estudos bíblicos

O nascimento de um líder profético em Israel

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 2 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

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Profeta Samuel. (Foto: Reprodução)

A Lição de hoje focará sobre o contexto do nascimento de Samuel, o promissor líder de Israel, que desenvolveu três importantes ofícios: juiz, sacerdote e profeta.

Não abordaremos ainda questões relacionadas ao exercício destes ofícios, o que será matéria das próximas Lições.

Hoje, analisaremos especialmente o capítulo 1 do primeiro livro de Samuel para ver como se deu o milagre da vida deste importante personagem bíblico.

Há lições práticas riquíssimas para nós hoje, portanto, leia atentamente este estudo.

I. O ambiente familiar de Samuel

1. Onde Samuel nasceu?

Quanto à região, nos informa a Bíblia que a família de Samuel era da região de “Ramataim-Zofim, da região montanhosa de Efraim” (1Sm 1.1). Efraim era a segunda maior tribo de Israel (a primeira era Judá), e Ramataim-Zofim é a mesma região que será costumeiramente chamada de Ramá (que ficava a uns oito quilômetros ao norte de Jerusalém), uma forma mais abreviada do mesmo nome. Essa forma de se referir abreviadamente à nomes de cidades não nos é estranha, pois também costumamos dizer apenas “Rio” quando queremos nos referir à “cidade maravilhosa” do Rio de Janeiro.

Pode parecer estranho ao leitor menos treinado que Samuel fosse levita e ao mesmo tempo o clã ao qual seu pai Elcana pertencesse fosse o clã dos zufitas, descendentes de “Zufe, efraimita”. Isso, aliás, já foi mal interpretado e alguns expoentes chegaram a negar que Samuel fosse levita. Mas isso é um simples erro de análise contextual.

Está claro que Elcana, e naturalmente seu filho Samuel, era levita, conforme se pode ver em 1 Crônicas 6.33-38. Logo, o sacerdócio de Samuel era legítimo! Sabemos que os levitas não receberam uma tribo como possessão nas terras de Canaã, antes se espalharam entre as demais tribos de Israel para servi-las onde estivessem. Assim, é fácil entender porque Elcana e sua família moravam na tribo de Efraim e, naturalmente, serem chamado de efraimitas – uma forma de identificar sua naturalidade e não sua linhagem tribal. É como um judeu fugitivo do Holocausto que veio abrigar-se no estado da Paraíba, e aqui constituiu família. Seus filhos que aqui nascerem serão chamados de paraibanos para identifica-los com a região onde moram ou onde nasceram, mas serão chamados judeus, para identificar sua etnia.

2. A bigamia presente

Quanto ao pai de Samuel, ele era bígamo (palavra de origem grega: bi – dois; gamia – casamento). Elcana tinha duas esposas: Ana, estéril, e Penina, fértil. A bigamia, e muito menos a poligamia (três ou mais cônjuges), ainda que praticada comumente entre os orientais nos tempos do Velho Testamento, nunca fora o plano original de Deus para o casamento. Desde o Éden estava claro o padrão divino da monogamia, isto é, um homem e uma mulher (Gn 2.22-24). No Novo Testamento, Jesus reafirma este padrão: “serão dois numa só carne” (Mt 19.5). Este é o padrão para a Igreja: homem, “marido de uma só mulher” (1Tm 3.2); mulher, “esposa de um só marido” (1Tm 5.9).

Como se pode ver nas páginas dos livros históricos do Antigo Testamento, todos os bígamos e polígamos (geralmente homens bem abastados financeiramente) tiveram grandes aflições emocionais, conjugais e familiares consequentes de seus muitos casamentos. Foi assim com Abraão, Jacó, Davi e Salomão, cujas muitas mulheres lhe perverteram o coração. Elcana também amargou o comportamento rixoso de Penina, que gerava filhos, e a tristeza contínua de Ana, que era agredida psicologicamente todos os dias devido sua esterilidade. O texto bíblico afirma que Penina provocava Ana “excessivamente para a irritar, porquanto o SENHOR lhe havia cerrado a madre” (1Sm 1.6, ARA). Elcana vivia sob um lar dividido entre os risos debochados de Penina e as lágrimas de aflição de Ana. Era o custo emocional de sua bigamia!

3. Uma família piedosa

A despeito da constante tensão dentro do casamento de Elcana, ele parece ter se esforçado para exercer liderança espiritual sobre sua casa. O texto bíblico nos diz: “Este homem subia da sua cidade de ano em ano a adorar e a sacrificar ao SENHOR dos Exércitos, em Siló (…) No dia que Elcana oferecia o seu sacrifício, dava ele porções deste a Penina, sua mulher, e a todos os seus filhos e filhas. A Ana, porém, dava porção dupla, porque ele a amava…” (1Sm 1.3-5).

Por estas palavras podemos concluir que Elcana era um homem devoto à Deus, cumpridor das leis judaicas. Era um levita temente a Deus, marido atencioso e pai responsável, visto que conduzia seus filhos ao culto, mesmo que este culto fosse liderado pelos rebeldes filhos de Eli, Hofni e Finéias (v. 3; conf. cap. 2). Aliás, aqui jaz uma grande lição prática: não podemos nos desigrejar, isto é, abandonar a comunhão com a igreja local e deixar de frequentar os cultos ao Senhor só por causa de uma ou outra liderança desajustada. Nosso compromisso acima de tudo é com Deus, e no culto congregacional nós oramos, louvamos, exercemos os dons espirituais e desfrutamos da presença do Senhor; quanto aos erros dos outros, os outros responderão diante do dono da Igreja, a saber, Jesus!

Ainda ressalto: não creio que o adjetivo “piedosa” possa se aplicar também com justiça à Penina, já que nem mesmo a caminho do culto ela deixava Ana em paz, pois “todas as vezes que Ana subia à Casa do SENHOR a outra a irritava” (v. 7). Parece que Penina era um tipo da crente formalista, em quem não havia devoção sincera, mas apenas cumprimento de rituais em companhia do marido e dos filhos; Penina não parecia ser a mulher sábia que edifica sua casa, mas a tola que buscava destruí-la com as próprias mãos (Pv 14.1). Como Penina, há muitas e muitos por aí dentro das igrejas, oferecendo seus “sacrifícios” de aparência, mas com o coração longe do Senhor, promovendo ciúmes, discórdias, brigas e usando a língua para ferir seus irmãos. Já dizia Tiago: “Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e toda a obra perversa” (Tg 3.16).

II. Samuel: fruto de oração

1. A humildade de Ana

Ana é um modelo de uma crente fiel, paciente, perseverante e resiliente! Inspira tanto as mulheres cristãs como também aos homens cristãos do nosso tempo, devido sua postura digna diante do bullying (violência psicológica) que sofria constantemente dentro de casa.

Ana era fiel porque, a despeito de sua tristeza pela esterilidade como ainda mais pela perseguição de sua adversária dentro de casa, não abandonou a fé em Deus nem deixou de subir à Casa do Senhor para adorá-lo. Era paciente porque soube suportar as afrontas sem devolvê-las “na mesma moeda”. Ana encarnou o que Jesus séculos depois ensinou aos seus discípulos: “se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mt 5.39).

Enquanto muitos crentes hoje se gabam de um temperamento explosivo e chegam a dizer: “Eu sou pavio curto mesmo! Eu não levo desaforo pra casa! Comigo é assim: bateu, levou!”, a irmã Ana simplesmente ouvia as afrontas, orava ao Senhor e chorava abundantemente (1Sm 1.10). Mas Deus estava colhendo e decifrando aquelas lágrimas, aguardando o tempo certo para responde-las! Ana perseverou no seu propósito e resistiu aos ataques verbais, demonstrando grande resiliência! Em tempos de epidemias de depressão como os que vivemos hoje, creio que Ana tem muito a nos ensinar sobre “lançar sobre o Senhor nossas ansiedades, porque Ele tem cuidado de nós” (1Pe 5.7).

2. Ana e sua amargura de alma

“Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos” (2Co 4.8,9). Não me estranharia nenhum pouco se estas palavras fossem ditas pela irmã Ana, embora a autoria delas seja do apóstolo Paulo. De fato, ainda que a natureza do sofrimento de Paulo e Ana fosse bem diferente, a própria Ana confessou ao sacerdote Eli: “Eu sou uma mulher atribulada de espírito…” (1Sm 1.15).

Ainda que abatida, Ana não se permitiu ser destruída! Ana se abateu com as afrontas de Penina, mas não se entregou a um sentimento de ódio e revanche; não buscou oportunidade para fazer mal à sua adversária, antes confiou no Senhor e permaneceu íntegra! Como exorta o Salmo 37.7: “Descansa no Senhor e espera nele, e não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios”. Ana nos dá mais uma lição, que será traduzida no novo testamento da seguinte forma: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.21).

Ana também não se permitiu ser destruída por pensamentos de desistência e morte, jamais cogitando o abandono do lar ou até mesmo o suicídio como forma de escapar daquele sofrimento. Ela confiou no Senhor e depositou suas mágoas aos Seus pés em oração! É assim que a serva do Senhor e o servo de Deus devem fazer: confiar e buscar ao Senhor nas horas de aflição, pois nosso Deus é “socorro bem presente na angústia” (Sl 46.1).

3. O pedido de Ana

Na Casa do SENHOR, em Siló, Ana derramou sua alma em oração, apelando para a benignidade de Deus, suplicando-lhe por um filho homem a quem ela, mediante voto, se comprometeu entregar ao Senhor para servi-lo por toda a vida (1Sm 1.11).

Ana ora a Deus porque sabe que a sua esterilidade só podia ser curada mediante um milagre. Seu esposo Elcana a amava e certamente mantinha relações com ela, cumprindo seus deveres conjugais. Mas Deus lhe havia fechado a madre, e somente Deus podia abri-la!

Ana pede a Deus um “filho varão” não por menosprezo ao sexo feminino, mas porque ela já tinha um propósito declarado: entregar esse filho levita para o serviço ao Senhor em tempo integral e por toda a vida. Somente os homens levitas podiam servir no tabernáculo do Senhor e exercer o sacerdócio. Ana queria um filho para oferece-lo com o seu melhor a Deus; ela que já estava acostumada a oferecer sacrifícios animais, queria agora oferecer seu próprio filho como um “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12.1).

Deus se agrada quando o que queremos lhe oferecer é o nosso melhor; se agrada quando oramos por mais obreiros para a sua obra; se agrada quando resolvemos consagrar nossos filhos ao serviço sagrado. A estas orações, Ele tem prazer em responder positivamente! Creio que é para súplicas assim, que temos esta promessa: “Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração” (Sl 37.4).

III. A dedicação de Samuel

1. O nascimento de Samuel

Em resposta às súplicas de Ana, o Senhor operou um milagre revertendo sua esterilidade em fertilidade. Costumamos mencionar apenas Samuel, mas Deus concedeu a Ana muitos filhos além dele: três filhos e duas filhas (1Sm 2.21), inclusive o texto sugere que os muitos filhos lhe foram dados “no lugar daquele por quem ela pediu e dedicou ao Senhor” (v. 20). Ou seja, para quem pedia um filho varão, Deus lhe deu quatro varões! Para quem queria uma criança, Deus lhe concedeu seis ao total! Ana semeou um filho, colheu muitos outros para glória de Deus!

Não sabemos exatamente o significado do nome Samuel, mas há duas possibilidades: (1) “o nome de Deus” ou “Deus é o seu nome”; ou (2) “ouvido de Deus” ou “Deus ouviu”. Creio ser esta segunda opção a que mais se ajusta ao contexto, já que Samuel foi o filho que Deus deu à Ana em resposta de sua petição. Deus a ouviu e respondeu, dando-lhe um filho varão. Seja como for, o nome Deus (El, em hebraico) está presente no nome Samuel, ressaltando ter sido sua concepção e nascimento um milagre do Senhor, resposta de Deus à oração de uma mãe fiel.

Para reflexão de pais e mães: os nomes que vocês têm dado aos seus filhos são nomes que exaltam a Deus ou são nomes que exaltam artistas e celebridades do cinema, da música e do futebol? Não podemos consagrar nossos filhos a Deus enquanto lhes damos nomes que fazem alusão à personalidades ímpias e até mesmo à entidades do paganismo. Sejamos prudentes!

2. O cumprimento do voto

Após o nascimento de Samuel, Ana ficou entre um a três anos sem subir à Casa do Senhor em Siló, mas não por relaxamento na adoração e sim por uma prudência maternal (a criança era muito pequena para longas viagens no colo da mãe) e também porque Ana estava decidida a entregar seu filho ao Senhor, cumprindo o voto que fizera, mas quando a criança já não mais dependesse do leite e de outros cuidados maternais.

Ana era uma mulher sábia e não agia por mera emoção! Se ela não perdeu o equilíbrio e a razão nem mesmo sob as tempestades emocionais que sofrera antes, muito mais equilíbrio teria agora que estava tomada de alegria por receber o milagre em seus braços!

O Comentário Bíblico Beacon pontua que a criança era desmamada “entre dois e três anos de idade” [1]. Foi por esta idade que o pequeno Samuel foi entregue por seus pais aos cuidados do sacerdote Eli e para sempre estaria servindo ao Senhor longe de seu lar. Ressalte-se que o voto de Ana foi concordado e confirmado pelo seu esposo Elcana, que respondeu a ela: “Faça o que lhe parecer melhor. Fique aqui até desmamá-lo; que o SENHOR apenas confirme a palavra dele!” (1Sm 1.23).

Samuel não foi entregue para o serviço religioso sem o consentimento do pai, mas em comum acordo entre Ana e Elcana, afinal, Samuel era filho de ambos. Votos que envolvem a família devem ser concordados pela família, pois ninguém pode prometer dar a Deus o que é de outros ou o que outras pessoas têm igual responsabilidade. Se Penina era a tola que buscava destruir o lar com as próprias palavras, Ana era a esposa sábia que tomava decisões pensadas e concordadas com seu marido.

3. Dedicação de Samuel

Samuel certamente já andava e estava aprendendo as primeiras palavras quando passou a morar junto à Casa de Deus, onde ficavam os utensílios sagrados e onde o culto diário era oferecido a Deus, com a entrega de muitos sacrifícios. O pequeno levita certamente muito aprendeu ouvindo a exposição da Lei, lendo rolos que lhe eram disponibilizados e, ainda mais, observando atentamente tudo ao seu redor. Crianças aprendem mais vendo do que apenas ouvindo e lendo; e aprendem ainda mais exercitando do que apenas observando. De fato, “Samuel, contudo, ainda menino, ministrava perante o SENHOR” (1Sm 2.18). Ele aprendeu para ministrar, e aprendia enquanto ministrava.

Quem imaginava que aquela criança viria a ser um grande juiz, fiel sacerdote e respeitado profeta da nação de Israel, e pioneiro no movimento que veio a ser conhecido com o “rancho de profetas” ou “escola de profetas”? Pois é, ninguém despreze as criancinhas da casa do Senhor!

Conclusão

Concluímos este estudo reproduzindo algo que já dissemos na Lição passada:  o contexto do nascimento de Samuel é revelador quanto ao papel da família, especialmente de uma mãe temente a Deus na boa direção não só de um filho, mas na influência sobre os destinos uma nação! Se as mães cristãs do Brasil entenderem o quanto elas podem fazer, a exemplo da irmã Ana, para atirar seus filhos como flechas na direção da vida de pureza e piedade, não demorará muito para vermos uma nação abalada pelo poder de Deus, cheia de filhos abençoados e santos!

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Referência

[1] W.T. Purkiser em Comentário Bíblico Beacon, vol. 2, CPAD, p. 181

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