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opinião

Quarentena horizontal ou vertical: qual a melhor solução contra o coronavírus?

Uma parcela da sociedade não está colocando essa discussão em pauta de forma leal.

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Mulher com máscara para se proteger do coronavírus. (Foto: engin akyurt / Unsplash)

A sociedade brasileira está entre dois caminhos contrapostos para enfrentar o Covid-19. Uns defendem o lockdown horizontal (ou supressão), a quarentena geral; outros, o lockdown vertical (ou contenção), no qual o país volta a funcionar e apenas quem está infectado ou é de grupo de risco é isolado.

Infelizmente uma parcela da sociedade não está colocando essa discussão em pauta de forma leal. O Direito ensina que precisamos ouvir sempre os dois lados, o que chamamos de contraditório, princípio que auxilia muito a busca pela verdade.

É preciso dizer que os dois caminhos têm vantagens, desvantagens e defensores respeitáveis e sérios. Não creio existir ninguém de má-fé, mas apenas visões diferentes. A decisão deve sair de uma análise serena e equilibrada.

Trabalho em movimentos sociais há mais de 20 anos e me preocupo com os pobres, assim como com os pequenos e médios empresários, grupo que responde por 80% de todos os empregos do país. A solução tem que proteger igualmente empregados e empregadores. Autônomos e hipossuficientes.

Analisei, li e pesquisei seguindo a estratégia que utilizei para ser aprovado nos concursos. A “prova” agora é saber a melhor resposta para a crise e, para isso, busquei o que dizem os especialistas. Após extensa pesquisa, pude observar que é evidente que os médicos são unânimes em dizer que a situação é de fato grave e que o ideal é atrasar a curva de infectados para diluir a demanda por serviços de saúde. Todos afirmam que a grande maioria da população será alcançada pelo vírus. A questão não é “se”, mas “quando”. Qualquer contenção apenas adiará o contágio social.

Solução médica x solução geral

Os médicos também falam, de forma unânime, que a melhor solução médica para o problema é a quarentena geral. Em seguida, há uma divisão: uma parte dos médicos reconhece que apesar de ser essa a melhor solução para o Covid-19, ela traz efeitos colaterais graves, os quais também impactarão a saúde da população.

Um dos médicos, respeitado internacionalmente, ao ser indagado sobre o problema da economia, respondeu que essa não era sua área e não tinha soluções para esta parte da questão. Aí está o problema: boa parte dos médicos dá a solução médica, não para a economia. Precisamos de uma solução completa.

Não é correto dizer que quem propõe o lockdown vertical/contenção está em posição anticientífica. Isso é falso. Existem vários cientistas e médicos respeitáveis defendendo tanto uma quanto outra solução.

Infelizmente, não tem havido muita lealdade na exposição das duas ideias. Países sérios como Holanda, Suécia, Japão e Singapura não seguiram o caminho do lockdown horizontal. Igualmente, essas decisões são dinâmicas e devem levar em conta uma série de fatores.

A OMS defende a supressão, a quarentena, mas, repito, esta é a solução médica. Em paralelo, não devemos ignorar as críticas à atuação e estrutura desse organismo, o qual, repita-se, não detém controle sobre a nossa soberania. Ele deve ser ouvido, mas as decisões políticas cabem aos eleitos, em especial Presidente e Governadores, levando-se em conta os arts 21 a 24 da Constituição Federal.

O ideal é que os chefes do Executivo consigam se alinhar. Anote-se que o Judiciário não pode formular políticas públicas e isso se reveste de maior importância em momentos de pandemia. É hora de autocontenção, pois não é razoável que dez mil operadores jurídicos queiram gerir a crise.

Vidas x economia ou vidas x vidas?

A decisão entre quarentena ou não é relevante. Os empresários têm liderado o contraponto, defendendo a economia. E aí entra outro risco: o emocionalismo daqueles que dizem que “vidas são mais importantes que a economia”, um discurso equivocado. A economia impacta vidas, empregos, sobrevivência e a existência de recursos para se alimentar e alimentos a disposição. A economia impacta a capacidade do governo de implementar as medidas contra a pandemia, tanto a produção de medicamentos e EPI quanto o socorro aos diversos grupos atingidos.

Este é o momento da colheita de algumas safras e tratores estão sem peças de reposição; as prateleiras dos supermercados estão ficando vazias, os caminhoneiros não conseguem se alimentar nas estradas e são barrados por policiais. Muitos estão com renda zero, autônomos e empresários. Cirurgias estão sendo desmarcadas. É preciso ter um mínimo de renda para ir ao supermercado, e é preciso que existam produtos nas prateleiras. Sem arrecadação de tributos não se pagam pensões, auxílios e os servidores públicos. Os efeitos funcionam como um dominó: o empresário e o autônomo não faturam, não conseguem pagar tributos, despesas e salários, e quem não recebe (governo e empregados) para de gastar, criando círculo vicioso. O dano é exponencial.

Então, analisando o quadro maior, podemos entender quem diz que o remédio pode matar mais do que a doença. Não se pode demonizar quem aponta os outros problemas. O caos social gera insegurança, desemprego, saques aos supermercados e uma série de problemas que se somarão ao Covid-19.

Entendo que todos, dos dois lados, estão de boa-fé e buscando a solução menos danosa. Infelizmente, qualquer que seja o caminho, teremos muitas mortes, falta de recursos e sofrimento. A questão é evitar um mal maior. Já tivemos relevante tempo de supressão, mas mantê-lo indefinidamente vai matar muito mais gente e causar muito mais danos.

O Dr. David Katz, da Universidade de Yale e especialista em saúde pública e medicina preventiva, defende a solução vertical (https://www.nytimes.com /2020/03/20/opinion/coronavirus-pandemic-social-distancing.html). O Dr. Steven Woolf, da Universidade da Virgínia, diz que a quarentena “pode ser necessária para conter a transmissão comunitária, mas pode prejudicar a saúde de outras formas, custando vidas”.

Em algum momento, teremos que fazer a migração

Logo, somados todos os saberes envolvidos, a solução menos danosa é, a partir de certo momento, o lockdown vertical. Precisamos de migração organizada da atual quarentena, redirecionar a produção industrial para a de insumos de saúde e que o Congresso tome as medidas para socorrer a todos. As autoridades precisam se entender e a população colaborar e atender as recomendações dadas.

A migração para o sistema vertical não significa vida normal, com reuniões, festas etc., mas algo a ser feito de forma paulatina e inteligente: algumas atividades podem voltar aos poucos, mas outras são urgentes, como a retomada da cadeia produtiva e logística, para não faltar comida nem medicamentos. Igualmente, redirecionar a capacidade produtiva para produzir respirares, EPI etc

Entre as duas soluções, nesse momento temos que pensar naquela que garante que haja comida na mesa e produtos nos supermercados, assim como arrecadação que mantenha o funcionamento do país, inclusive dos serviços públicos, ainda mais necessários em tempos de pandemia.

A verdade é que por mais que muitos queiram a quarentena, nem todos podem participar dela sob pena de faltar comida e haver mais caos. Em algum momento, é inevitável que se faça a migração. A questão é definir  exatamente quando.

Conclusão. Há uma live minha no YouTube ( “pandemia – William Douglas”) onde abordo a questão. Sobre a autocontenção judicial há dois artigos (“Juízes, Supermercados e Desilusões” – Parte 1 e Parte 2) e um ebook gratuito em coautoria com o Juiz de Direito Eduardo Perez Oliveira (Direito à Saúde X Pandemia), que podem ser localizados no Instagram @williamdouglas.

É preciso discutir a hora da migração e para isso precisamos que todos sigam a boa fé, sem colher o momento para virar a mesa da democracia, é preciso que se respeitem os eleitos (Presidente, Governadores e Prefeitos), que eles se entendam, que ajudemos os mais necessitados e que se respeite a Constituição.

As autoridades precisam, por mais que estejam bem intencionadas, respeitar as regras constitucionais. Os particulares precisam entender que está difícil para todo mundo e que é preciso haver bom senso: as leis civis e do consumidor não foram feitas para um problema do tamanho do atual. É hora de união, boa vontade e negociação. Não está fácil para ninguém. Acrescento:  igreja pode até não ter aglomeração, mas não pode ser fechada, isso viola a Constituição. Por fim, reafirmo a crença no poder de Deus e da oração:  também é hora de pedir os milagres que o Brasil e o mundo estão precisando.

Espero que os eleitos se reúnam e decidam data e forma de uma migração serena e bem executada. Espero que todos os brasileiros, juntos, superem esta crise. Vamos pensar no time, vamos jogar limpo, vamos respeitar a Constituição e a democracia, vamos fazer nosso melhor, vamos vencer.

Juiz Federal, Titular da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) com vários prêmios de produtividade. Professor Universitário. Mestre em Direito, pela Universidade Gama Filho – UGF. Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo – EPPG/UFRJ. Bacharel em Direito, pela Universidade Federal Fluminense – UFF. Autor best-seller no Brasil e nos Estados Unidos.

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