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opinião

Sempre lutei sem homem algum no meu córner

“Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo.”

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Rocky Balboa e Adonis Johnson
Rocky Balboa e Adonis Johnson. (Foto: Divulgação / Creed)

Uma das formas de atingirmos verdades superiores é através de ilustrações, símbolos, metáforas e demais figuras de linguagem. Jesus contava parábolas para passar grandes ensinamentos aos seus discípulos. Ao tentarmos precisar termos, ou utilizar linguagem recalcada pelo senso comum caímos num reducionismo que acaba ofuscando e deixa escapar a grandiosidade de certas verdades.

Sendo assim, quero apresentar nesse artigo o enredo do filme Creed (2015), estrelado por Sylvester Stallone, como forma de ilustrar as consequências da ausência de um pai na vida de um filho e os traumas que imprimem no caráter e na formação do indivíduo, para evitar o ardil de cair num texto puramente discursivo, retórico. Aos não iniciados no mundo do boxe, “corner” se refere não só ao canto do ringue onde acontece a luta, mas a equipe de apoio que cuida do atleta nos intervalos e passa instruções durante a luta.

A arte é um excelente recurso – e talvez resida aí seu grande trunfo – para explorar as possibilidades de existência do ser humano. Através do filme, mesmo que o indivíduo não tenha vivido existencialmente sem um pai, se abre essa oportunidade de vivenciar mesmo que na imaginação como seria sua existência sem um pai, mesmo sem tê-la vivido de fato. Através dos diálogos, da interpretação dos atores e demais recursos, enquanto assiste ele tem a chance de submeter-se a um exercício de imaginação, entender e por um momento tocar a realidade de uma vida sem pai.

Adonis Johnson é o filho do famoso campeão de boxe – a lenda – Apollo Creed, que morreu durante uma luta no filme Rocky IV (1985).  Ele vive em instituições para órfãos até que a esposa de Apolo (não sua mãe biológica) o resgata de dentro de uma cela, após ele se envolver numa briga com outro garoto. Embora ele tenha o apoio da madrasta – que vai lhe proporcionar uma vida muito confortável – ainda assim, ele cresce sem a figura de um pai.

O filme deixa evidente as consequências da ausência de um pai, porque é possível avaliar como isso influencia no caráter de Adonis. Sua índole agressiva, combativa, sua fúria, refletem a herança que ele carregava dentro de si do caráter do pai, sem sequer conhecê-lo. Mesmo com a ausência justificável, já que seu pai morrera antes dele nascer, parece que seu destino para a luta estava gravado em pedra, tal qual o de Apollo Creed. De maneira prática, observamos que uma coisa está sempre ligada à outra. Parece que a sina dos pais é como uma carga imposta sobre os ombros dos filhos. Quem nunca ouviu o ditado: “o fruto não cai longe da árvore”? Livrar-se desse peso pode ser uma tarefa para a vida toda.

Lutando sem um homem no corner

A despeito dos diálogos explícitos e cenas carregadas de dramaticidade, a cena que mais chama atenção é quando no início do filme, Adonis vai lutar no México em um local improvisado, decadente, numa luta amadora. Desde os momentos de preparação que antecedem a luta até a subida no ringue, ele faz tudo sozinho. A cena é significativa porque mostra exatamente como tinha sido sua vida até ali; desassistido, sem um homem no seu córner para auxiliá-lo ou instruí-lo.

Se evocarmos o simbolismo da cena podemos interpretar que metaforicamente é a luta diária que ele travava na sua vida. Porém, sem um homem, sem seu pai para aconselhá-lo, para conduzi-lo, para evitar que cometesse erros ingênuos. Assim como no ringue, na vida ele também não tinha quem o aconselhasse quando essa lhe aplicava um golpe direto ou um soco cruzado. Tinha que agir sozinho nos conflitos pessoais, inseguro, sem uma dica sobre como abordar uma garota educada e respeitosamente; como desviar-se das amizades tóxicas e malignas, como reagir quando atingido em cheio ou de surpresa, como continuar lutando mesmo após uma queda e, principalmente, como vencer.

Outro ponto alto do filme é o relacionamento que ele estabelece com Rocky (Sylvester Stallone). É como se Adonis escolhesse Rocky para ser seu pai. É um relacionamento conflituoso, humano, verdadeiro, com ofensas de ambos os lados, num processo de crescimento, aprendizado mútuo e amadurecimento, mas principalmente que se perdoam e seguem em frente em torno de um objetivo. A partir do relacionamento com Rocky eles passam a ir para a luta juntos e isso também é algo relevante. Adonis não vai mais sozinho, ele tem um homem no seu córner quando sobe para lutar.

Há a cena emocionante de quando Adonis perde uma luta de forma humilhante simplesmente por sua prepotência, orgulho e imaturidade, pois ainda não tinha seu pai/treinador para lembrá-lo dos seus limites. Além do vexame, a derrota ainda lhe custa o carro que apostou no desafio estúpido que fizera.

Outro destaque é a cena que um treinador vem propor um combate com seu pupilo, Adonis ingenuamente vai querer falar, mas Rocky assume a frente e passa a conduzir a conversa. Experiente que era, sabia que a luta não se dava só no ringue, começa fora e nos detalhes. Como se protegesse seu pupilo, age mais como um pai, literalmente assumindo a frente e tirando o melhor que podia da situação.

A paternidade, ou a ausência dela, tem sido um dos fatores da desestruturação da família e da sociedade. São milhares de jovens sendo privados da convivência de pais, dos seus conselhos, das suas amizades e de tudo o que um bom pai pode oferecer. Hoje em dia as coisas são pautadas pelo seu pior, pelo seu lado negativo. E obviamente, que não podemos imaginar ou defender a paternidade baseados nos piores exemplos. Temos que defendê-la apoiados na grande maioria de pais que dariam suas vidas pelos seus filhos.

O vice-presidente general Mourão disse uma verdade que gerou desconforto – contrariando a narrativa da grande mídia – e causou desmedida polêmica por semanas. Ele simplesmente expôs o que é óbvio e patente: “família sem pai ou avô tem muito maior propensão de gerar elementos desajustados.”

No que se refere a paternidade, o filme confirma a fala do general Mourão que aponta que meninos com pais ausentes são muito mais propensos a abandonar os estudos precocemente, tornarem-se alcoólatras, delinquentes e terminarem na prisão.  Adonis é um caso à parte, teve seu destino mudado por uma alma caridosa que o resgatou daquele ambiente degradante e violento, e posteriormente teve um tutor que assumiu a figura de pai em sua vida. Aliás, quando ele se afasta da madrasta, é Rocky que vai ajudá-lo a cumprir seu destino. Quase nunca na vida é assim.

Todo homem precisa de um outro no seu córner quando vai para a luta. A ausência da figura do pai nas famílias tem feito que muitos jovens sejam vencidos seguidamente nas lutas da vida e vivam feridos, machucados pelos duros golpes que poderiam ter evitado, quando se tem um conselheiro leal no córner para passar as instruções corretas.

O Pai de Órfãos

Ora, o simbolismo e a importância do pai na sociedade e na família não são qualquer coisa que se tome por banal ou corriqueira. Basta lembrarmos que Jesus se referia a Deus como Pai. Em inúmeros momentos Ele evoca o Pai: “Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai (…).” (João 10:15). Ele afirma sua íntima comunhão com o Pai: “Eu e o Pai somos um”. (João 10:30) e ao preparar-se para enfrentar a cruz no calvário ele se reporta diretamente ao Pai: “…Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti”; (João 17:1).

Obviamente que ninguém está comparando o Deus Todo Poderoso com os pais humanos e pecadores. O que se tenta demonstrar é que o simbolismo e a figura de um pai são das coisas de maior importância na Bíblia Sagrada. Basta ver como homens e mulheres sofrendo na sociedade por conta da desvalorização da figura paterna ou de pais omissos.

Outro versículo maravilhoso é aquele que trata Deus como Pai de órfãos. Ainda que Adonis não tivesse encontrado Rocky em seu caminho, do ponto de vista de um cristão, ele teria disponível o melhor pai que alguém poderia ter em vida. O Pai de Amor, Esperança, Verdade e Bondade. “Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo.” (Salmos 68:5)

Um outro exemplo que a ilustração do filme nos deixa é que Adonis busca ajuda. Ele reconhece em Rocky, alguém melhor que ele, reconhece sua história e seu legado e em como ele poderia contribuir para seus objetivos. É a uma das poucas vezes que o vemos se submetendo a alguém.

As igrejas são repletas de homens sérios, sábios, piedosos e que podem contribuir com o crescimento de vida de muitos órfãos de pais naturais. Ore, peça a Deus que o guie, que você possa encontrar um tutor, um pai mesmo que postiço, ou alguém que cumpra esse papel, para ajudá-lo na caminhada da vida, torná-la mais suave. Eu sou testemunha de muitos homens que contribuíram para a vida de outros, doando seu tempo e seu conhecimento de forma espontânea e desinteressada para esses órfãos. Apenas para servir ao próximo.

Esqueça os maus exemplos, viva sabendo e confiando que há pessoas que ainda refletem o amor do Pai dos órfãos nessa terra. Eu oro para que você consiga, assim como Timóteo, que teve seu pai na fé, ter um homem no seu córner para passar-lhe instruções durante os momentos difíceis dos combates dessa vida.

“A Timóteo meu verdadeiro filho na fé: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus nosso Pai, e da de Cristo Jesus, nosso Senhor”. (1 Timóteo 1:2)

Texto inspirado num artigo de Greg Morse: “No Man in Their Corner”.

Formado em Letras (Literatura Inglesa e Portuguesa), pastor assembleiano, professor da EBD e de teologia, residindo em São José, SC.

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