estudos bíblicos

O que a Bíblia diz sobre o aborto?

Conceitos bíblicos e as implicações éticas do aborto

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Mulher grávida e esposo seguram ultrassom do bebê (Kelly Sikkema / Unsplash)

Aborto? Por que falar desta questão na igreja? O Dr. William Lane Craig responde: “O sangue de milhões de crianças inocentes clama a Deus, e os cristãos, de todos os povos, não podem se atrever a tapar os ouvidos, tornando-se insensíveis em relação ao clamor deles” [1].

Embora seja verdade que a iniquidade irá se multiplicar no mundo e o amor de muitos esfriará (Mt 24.12), não podemos ter um olhar contemplativo e indiferente em relação à crescente iniquidade e ao arrefecimento do amor, especialmente quando milhões de vidas inocentes são descartadas anualmente em todo mundo. Vidas de nossas crianças!

A Bíblia ordena: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados” (Pv 31.8).

As crianças que são abortadas todos os anos, e aquelas que estão no “corredor da morte” em clínicas abortistas mundo afora, não podem se defender; elas precisam da nossa voz.

Aborto: conceito geral e bíblico

O que é

O comentarista da Lição, Dr. Douglas Baptista, apresenta um breve e suficiente conceito geral de aborto: “o aborto é a interrupção do nascimento por meio da morte do embrião ou feto” [2].

Contudo, apropriadamente, o pastor Claudionor de Andrade ressalta que “faz-se necessário diferençar [em termos práticos e morais] o aborto espontâneo do provocado” [p. 53]. Eis a diferença, nas palavras deste teólogo pentecostal:

– Aborto espontâneo: ocorre sem qualquer intervenção externa, sendo ocasionado por diversos fatores, entre os quais a baixa vitalidade do espermatozoide (causa paterna) afecções na placenta (causa maternal) e a morte do feto por infecções sanguíneas (causa fetal).

– Aborto provocado: nessa categoria, acham-se o chamado aborto terapêutico e o criminoso. O primeiro é recomendado pelos médicos quando a mãe corre risco de vida, e o segundo dá-se quando se interrompe a gravidez por motivos egoístas e fúteis. Nosso foco de estudo hoje é no aborto provocado, o qual consideramos imoral e pecaminoso, mas com uma ressalva que faremos no último tópico de nosso estudo.

Estatísticas sobre aborto

As estatísticas sobre aborto no Brasil, e receio que no mundo inteiro, são controversas e certamente impossíveis de precisar, até mesmo pelo fato de que nem toda mulher que aborta o faz pelas vias legais ou mediante acompanhamento médico. Há quem especule que o número de abortos praticado no Brasil varie entre um milhão a um milhão e meio por ano. Geralmente esses números mais elevados são apresentados pelos defensores da descriminalização do aborto (Pró-escolha). Os que são contrários ao aborto e favoráveis à proteção da criança desde a concepção (Pró-vida), geralmente apresentam números bem mais modestos que andam ali pela média dos cem mil abortos anuais. Seja como for, é um número altíssimo de inocentes tendo seu direito de viver negado por suas próprias mães!

Em estatísticas globais, segundo o médico Raul Marinho Jr. [4], uma estimativa recente da Population Crisis Committee aponta que cerca de 40 milhões de abortos induzidos são praticados anualmente no mundo, isto é, uma em cada quatro gravidezes. Entretanto, precisamos ser “prudentes como as serpentes” (Mt 10.16) ao lidar com estes números, especialmente em vista do possível exagero, que interessa em muito às entidades interessadas na legalização do aborto. Explico.

Segundo reportagem veiculada no portal Gazeta do Povo [5], a professora do Instituto de Ciências Biológicas da UnB (Universidade de Brasília) e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, acredita que a divulgação de dados inverídicos é “uma estratégia que vem sendo utilizada em vários países para pressionar os governos para a legalização do aborto” e cita como referência os dados do Uruguai. “Antes da legalização estimava-se que eram feitos 33 mil abortos naquele país. Depois da mudança da lei foram [registrados] cerca de 4 mil procedimentos, que estão aumentando a cada ano. Isso não quer dizer número de abortos caiu após a legalização, mas mostra que de fato havia um número inflado, exagerado”, concluiu Garcia.

O portal Estudos Nacionais [6], que é um projeto independente de pesquisa e estudo no âmbito da Geopolítica, Comunicação Social e opinião pública, também destaca que “comumente jornais e sites de notícias publicam matérias que falam sobre dezenas ou centenas de milhares de óbitos maternos devido aos abortos clandestinos no Brasil. A ONU, organismo interessado na legalização do aborto em todo o mundo com foco no controle populacional, também busca trabalhar com números especulativos exorbitantes visando alarmar a população para um suposto problema de saúde pública e com isso ‘legitimar’ o discurso pró-legalização do aborto”.

O embrião e o feto são um ser humano

O ser humano tem valor moral intrínseco

O Dr. William Craig [7] com propriedade ressalta que toda a discussão sobre o tema aborto, resume-se em como respondemos a estas duas grandes questões filosóficas:

  1. Os seres humanos possuem valor moral intrínseco?
  2. O feto [ou o embrião] em desenvolvimento é um ser humano?

Sim, cremos que seres humanos possuem valor moral intrínseco! Aliás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos já declara desde seu Preâmbulo que há “dignidade inerente a todos os membros da família humana”, e em seu Artigo 3° diz que “Todo indivíduo tem direito à vida…”.

A constituição brasileira protege a vida humana sem distinções, reconhecendo a inviolabilidade do direito à vida. O Artigo 5° da Constituição Federal sintetiza bem:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.

Crianças, mesmo embriões ou fetos, são seres humanos

O Artigo 2° do Código Civil Brasileiro é claro sobre a partir de quando se deve garantir a proteção de nossas crianças:

“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Poderiam os cristãos ter menor apreço pela vida de um embrião do que o Código Civil? Nós cristãos, ao menos os ortodoxos, possuímos um elevado conceito de vida e humanidade, de modo que cremos piamente na existência de vida a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, e que a partir daí, como prevê o próprio Código Civil Brasileiro, deve-se dar todas as garantias de proteção e direito à vida deste novo ser humano gerado.

Desde a concepção, o embrião ali formado já é um ser humano, não importando se tem 3 dias, 3 semanas ou 3 meses de formação; e como ser humano, é uma vida, é uma pessoa, deve gozar de amor maternal e de proteção legal para seu pleno desenvolvimento intrauterino. Creio ser do Dr. Craig [8] a mais bela declaração sobre o começo de uma nova vida:

“todos os traços do indivíduo, tais como estrutura corporal, olhos e cor do cabelo, características faciais, e assim por diante, são determinadas no momento da concepção e apenas aguardam para serem reveladas. Desde o momento da concepção, temos um ser humano geneticamente completo e singular. Na verdade, você começou a existir no momento de sua concepção”.

Hank Hanegraaff concorda: “o zigoto é um ser humano vivo como demonstrado por seu código genético distinto; e que a condição de ser humano não depende de tamanho, posição ou nível de dependência” [9]. Hanegraaff considera o aborto “a morte dolorosa de um ser humano inocente” [10].

O portal Estudos Nacionais [11] traz um questionamento bem pertinente, e para o qual os defensores do aborto devem-nos uma resposta: “Se a união de um óvulo e o espermatozoide humano não resulta em um ser humano, no que resulta? Diversas organizações lutam pela preservação dos ovos de tartaruga, alegando punição para quem destruí-los uma vez que a vida das tartarugas merece ser preservada. Pergunto: se os ovos das tartarugas devem ser preservados por serem considerados vidas de tartarugas, por que o feto não seria uma vida humana?”. Vejam a que nível de degradação moral e desprezo pela vida humana chegamos: protegemos as tartarugas, mas matamos as crianças! Deus não cobrará essa conta?

O que a Bíblia diz

A Bíblia não é um livro de Genética ou Filosofia e, portanto, não pretende fazer descrições detalhadas ou defesas técnico-científicas das questões morais de nosso tempo. Todavia, mais que um livro científico ou de filosofia, a Bíblia é a Palavra de Deus, e cuja autoridade naquilo em que afirma é superior às afirmações dos doutores formados em Harvard ou na USP! Ela nos faz mais sábios que os sábios deste mundo (Sl 119.98,99).

Há afirmações bíblicas mais que suficientes para se estabelecer um estudo antropológico adequado, especialmente no que concerne ao valor da vida humana e quando esta passa a existir de fato.

A Lei de Moisés, por exemplo, estabelecia que se um homem ferisse uma mulher grávida e ela desse “à luz prematuramente, não havendo, porém, nenhum dano sério [à criança ou à mulher]”, o ofensor deveria pagar uma multa, conforme exigências do marido da grávida. Se, todavia, houvesse dano grave, a Lei determinava que a punição seria “vida por vida” (Ex 21.22,23, versão NVI). Ou seja, se a criança abortada morresse, o homem que feriu a grávida deveria também ser morto! “Vida por vida” – fica claro que o feto é tão vida quanto o homem adulto.

Encontramos em Rebeca (Gn 25.22,23), Jeremias (Jr 1.5), Paulo (Gl 1.15) e Isabel, mãe de João Batista (Lc 1.41-44), alguns dos claros exemplos bíblicos de que já no ventre materno que concebeu há vida, há ser humano, há um plano de Deus. Não há ali “um ser humano em potencial”, mas há de fato e verdade um ser humano, ainda que em desenvolvimento (como o adolescente ou jovem também está em desenvolvimento). Creio que procedem de Davi as mais contundentes declarações sobre a vida intrauterina. Vejamos as principais:

Salmos 22.10: “Desde que nasci fui entregue a ti; desde o ventre materno és o meu Deus”. Perceba que ele fala do nascimento, mas depois retrocede no tempo e diz que “desde o ventre materno” Yavé é o seu Deus. A mãe de Davi o consagrara ao Senhor quando ele ainda estava em formação no útero. Que belo exemplo para as mamães grávidas!

Salmos 139.13,16: “Pois possuíste os meus rins; cobriste-me no ventre de minha mãe. (…) Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todas estas coisas foram escritas; as quais em continuação foram formadas, quando nem ainda uma delas havia”. Não só Deus é apontado como o criador da vida intrauterina, como também é dito que para o “corpo ainda informe” (o embrião ainda sem forma definida) já havia um plano divino! Sim, Deus tinha um maravilhoso plano para o pequeno Davizinho em formação. Sim, para cada criança no ventre de suas mamães Deus tem um plano, e com certeza não é o de jogá-las aos milhares nas latas de lixo como um pedaço de carne desprezível!

Salmos 51.5: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. Este verso traz uma carga teológica fortíssima, e que coloca um ponto final na discussão sobre quando começa a vida. Davi diz que desde a concepção no ventre de sua mãe ele traz a natureza pecaminosa, que todos herdamos de Adão (Rm 5.18,19). Vale lembrar que esse Salmo não é sobre a mãe de Davi, mas é um Salmo de confissão de pecados do próprio Davi. Portanto, não é do pecado de sua mãe, quando lhe concebeu, mas de seu próprio pecado trazido já na concepção, que ele está a falar.

Em Hamartiologia (Doutrina do pecado), chamamos isso de “Pecado original”, conforme as grandes contribuições do famoso teólogo católico Agostinho de Hipona (século IV e V). É a natureza pecaminosa, a semente do mal que nos inclina desde o ventre materno para o pecado, de tal modo que absolutamente ninguém está isento desta deformidade espiritual!

Legalmente e moralmente este novo e pequenino ser é inocente, visto que nenhum mal fez e nenhum bem deixou de fazer de deliberada vontade; mas espiritualmente, até mesmo o embrião já está maculado pelo pecado do homem Adão, trazendo incapacidade natural para de si mesmo, à parte da graça divina, fazer o que é bom diante de Deus. E se é verdade que desde a concepção já trazemos a “chaga de Adão”, então, desde a concepção também já somos alvos de todo plano de salvação que Jesus Cristo veio executar (Lc 19.10; Mt 19.14). Desde a concepção já somos vistos por Deus como um ser humano, uma pessoa, um “filho de Adão” – como diria o leão Aslam, de As Crônicas de Nárnia, do famoso escritor britânico C.S. Lewis. Como o salmista anônimo, nós dependemos de Deus deste o ventre materno (Sl 71.6).

Tipos de aborto e suas implicações éticas

A legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez, ou seja, o aborto provocado, em três casos específicos: aborto em caso de estupro, aborto terapêutico (quando há risco de vida pra mãe) e, mais recentemente foi também descriminalizado, o aborto de anencéfalo. Gostaria de demorar-me um pouco nestes dois últimos casos de aborto, mas não me privarei de dar uma palavra ao final sobre o aborto em caso de violência sexual. Em todo caso, precisamos descalçar nossos pés agora, e tratar essas questões com toda reverência e prudência possível!

Aborto terapêutico

Neste ponto, o comentarista da Lição, o Dr. Douglas Baptista, parece demonstrar-se irredutível quanto à imoralidade e pecaminosidade do aborto mesmo no caso em que a constatação clínica é de que há latente risco de vida para a mãe. O autor faz uma pergunta retórica no próprio corpo da Lição: “Podemos decidir quem deve viver ou morrer?”. Entretanto, neste específico prefiro acompanhar outros mestres cristãos de opinião igualmente válida, mas, a meu juízo, melhor ponderada. Cito-os abaixo, pois creio que nos casos em que o parecer de uma junta médica for de que é impossível salvar as duas vidas (da mãe e do bebê) dado grave e irrecuperável quadro clínico, estaríamos aí diante de uma situação lamentável de ter que escolher a quem salvar, e não quem morrer. E sim, estou convicto de que o que não temos é o direito de deixar mãe e filho largados à sorte para ver quem vive ou morre, ou se ambos morrem.

O pastor também assembleiano Claudionor de Andrade parece-me mais equilibrado nesta questão ao reconhecer: “há casos extremos em que o médico tem de optar entre a vida da mãe e a da criança. Nesse caso, deve-se ouvir a opinião de dois ou mais profissionais, e que estes sejam notórios por seu respeito à vida humana. Deve a gestante, pois, ser acompanhada por médicos tementes a Deus, pois estes levarão em conta seu compromisso com as reivindicações divinas” [12].

O teólogo Alan Pallister com maior clareza afirma que “o caso do aborto terapêutico, é óbvio que se trata de uma situação em que não deve haver penalização, já que envolve uma opção, muitas vezes angustiante, entre a tentativa de salvar a vida de uma pessoa (a mãe) e o risco de sacrificar a vida da mãe e do filho”. Todavia, o imediato acréscimo pastoral feito por Pallister é extremamente pertinente e necessário a este ponto. Ele ressalva que “uma mãe cristã, confiante no Senhor e em sua obra miraculosa, pode se recusar a abortar, mesmo quando o médico aconselha o aborto terapêutico (por exemplo, em um caso de cancro no útero). Já ouvimos situações desse tipo em que Deus interveio, salvando a vida da mãe e do filho” , conclui Pallister. [13]

Aliás, diga-se de passagem, nós também já ouvimos falar de casos, envolvendo pessoas renomadas, em que o aborto terapêutico foi sugerido, mas não aceito pela mulher grávida que preferiu confiar na intervenção divina para salvar mãe e filho. O já falecido ator e comediante mexicano Roberto Bolaños, mais conhecido no Brasil por “Chaves”, não teria nascido para nos fazer sorrir se a sua mãe tivesse abortado como os médicos lhe sugeriram [14]. Se a mãe do pregador presbiteriano Hernandes Dias Lopes o tivesse abortado, conforme sugestão de um médico após acidente sofrido por ela, não conheceríamos este fervoroso pregador brasileiro, nem nos edificaríamos com as suas dezenas de obras escritas! [15]

Poderíamos citar muitos exemplos aqui que vão desde jogadores de futebol a cientistas, de artistas à pastores! Como comunidade de fé, podemos e devemos ao mesmo tempo orar por estas mamães que estão em risco e por seus filhinhos, crendo que Deus pode reverter a morte em vida e de uma tragédia iminente trazer o gozo e a saúde para ambos, mãe e filho! Deus cria carne onde não tem carne, e osso onde não tem osso! Entretanto, mesmo em face desses belíssimos e inspiradores testemunhos de fé e milagre, não podemos julgar como incrédulas, imorais ou pecadoras as mães que diante de grave risco de vida, decidem juntamente com os familiares e sob a orientação de uma equipe médica séria e qualificada, interromper a gestação.

Aborto de anencéfalo

Anencefalia é uma malformação fetal, onde o bebê não possui cérebro, calota craniana, cerebelo e meninges, que são estruturas muito importantes do sistema nervoso central, que pode levar à morte do bebê logo após o seu nascimento e em alguns raros casos, após algumas horas ou meses de vida.

Este é o caso mais recente de aborto autorizado no país, desde que o Supremo Tribunal Federal votou e aprovou em 11-12 de abril de 2012 a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF-54), projeto que legalizou o aborto para fetos anencéfalos. Segundo o presidente da suprema corte naquela ocasião, o ministro Cézar Peluso, aquele fora o mais importante julgamento do STF até então. Embora tendo votado contra (acompanhando o voto do ministro Ricardo Lewandowski), o presidente do STF teve seu voto vencido por ampla maioria: foram 8 votos a favor da ADPF-54 e apenas 2 votos contra.

Todavia, o voto do ministro Peluso, bem substanciado cientifica, filosofica e juridicamente, merece de todos atenção, e eu recomendo a todos os pesquisadores desde assunto assisti-lo ou lê-lo na íntegra, já que está disponibilizado tanto em vídeo (Youtube) [16], quanto em arquivo de texto [17]. Dentre muitas coisas de sua larga sustentação escrita e oral, destaco essas duas falas: “Nesta postura dogmática ao feto, reduzi-lo no fim das contas à condição de lixo, uma coisa imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo à menor consideração ética e jurídica”, e “A própria ideia de morte encefálica pressupõe a existência de vida, não é possível pensar a existência de morte se não estivesse vivo”.

Nesta questão da anencefalia, Claudionor de Andrade faz uma afirmação que muitos poderão achar polêmica: “Mesmo sem cérebro, o embrião é um ser. Ele é o que é” [18]. De fato, se defendemos a vida desde a concepção quando nem caixa craniana nem o cérebro estão formados, como poderíamos admitir que o bebê bem mais desenvolvido fisicamente e, no entanto, com grave dano cerebral ou até mesmo falta de importante órgão, deixaria de ser uma vida, um ser humano? Ele era um ser humano apenas até detectarmos sua anencefalia e logo deixou de ser?

Aliás, como repetidas vezes disse o ministro Cézar Peluso em seu voto contra a descriminalização do aborto em casos de anencefalia no STF, é controverso senão impossível de se ter certeza do diagnóstico de anencefalia por meio de uma imagem imprecisa de ultrassonografia! Portanto, quantas crianças mandaríamos para a lata do lixo devido diagnósticos imprecisos e equivocados? Este é um típico caso de algo que é legal, mas é imoral e pecaminoso! É lícito, mas não convém (1Co 10.23). Mães e médicos cristãos deveriam fazer oposição a esta prática!

No mais, talvez seja um argumento de peso menor, mais creio que também válido: a antropologia cristã ortodoxa considera que o homem é tricotômico, constituído não apenas de corpo (matéria), mas também de entidades imateriais: alma e espírito. O apóstolo Paulo mesmo fala de uma edificação que se dá no âmbito do espírito, fora da dimensão intelectual, quando alguém fala em línguas que não entende (1Co 14.2,4). Este é um caso não incomum, especialmente no âmbito carismático/pentecostal, em que muitos crentes são edificados espiritualmente, a despeito da improdutividade da mente (v. 14). Apenas cito para mostrar que o ser humano não se resume à massa encefálica, nem mesmo à produção racional ou intelectual – embora seja a vontade de Deus que usemos todas as faculdades de que Ele nos dotou (v. 15).

É preciso cuidar das mães e dos filhos

Já caminhando para o final deste longo estudo, julgo que é pertinente enfatizarmos a importância do trato humanizado não só às crianças em formação no útero, a quem se pretende proteger da interrupção arbitrária da vida, mas também às próprias mulheres que necessitam de muito mais que saber o certo e o errado sobre esta questão, para terem direito à uma gestação saudável, ao acompanhamento psicológico e médico do pré-natal, ao cuidado constante da família, à assistência do Estado e todas as garantias legais de uma gravidez digna.

Embora contundentemente afirme que “a filosofia que vê o feto como sem significado moral ou religioso é subcristã e está em violação e conflita com o Evangelho”, o Dr. Raul Marinho adverte que se não estivermos fortemente comprometidos “na certeza de que as necessidades nutricionais, educativas e domésticas das crianças indesejadas sejam preenchidas” e se não prepararmos as famílias e a sociedade “para assumir os importantes cuidados dessas crianças, adaptando-as depois de nascidas do mesmo modo que nos comprometemos com sua vida fetal”, então “talvez a nossa posição ao aborto nos soa vazia e hipócrita” [19]. Que atenção estamos devotando às grávidas de nosso país? Algumas lições práticas:

Aproveitemos esta aula dominical para exortar pais e mães, avôs e avós, para que tratem com amor e atenção às parentes gestantes, dando a elas todo apoio e dignidade que merecem! A Bíblia ordena que as mulheres mais experientes “ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos, a amarem seus filhos” (Tt 2.3,4). Preste atenção: …a amarem seus filhos!

As mulheres solteiras devem aprender que sexo seguro não é aquele feito com preservativo ou métodos contraceptivos, que poderão falhar e resultar em gravidez indesejada. Sexo seguro é aquele feito com amor entre marido e mulher legitimamente casados, no ambiente de seu lar, sob a benção de Deus!

Aos jovens casais precisamos exortar que planejar filhos para o momento certo é uma coisa (e boa!), mas outra coisa (e má!) é negar-se a ter filhos sob a falsa alegação de que eles deformam o corpo da mulher ou expulsam a paz da casa ou não deixam mais ninguém dormir. Isso não passa de puro preconceito e egoísmo! “Filhos são herança do Senhor” (Sl 127.3). Os dois principais propósitos do sexo no casamento são: a satisfação mútua dos cônjuges e a procriação. Não podemos em nome da conveniência e do individualismo distorcer esses dois propósitos da relação marital. Filhos amados e educados nos caminhos do Senhor são uma benção para seus pais!

Às mulheres grávidas vítimas de violência sexual, devemos nos solidarizar com elas, jamais atribuindo-lhes a culpa do abuso e da gravidez, antes, reunindo toda família em volta delas e ofertando-lhes redobrado amor e “entranháveis afetos e compaixão” (Fp 2.1). Jamais aconselhar ao aborto (não matarás!Ex 20.13), antes prover meios financeiros e acompanhamento psicológico, médico e pastoral (sobretudo, acobertando-as com orações incessantes – cristãos tem essa ferramenta poderosa a mais, em relação aos descrentes) para que a gravidez não seja interrompida e o filho seja acolhido em amor. Como diz o pastor Claudionor de Andrade, “Violência não se cura com violência”.

A mulher violentada que abortar, sem o apoio da família e da igreja poderá sofrer torturas psicológicas muito maiores posteriormente (podendo até desembocar num suicídio!), do que se não tivesse abortado e tivesse recebido todo carinho e provisão da família, do Estado e da igreja. E ainda que a família e o Estado falhem na assistência à mulher vítima do abuso, a igreja não pode falhar! Nossa justiça deve exceder a dos descrentes – assim ordena o Senhor (Mt 5.20).

Creio que no caso de abuso sexual, Deus é sábio e infinitamente poderoso para reverter a tragédia em glória! Na pior das hipóteses, caso a mãe não consiga amar o filho a quem gerou em seu ventre e a quem deu à luz, que a família abrace esta criança, devotando-lhe os cuidados necessários, ou coloque a criança para adoção – uma situação realmente lamentável, mas uma saída lícita e moral, se comparada a punição da morte precoce infligida ao bebê por meio do aborto provocado.

REFERÊNCIAS
[1] William L. Craig. Apologética para questões difíceis da vida, Vida Nova, p. 138
[2] Douglas Baptista. Valores cristãos: enfrentando as questões morais do nosso tempo, CPAD, p. 40
[3] Claudionor de Andrade. As novas fronteiras da Ética Cristã, CPAD, p. 53
[4] Raul Marinho Jr. Em busca de uma Bioética global: princípios para uma moral mundial e universal e uma Medicina mais humana, Hagnus, p. 194
[5] Gazeta do Povo. Informação disponível aqui: http://www.gazetadopovo.com.br/ideias/quais-sao-os-verdadeiros-numeros-sobre-aborto-no-brasil-ez2wi4lignffwy4hha6nff51j. Acessado em 18 de abril de 2018.
[6] Estudos Nacionais. Informação disponível aqui: http://estudosnacionais.com/falacia-dos-numeros/. Acessado em 18 de abril de 2018.
[7] William L. Craig. Op. cit, p. 124
[8] William L. Craig. Op. cit, p. 126
[9] Hank Hanegraaff. O livro das respostas bíblicas, CPAD, p. 430
[10] Hank Hanegraaff. Op. cit., p. 107
[11] Estudos Nacionais. Informação disponível aqui: http://estudosnacionais.com/refutacoes-sobre-aborto/. Acessado em 18/04/2018.
[12] Claudionor de Andrade. Op. cit., p. 77
[13] Alan Pallister. Ética Cristã hoje, Shedd Publicações, p. 153
[14] Sobre o aborto sugerido à mãe de Roberto Bolaños, o Chaves, veja este vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=kDYOI88N7JU
[15] Sobre o aborto sugerido à mãe de Hernandes Dias Lopes, pastor presbiterianos, veja este vídeo no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=fvO0UUyxOUU
[16] Voto do ministro Cézar Peluso, contrário ao aborto de anencéfalos, disponível em vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=n2rhSMe0cwc
[17] Voto do ministro em texto disponível aqui: http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/1774_ADPF54-VotoMinCezarPeluso.pdf
[18] Claudionor de Andrade. Op. cit., p. 69
[19] Raul Marinho Jr. Op. cit., p. 195
[20] William L. Craig. Op. cit, p. 139

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