, orienta e acompanha.

Em termos espirituais as coisas não são diferentes, os cristãos que vão as igrejas a procura de terem seus sentimentos atendidos também deveriam procurar pastores capazes de orientá-lo e ajudá-lo a permanecer no caminho.

O problema não é simples e nem a sua solução fácil, porém, se seguirmos acreditando nas promessas de Deus a situação pode ser transformada, as pessoas poderão ser modificadas e abençoadas e o Reino de Deus Glorificado. Para isso é necessário que dos púlpitos voltem a fluir somente a Palavra de Deus (Jo 3.30).

Todas as tentativas de evangelização e apascentamento são bem vindas desde que elas não venham a reforçar comportamentos seculares que por sua essência nos afastem da presença de Deus.

O narcisista tende a achar feio tudo aquilo que não é reflexo de si, então, de nada adianta mudar as cores das paredes, modificar a liturgia ou até mesmo  o tempo destinado a Palavra pois se o comportamento da pessoa não for alcançado e ela não vier a nascer de novo,  jamais irá sentir a paz de Cristo que excede a todo entendimento (Fp 4.7).

“Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33)

Casado com Simone e pai de Thiago e Ferrnanda. Formado em teologia pelo Instituto Cristão de Pesquisas, Mestrando em Hermenêutica pelo Seminário Betel Brasileiro, Bacharel em Direito, Pós Graduado em Direito Civil, Pós Graduado em Direito Processual Civil. Jurista. Autor dos livros “ O GPS de Deus”, “Pai de filho depressivo” e “Ansiedade”. Pastor na Igreja Cristã Evangélica do Mandaqui.

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