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opinião

Um povo sem heróis, que só pode ser salvo pelo maior de todos!

O papel do herói de um povo, num mito moderno ou não, é aglutinador: tipifica os anseios do que há de melhor nas aspirações, vivências e nas narrativas culturais daquele povo.

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O Brasil é um país realmente sui generis. Enquanto a maioria das pessoas em outros países admira os exemplos benéficos que produzem, seus ou de outros, o brasileiro grosso modo não admira nenhum exemplo, nenhum paradigma, parece não absorver nenhum princípio criado por outros países, como ícones do que eles são ou têm de melhor… nenhum!

Nós, que nos achamos tão abertos, tão culturalmente dispostos a intercâmbios dos mais variados, na verdade somos uma nação um tanto quanto zumbi (para pegar carona em um dos grandes modismos atuais da cultura pop): andamos, comemos, vamos de um lado para o outros, existimos, mas, é como se não tivéssemos propósito civilizacional, como se víssemos o avanço civilizatório alheio e, ao invés de absorvermos o que há de melhor no mundo e, aí sim, darmos sentido à interculturalidade, ficássemos andando em círculos; abertos ao mundo, mas fechados em nós mesmos; vibrantes, sem vida. É um caso único no mundo.

Tome-se como exemplo os heróis. Vivemos atualmente uma febre mundial na cultura pop com os heróis modernos, de quadrinhos, filmes, séries, etc. O maior exemplo é o que acontece com os EUA, mas não se restringe àquele país. Os russos, por exemplo, estão produzindo, inclusive em parceria com americanos, heróis russos ou americanos em versão russa (e até soviética!). Europeus também estão imersos em uma cultura de heróis, uma vez que, graças às mitologias antigas europeias, o Velho Continente tem uma longa e rica tradição de heróis em seus mitos (vide os gregos e os nórdicos, por exemplo).

O papel do herói de um povo, num mito moderno ou não, é aglutinador: tipifica os anseios do que há de melhor nas aspirações, vivências e nas narrativas culturais daquele povo. É claro que é um modelo ideal, embora os revisionistas modernos, relativistas éticos em sua maioria, façam cada vez mais releituras dos heróis, atribuindo-lhes mais humanidade. E isso quase sempre os estraga! Um herói é, por definição, alguém que faz atos heroicos.

No caso dos mitos antigos, os heróis, na maioria das vezes, se viram meio que “forçados” por alguma necessidade a praticarem atos heroicos, mas seus exemplos, de coragem, verdade, bravura, inteligência, perpetuaram-se como paradigmas do que as sociedades que os produziram tinham de melhor, ainda que apenas em suas aspirações.

O mesmo acontece com mitologias modernas, em que todos sabem que os personagens heroicos criados são pura ficção. Observe o Superman. Ele simboliza, talvez melhor do que qualquer outro herói, o que a sociedade estadunidense que o produziou aspirava: o ideal de um homem heroico para os EUA da década de 1930, período em que o Superman “nasceu”, é de alguém que tem uma força descomunal, como um semideus, tenha habilidades únicas, como supervelocidade, olhos de raios x, raios que saem dos olhos, voe e que, também, seja um exemplo de alguém que lute pela justiça, pela verdade, pela paz.

Por isso, o Superman é capaz até de dar a sua vida, sem pestanejar. Até os heróis com motivações mais sombrias, como vingança ou ira – como o Batman, que perdera seus pais ainda muito novo e, desde aquele dia, tenha jurado combater o crime na cidade onde vive -, têm em sua longa lista de atos heroicos um desapego completo por fama, pelos holofotes, por reconhecimento público. São austeros em suas práticas de vida, sendo guiados por um forte senso deontológico, isto é, de missão do dever.

O Batman, ao contrário do Superman, não tem um superpoder, mas tem motivação, dinheiro e inteligência suficientes para se tornar alguém tão conhecido quanto aquele, quando o quesito é combater o crime. Mas, não se engane: há heróis que são negros, brancos, ricos, pobres, com ou sem traumas, pois o apelo imagético que os forma (fazendo-os voar ou terem super audição, visão, força etc.) é oriundo das aspirações do povo que os produz, ainda que suas motivações sejam ruins.

É curioso, mas no Brasil não há heróis. Nunca observou? Não temos nada, nenhum ser que aglutine em si nossas melhores aspirações, porque simplesmente não temos nenhuma como civilização.

Nossa meta parece ser apenas a sobrevivência e, com isto, o que escancaramos é todo nosso individualismo. E, se cada um de nós, brasileiros, restringimo-nos a valorizar apenas o que nos caracteriza como indivíduos, acabamos por não dar a mínima para o que nos faz civilização, um conceito eminentemente da coletividade.

Isso posto, não é à toa que não apenas não tenhamos heróis, como “cultuemos” os vilões, os anti-herois. E isto se reflete no dia a dia, da política às nossas relações na igreja, tudo o que é cultuado é a partir do individualismo aviltante, que nos impede de sequer termos condições de criarmos um ser que, metaforicamente, espelhe ao menos as aspirações gerais que qualquer ser humano saudável tem, como senso de equidade, justiça, honra, honestidade, verdade.

O falecido cantor Cazuza tipifica bem o que me refiro, quando cantava o trecho seguinte, característico de sua geração-Brasil: “Meus heróis morreram de overdose….”.

O “herói” das massas é normalmente, no Brasil, um comediante desbocado, um ex-presidente que estuprava cabritas, guerrilheiros frios e corruptos, traficantes ou viciados, políticos de moral extremamente duvidosa e clérigos intolerantes. Resta, portanto, à Igreja, a apresentação e defesa de alguém que carrega em si todas as qualificações heroicas, sendo a maior de todas o sacrifício.

O herói verdadeiramente herói é alguém que não ama a própria vida mais do que a dos próximos. Jesus traz consigo, como nenhum outro na História, tal prerrogativa. A grande diferença, porém, entre sua história e as mitologias dos heróis antigos e modernos é que as histórias destes são todas ficções, a daquele é verdadeira.

Se, como povo de um país, não temos cabedal cultural para criarmos e honrarmos encarnações fictícias daquilo que aspiramos de melhor, propaguemos os feitos daquele que é o maior herói dentre todos, não de um povo ou país, mas de todo o universo.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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