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opinião

O racionalismo humanista de alguns evangélicos

O resultado é um evangelho estranho, que, como digo, ama dividir, é piedosamente impiedoso, pacientemente implacável, técnico ao extremo, crítico de tudo exceto de si mesmo. Vil fulgor.

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“Enfim, precisamos nos despojar do racionalismo humanista atual, que descrê mais do que crê e vitupera, zomba e escarnece de quem crê, e pede, e clama a Deus para que uma efusão real do Espírito Santo”.

Um dos maiores contrassensos que pode existir é o de alguém se arvorar em relação aos assuntos do Evangelho com pretensões anti-evangélicas. Por mais absurda que tal ideia pareça, no papel, observamos com pesar sua absoluta normalidade na prática. E dentre todas as ações anti-evangélicas que estão presentes no meio evangélico, poucas superam a frieza do racionalismo humanista atual. É claro que problemas sempre houve e em todos os segmentos. Mas, quando a coisa se mostra não perceptível, mas extremamente atuante – que é quando chamamos de “insidioso” -, o problema torna-se infinitamente mais grave.

Com racionalismo humanista atual refiro-me ao enrijecimento teológico e filosófico na Igreja, como foi moldado pela Modernidade e que, de certa forma, foi um dos motivos da insatisfação de movimentos mais conservadores que, por sua vez, ocasionaram a explosão denominacional que veríamos no século XX.

O esvaziamento da sobrenaturalidade dos cultos nos âmbitos público e privado, em grande parte alimentado pelos efeitos da Crítica Bíblica surgida no século XVIII, culminou com a formação de uma geração de cristãos que se acostumaram ao nominalismo religioso, ou seja, a uma prática mecanizada, desprovida de vida. Isto se dá, concomitantemente aqui no Brasil, com o surgimento tardio do modernismo, principalmente nas instituições acadêmicas, universitárias, que têm praticamente seu início marcado para fins do século XIX e início do XX.

As chamadas “denominações históricas” mantém-se até a década de 1960, mais ou menos uniformes, quanto às práticas. Mas, nesta década, observa-se a criação de algumas das mais fervorosas e vibrantes denominações pentecostais, talvez embaladas pela vinda, ao Brasil, de outros movimentos pentecostais estadunidenses, em anos anteriores. O que se tem visto desde então, grosso modo, é uma polarização quanto às questões relativas à prática da fé e a ação do Espírito Santo. Talvez, o ápice destas questões tenha-se dado na década de 1980; mas, uma coisa é certa: as discussões têm voltado com força total; e muito por causa dos crescentes embates sobre questões teológicas que dividem o evangelicalismo. E mais divisões, então, se veem.

É exatamente neste momento que testemunhamos os problemas que se nos apresentam como contrassensos: ações anti-evangélicas num contexto de vivência no Evangelho. Digo isso porque para muitos, talvez, as querelas que existem em nosso meio se limitam a problemas pessoais e locais. Ledo engano! Mais e mais se vê, em todo o nosso território, um estado de crescente animosidade, com cisões espetaculares, posicionamentos circenses, livros de movimentos lançando farpas indiretas a outros, enfim, um certo “caos organizado”, pois as questões são praticamente todas travestidas de um discurso contrassensual que pede harmonia, unidade, piedade. Poucas coisas são mais anti-evangélicas do que isso.

A falsa piedade padroniza-se, hoje, como um comportamento onipresente. Acostumamo-nos a ela. Há um tempo, escrevi para o Gospel Prime um artigo em que descrevi alguns de seus aspectos (http://opiniao.gospelprime.com.br/caracteristicas-da-falsa-piedade/). E, sinceramente, esta marca parece ter se instaurado com mais força do que nunca no chamado “meio acadêmico”, no seio evangelical.

Há, a meu ver, uma tentativa dos evangélicos mais cultos em querer parecer aos demais segmentos como “intelectuais”, gente que supostamente sabe do que está falando. Isto beira a sandice em algumas publicações que vemos, nas quais se observa claramente uma espécie de “culto” à personalidades, sejam vivas ou mortas. Curiosamente, é o mesmo modus operandi do segmento que está no outro lado do espectro evangelical, o chamado movimento neopentecostal, tradicionalmente tido por mais inculto.

O que chama à atenção, contudo, no meio que se esforça por parecer culto, informado, apologético, é a tentativa desvelada de entronizar um ou outro método interpretativo, e, por isto, seus proponentes protagonizarem algumas das cenas mais ridiculamente insidiosas em nosso meio: como “apóstolos da unidade e da verdade bíblica”, promovem a rebeldia, a desagregação, a imposição de seu ponto de vista como único, o aliciamento de mentes incautas e, ainda embalados no discurso do “cristão piedoso”, a discórdia entre os que concordam e discordam de seus pressupostos. O resultado é um evangelho estranho, que, como digo, ama dividir, é piedosamente impiedoso, pacientemente implacável, técnico ao extremo, crítico de tudo exceto de si mesmo. Vil fulgor.

Olho com pesar para onde estamos caminhando, pois outro grande mal que nos assola é a falta completa de discernimento. Como bons brasileiros, os evangélicos brasileiros têm uma dificuldade enorme de discernir as coisas. Precisamos acordar, como segmento, e atentarmos para a enorme responsabilidade de fazermos diferença genuína nesta geração, o que não conseguiremos se continuarmos caminhando para onde e como estamos indo. Mais do que mera informação técnica sobre assuntos relacionados à Bíblia, carecemos como nunca de um espírito verdadeiramente unido. Uma piedade verdadeiramente dedicada. Enfim, precisamos nos despojar do racionalismo humanista atual, que descrê mais do que crê e vitupera, zomba e escarnece de quem crê, e pede, e clama a Deus para que uma efusão real do Espírito Santo mova a cristandade de nosso país e nos faça cumprir a missão para a qual fomos todos chamados.

Vil Fulgor

A pérfida lida eclesiológica
De decanos, novos escolásticos
Tem crescido, arvorado-se 
À competição vil, patológica.

Oculta a olhos vistos, imponente forma, 
Separa a Seara dos que antes eram 
Os que deveriam estar lá, lembrando:
Evangelho, resgatado na Reforma.

Mas a muralha movente separa mais que forma
E agride: piedade fingida, que muitos assassina
Empobrece, entristece, deforma.

Vil fulgor que quando se quer, se vê,
E queima, mas não arde; arrasa, demole,
Fazendo o contrário ao que o Amor ensina.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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