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opinião

Resistindo às ilusões políticas

Toda ideologia apresenta um “deus” (um “salvador”) capaz de solucionar os diversos problemas da vida (o mal).

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O Brasil encontra-se politicamente polarizado. Parte da população considera-se de direita ou de esquerda, ou diz ser liberal e conservadora ou socialista e progressista. Entre os Cristãos, a polarização também é observada. Há quem se posiciona à direita e afirma ser liberal conservador e quem se considera de esquerda e socialista, além de uma parcela significativa que prefere não assumir uma posição política específica. Diante dessa diversidade de ideologias, qual posição o Cristão deve assumir? Deve ele ser um liberal, um socialista e/ou um conservador?

Toda ideologia política, seja ela liberal, socialista, conservadora, nacionalista ou democrática, reflete uma cosmovisão, isto é, uma visão baseada num compromisso religioso em interação com a vida comum. Por ser religiosa, toda ideologia apresenta um “deus” (um “salvador”) capaz de solucionar os diversos problemas da vida (o mal). O “deus” pode ser o Deus Soberano ou o indivíduo, o Estado, a comunidade ou o próprio povo, enquanto o “mal” pode ser o pecado ou a ausência de liberdade, a propriedade privada, as mudanças, a influência externa ou o governo de um (uns) sobre a maioria. Na perspectiva bíblica, a fonte de todos os problemas vivenciais consiste no pecado – e a salvação vem exclusivamente de Cristo Jesus, nosso Redentor. Já para as atuais ideologias políticas, o universo é compreendido como um sistema fechado, sem referência a um Criador ou a um Redentor. Nesse sistema fechado, o mal e a salvação são encontrados em componentes da própria humanidade.

Os liberais, por exemplo, acreditam e defendem a autonomia humana e sua total liberdade para ser, trabalhar, produzir, consumir, distribuir, possuir e acumular propriedade. Da liberdade resulta a prosperidade. Por isso, a liberdade só deve ser restringida na hipótese de exploração e cerceamento da liberdade alheia. No caso, cabe ao Estado regular e garantir essa liberdade para que todos desfrutem de igual liberdade em todas as esferas da vida – pessoal, familiar, econômica, eclesiástica e política.

Por sua vez, os socialistas vêem na liberdade a fonte de todos os “males”, sobretudo, do mal da propriedade privada. A liberdade individual possibilita possuir e acumular propriedades de forma desigual, o que gera inevitavelmente disparidades sociais, econômicas e políticas. Sendo assim, uma sociedade totalmente igualitária (materialmente) só é alcançada pela regulação da liberdade e da propriedade pelo Estado e pela progressiva substituição da propriedade privada pela propriedade coletiva.

Tanto os liberais como os socialistas podem assumir uma posição conservadora ao defender as crenças originárias da ideologia e rejeitar propostas de reformulação de suas idéias ao longo do tempo. A ideologia conservadora apega-se às tradições, sejam elas quais forem, e propaga uma ordem moral perene. Os conservadores são localistas, não globalistas, são patriotas, não cosmopolitas, e valorizam o local, não o Estado Nacional. Eles rejeitam grandes mudanças e as vêem como fonte de mal na sociedade.

Tal como o conservadorismo, a ideologia nacionalista está assentada nas tradições particulares de uma comunidade específica de pessoas. Nessa perspectiva, a nação, seja ela qual for, constitui a fonte de bem-estar coletivo e deve ser preservada a todo custo por seus membros. Os nacionalistas rejeitam, portanto, a influência, a interferência e o domínio do estrangeiro, do outro, seja em termos culturais, religiosos, políticos e/ou econômicos.

Por fim, a democracia enquanto ideologia defende a supremacia e a infalibilidade da vontade da maioria, isto é, da voz do “povo”, que pode ou não ser a voz da nação. Por acreditar na soberania do povo, inclusive em relação às leis, a ideologia democrática rejeita o governo de outros que não o “povo” e, em nome desse “povo”, pode se tornar politicamente tirânica ou totalitária. Enquanto ideologia, a democracia vai além de uma forma de governo caracterizada pela liberdade política, pelo direito ao voto e o de ser votado e da escolha pelo princípio majoritário, como biblicamente orientado. A democracia enquanto ideologia passa a ser aplicada em todas as áreas da vida e se torna um estilo de vida, no qual a voz da maioria é sempre a salvação.

Nenhuma ideologia política corresponde plenamente à perspectiva bíblica de política. As ideologias foram formuladas com base em uma visão humanista que compreende os problemas da vida e propõe soluções para os mesmos a partir de aspectos da própria humanidade, que não o pecado e Jesus Cristo, respectivamente. Daí nenhuma ideologia ter conseguido até hoje gerar uma Nação plenamente justa e próspera. Enquanto cristãos, portanto, não devemos adotar uma ideologia específica; mas sim devemos defender a visão bíblica de política e de governo3, que está presente, em menor ou maior medida, nas diferentes ideologias.

Em consonância com a perspectiva bíblica, a ideologia liberal defende a autonomia regulada dos indivíduos nas diversas esferas vivenciais e atribui ao Estado o papel de assegurar a vida, a liberdade e a propriedade pessoais e de promover justiça na hipótese de cerceamento da liberdade individual. Por seu turno, o socialismo aponta para a importância do Estado na promoção de justiça material particularmente em relação aos pobres e desamparados por motivo de escravidão, exploração e/ou falta de acessos e oportunidades. Já o conservadorismo e o nacionalismo, em uma Nação com raízes Cristãs como o Brasil, contribuem pela defesa do modelo moral e social original, caracterizado por instituições tradicionais, como o casamento heterossexual e a família natural.

Notas:
1 Este é o décimo segundo artigo de uma série de reflexões cujo objetivo é preparar os Cristãos para escolher de forma consciente e acertada seus representantes políticos nos períodos eleitorais e atuar enquanto agentes de transformação do Brasil a partir de suas respectivas profissões.
2 Viviane Petinelli é pós-doutora em Ciência Política. É especialista em políticas públicas e participação social.
3 Para uma exposição detalhada sobre essa visão, leia o artigo anterior desta série, intitulado “O governo civil como promotor de prosperidade e justiça”.

Possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007) e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Harvard (2014). É pós-doutora em Ciência Política, especialista em Políticas Públicas e Participação Social.

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