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opinião

Sobre esse tal empoderamento feminino

Assim como Maria, somos encorajados a superar as adversidades, que no caso dela certamente não foram poucas e se tornar a mãe que foi.

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Quem costuma viajar ou se deslocar de Uber na cidade, já se acostumou a ver mulheres ao volante, seja de carros, ambulâncias, caminhões, ônibus ou aviões. Os tempos são outros.

Embora, em muitos lugares a vida siga seu curso calmamente como nos séculos passados, em muitos outros as mulheres se lançaram em busca de espaço, adentrando lugares antes ocupados apenas por homens.

Para quem não assistiu, recomendo um filme que trata deste tema e que também aborda outros tipos de preconceito. Estrelas além do tempo, baseado no livro Hidden Figures, conta a história das matemáticas Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson que, além de enfrentarem resistência por serem mulheres, tiveram que superar a discriminação por serem negras. Por serem verdadeiramente computadores humanos, foram reconhecidas, apesar de discriminadas, e passaram a integrar equipe matemática da NASA, nos anos 60, quando houve a corrida espacial dos EUA com a Russia.

Hoje, talvez, a situação já seja diferente, pois as mulheres passaram a assumir postos, sejam eles políticos, nas ciências ou no mundo corporativo. Entretanto, pesquisas como a do IBGE, publicada no dia 7 de março de 2018, mostram que, apesar das mulheres serem a maioria com ensino superior completo, ainda há assimetria nos salários se comparados com os dos homens. “Em relação ao rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos e razão de rendimentos, por sexo, entre 2012 e 2016, as mulheres ganham, em média, 75% do que os homens ganham. Isso significa que as mulheres têm rendimento habitual médio mensal de todos os trabalhos no valor de R$ 1.764, enquanto os homens, R$ 2.306.” (Agência Brasil, 07/03/2018)

Além disso, as mulheres acabam trabalhando muitas horas a mais por conta das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos e com pessoas idosas. Ou seja, elas chegam em casa após (normalmente) oito horas da jornada de trabalho e continuam trabalhando ao retornar ao lar. O mesmo estudo revela que elas investem, em média, 20,9 horas semanais nos cuidados com a casa (como cozinhar, lavar louça, lavar, estender e recolher roupas, cuidar dos filhos, de pessoas idosas e dos animais domésticos, limpar e organizar a casa, etc), enquanto os homens trabalham 11,1 horas semanas. Ou sejam, praticamente o dobro do tempo.

Obviamente, não podemos generalizar, mas, nos lares ditos cristãos de nossas igrejas, muitas vezes acontece o mesmo que nos lares não cristãos. Muitas mulheres sofrem com cargas de trabalho excessiva e baixos salários, e ajudam ativamente no orçamento familiar, sendo até em alguns casos a provedora. Se antes a mulher era proibida de trabalhar fora de casa, agora é praticamente exigido que tenha algum ganho e colabore no orçamento doméstico.

Jesus foi, sem dúvida, motivo de grande indignação para muitos religiosos. Ele andou com mulheres que foram suas discípulas, algumas tinham posses e eram da sociedade, outras eram mulheres excluídas, outras consideradas pecadoras. Além disso, ao ressuscitar, se apresentou primeiramente à uma mulher (Exemplos: João 8:1-11 , Mateus 26:6-13, Mateus 28:1-10). O fato Dele se deixar cercar e caminhar com elas, certamente gerava escândalo. Jesus foi o precursor dos direitos humanos e direitos das mulheres. Lamentávelmente, em algumas igrejas esta boa nova não é praticada.

Em termos de pastorado feminino, muitas denominações no Brasil e no mundo já reconhecem as mulheres como pastoras há muitos anos, enquanto outras denominações ainda lutam com esta questão.  Não se trata, a meu ver, de apenas colocar mulheres nos cargos eclesiais, mas pessoas com real preparo para assumir o que foi proposto, independente do sexo. Temos muitas mulheres com ótimo preparo, com uma visão diferenciada, que podem contribuir grandemente. Hoje, em muitas igrejas, há predominio numérico de mulheres, que trabalham nos diversos departamentos, assim como também em missões, mas esses números não se refletem nos cargos de maior relevância. Temos que nos perguntar o por que disso.

Ao longo dos anos, tenho conversado com muitas cristãs casadas, que relatam sofrer com maridos igualmente ditos cristãos. Mulheres solteiras, divorciadas ou viúvas também têm suas angústias guardadas. Há muita violência física e verbal, desconsideração, negligência, grosserias, abusos, restrição dos direitos básicos, de acesso à saúde e de tratamentos. A Universidade Presbiteriana Mackenzie realizou, em 2016, uma pesquisa que identificou, a partir de relatos colhidos por organizações não-governamentais (ONGs) que trabalham no apoio às vítimas de violência doméstica, que 40% delas eram evangélicas. Há muitos dados coletados em outros países que apontam na mesma direção. Por exemplo, há uma pesquisa conduzida pela organização Kyria, envolvendo 1.800 mulheres cristãs nos Estados Unidos, que mostrou números ainda piores: 52% delas já tinha sofrido violência moral, 30% foram vítimas de violência física e 18% passaram por violência sexual.

Todas estas situações e muitos outras são, por vezes, toleradas nas igrejas, e são até apoiadas por leituras tendenciosas da Palavra de Deus.

O ensino da premissa básica do Evangelho, do amor e da dignidade humana, é primordial. Famílias espiritualmente e emocionalmente saudáveis são geradas e se desenvolvem dentro de igrejas que entendem o ciclo da vida e humanizam o cuidado familiar, enfatizando conceitos de parceria e complementariedade, conforme nos informa o Genesis.

Relações de poder assimétricas produzem adoecimento nas famílias e igrejas. Ao acolher famílias disfuncionais e pessoas que aceitam o Evangelho, mas que vêm com aprendizagens contrárias à dignidade humana, abre-se um grande campo de ensino para a igreja. Atuar com graciosidade, ensinando homens e mulheres a viverem sua nova identidade em Cristo, significa empoderar. É incutir ou relembrar às pessoas que elas podem, sim, fazer escolhas e tomar decisões! Jesus não tratava as pessoas com coitadismo. Acolhia, ouvia, curava, empoderava e estimulava a prosseguir “pega a tua cama e anda” (João 5:8). Jesus ajudava a enxergar a responsabilidade pessoal e não vitimava homens: “queres ser curado?” (João 5:5-6) ou mulheres “ninguém te condenou?” (João 8:10) com os quais interagia. Ele gerava cura e salvação em todas as dimensões da vida humana, ou seja,  empoderar coloca em marcha e destrava o que estava atado.

As mulheres, em boa parte do mundo e também no Brasil, estão buscando novas oportunidades, concluindo novos estudos, avançando em mestrados e doutorados. Para aquelas que são casadas e, além de trabalhar, também estudam, a cooperação dos maridos é primordial. Hoje é comum ver homens jovens, que aprendem a serem participantes das atividades domésticas, dividindo assim melhor as demandas, tempo e recursos. Se os homens estão mais ou menos conscientizados, isso também é reflexo do papel socializador das igrejas.

Vale lembrar que o povo judeu sempre primou pelo estudo e preparo, sendo Jesus reconhecido por sua sabedoria aos 12 anos (Lucas 2:46-47). E Maria, sua mãe, demostra conhecer com profundidade as Escrituras ao proferir seu Cântico (Lucas 1:46-55). Essa mulher extraordinariamente piedosa e comprometida com Deus, foi reconhecida e empoderada com a saudação “salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres” (Lucas 1:28). Esta saudação reconhece numa mulher simples, a possibilidade de vir a ser a mãe do Redentor. Assim como Maria, somos encorajados a superar as adversidades, que no caso dela certamente não foram poucas e se tornar a mãe que foi.

O mundo jaz no maligno. As mulheres, ao reivindicarem seus direitos, estão lutando por igualdade de tratamento. Que a Igreja cumpra seu papel de revolucionar todas as instâncias do viver enquanto tivermos folego de vida. Que sejamos transformados de dentro para fora, tornando-nos discípulos e discípulas de Jesus. E que a mulher aprenda a andar por suas próprias pernas, sendo o que foi chamada a ser, usando de seus dons, sensibilidade, coragem e determinação.

Psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar. Foi professora na Universidade Mackenzie e, atualmente, é professora em Seminários Teológicos e na Escola Superior de Teologia – EST. Trabalha com atualização teológica e acompanhamento psicológico de lideranças cristãs.

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