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O Espírito e a letra: A relação entre a educação teológica formal e as Assembleias de Deus

A história da teologia na maior denominação do Brasil

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Daniel Berg e Gunnar Vingren. (Foto: Reprodução)

Fundada pelos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg em 18 de junho de 1911 na cidade de Belém, capital do Estado do Pará, a Assembleia de Deus foi chamada primeiramente de Missão da Fé Apostólica, sendo que somente em 1918 o nome da igreja foi alterado para Assembleia de Deus, que, nos EUA, foi fundada em 1914.

Primeiramente, Gunnar Vingren e Daniel Berg congregaram na primeira Igreja Batista de Belém, mas, por enfatizarem a experiência pentecostal foram incompreendidos e saíram dessa igreja, dando início ao maior movimento de renovação da história do País.

A missão sueca e as primeiras quatro décadas do movimento pentecostal no Brasil

Nas primeiras quatro décadas, as ADs solo brasileiro foram comandadas, não somente por seus fundadores, mas por pastores suecos, enviados pela missão daquele país, que, naquele momento, enfrentava dificuldades financeiras. Fato que incentivou a imigração sueca para os EUA a partir de 1870. É nesse contexto que muitos missionários vieram para a América do Norte.

Destarte, como consequência do Movimento Pentecostal da Rua Azusa, os missionários suecos, apoiados pela missão de seu país, chegaram ao Brasil, em especial à Região Norte.

Os primeiros missionários suecos rejeitavam a educação formal, sendo que nas primeiras quatro décadas não houve incentivo a implantação da educação teológica, entretanto, os missionários suecos eram bíblicos (ênfase no conhecimento da palavra escrita mais do que inspiração direta), mas, por acharem que o muito estudar poderia sufocar a espiritualidade, não investiram em cursos de longa duração.

A formação da identidade pentecostal no Brasil

No Brasil, o pentecostalismo “nasceu”, difundiu-se, consolidou-se e tornou-se hegemônico, sem a necessidade da educação formal, pois os primeiros missionários pentecostais que eram suecos, consideravam o ensino teológico desnecessário.

Para eles, o que realmente importava era o carisma.

As Assembleias de Deus, em seu início, não atribuíam valor à educação teológica, que eles pejorativamente denominavam Fábrica de Pastores.

Mesmo sendo fundada no Brasil em 1911, somente em 1958, é que foi fundado o primeiro instituto bíblico, já que, ao longo de seus primeiros anos fundação, as ADs não tiveram institutos bíblicos, seminários ou faculdades. E não sentiram falta deles, como expressado por meio do Mensageiro da Paz, órgão oficial da CGADB.

O melhor seminário para o pregador é o de “joelhos” perante a face do Senhor. Ali o Espírito Santo nos transmite os mais belos e poderosos sermões. Aleluia! São Pedro não foi formado por nenhum seminário.

(Mensageiro da Paz, 15/09/1931, in GOMES,2013, p.86) 

Nas ADs (entre 1910 e 1940) imperava a orientação doutrinária dos primeiros missionários suecos. Em suas primeiras décadas, a voz da teologia assembleiana era legitimada por meio dos artigos escritos nos jornais Boa Semente, Som Alegre e Mensageiro da Paz, e nas lições de Escola Bíblica (todas praticamente comentadas pelos missionários suecos).

Destacaram-se, nesse período, os seguintes pastores: Gunnar Vingren, Samuel Nystron, Nils Kastberg, Otto Nelson, Nels Nelson e Joel Carson (ARAUJO, 2013).

A escola dominical e a manutenção doutrinária da igreja

Por meio dos periódicos, as ADs perpetuavam suas doutrinas e crenças. Porém, como relata Brunelli (2016), a revista de Escola Dominical é, sem duvida, o órgão de maior excelência na formação e manutenção doutrinária da igreja.

A cada três meses, os alunos estudavam temas específicos, sendo a revista de EBD a responsável pela unidade teológica da igreja. Nessas revistas, enfatizava-se a doutrina do batismo com o Espírito Santo, as doutrinas pentecostais e as verdades cardeais da fé cristã.

Por mais que houvesse muito legalismo entre os pentecostais, esse tipo de ensino era mais enfatizado nos cultos, sendo que na EBD ensinavam-se as doutrinas bíblicas, mas com um olhar pentecostal — o que legitimou a expansão das verdades do pentecostalismo.

Ao longo dos primeiros anos de fundação da igreja, surge também o nome de Lars Erik Bergstén, mais conhecido como irmão Eurico Bergsten, pois com o retorno de Samuel Nystron para Suécia, Eurico Bergsten passa a se destacar como o maior expositor das verdades pentecostais, sendo considerado aquele que exerce maior influência na formação da teologia pentecostal.

Ao longo de mais de quatro décadas servindo a igreja brasileira, o missionário Eurico Bergsten escreveu mais de 30 revistas de Escola Dominical, todas abordando as principais doutrinas bíblicas defendidas pelo chamado pentecostalismo clássico (ARAUJO,2013).

Portanto, embora nas primeiras décadas as ADs não tenham priorizado a educação teológica formal, não significa que tenham descuidado com o estudo das doutrinas cristãs, que eram defendidas por meio dos periódicos pentecostais, em especial através das lições de EBD.

A chegada da missão americana

Houve uma mudança de mentalidade nas ADs, com a chegada dos primeiros missionários americanos a partir da década de 50 e, por conseguinte, com a implantação do primeiro instituto bíblico pentecostal em solo brasileiro.

Ao longo das décadas, missionários americanos começaram a vir para o Brasil, e estes, além de apoiar o conhecimento teológico,  eram, em sua maioria, formados em Teologia.

Da objeção ao reconhecimento, à fundação do IBAD

Desde a fundação das Assembleias de Deus no Brasil houve uma tensão bastante conflitiva entre a educação teológica formal e a experiência religiosa nas ADs, pois, mesmo que a missão sueca apoiasse, por exemplo, a EBO e a Escola Dominical, os missionários suecos consideravam o estudo de teologia desnecessário, como relata o missionário sueco Walter Goodband, que disse que havia necessidade de crescer em sabedoria, mas que o “muito estudar é enfado da carne” (DANIEL, 2004).

Tal opinião chega a ser controversa, pois mesmo que apoiasse o estudo na Escola Bíblica, a liderança assembleiana demonstrava total repudio à educação teológica formal.

De acordo com Brenda (1984, p.19):

Pois temiam que o treinamento em institutos bíblicos, levasse os obreiros brasileiros a dependerem do seu conhecimento e capacidade intelectual, ao invés de confiarem unicamente na direção do Espírito Santo e na palavra de Deus.

Portanto, como cita Isael Araújo, para muitos líderes ao longo da história do Movimento Pentecostal: “O Conhecimento espiritual, quem dá é o Espírito Santo; quando se é ungido, muita cultura deixa o crente vaidoso” (ARAUJO,2007).

O que por fim reflete a relação sempre conflitiva entre o Espírito e a “Letra”, sendo esse o eixo principal e a questão central desta pesquisa, pois, ao estudar a história das ADs, observa-se que o pentecostalismo assembleiano percorreu caminho de um movimento religioso caracterizado pela educação e pelo modelo carismático, mas que, por meio da rotinização do carisma se burocratizou, sendo a educação teológica formal um dos símbolos desse processo (ALENCAR, 2013),

Portanto, com a fundação do IBAD em 1958, mais interesse pela educação teológica formal, e como fruto desse momento, começaram a surgir seminários e institutos bíblicos nas ADs.

Conflito nas convenções acerca dos temas teologia e instituto bíblico

A educação teológica nas Assembleias de Deus é fruto do empenho e da coragem dos primeiros missionários americanos. E, com a fundação do IBAD em 1958, houve mais interesse pela educação teológica formal e, como efeito desse momento, começaram a surgir seminários e institutos bíblicos nas ADs.

Todavia, mesmo que já houvesse a pauta, desde a convenção de 1943, a fundação do primeiro instituto bíblico da denominação, o IBAD (GOMES, 2013), foi mais resultado de um trabalho pessoal em cooperação com os missionários americanos do que um trabalho institucional, da liderança assembleiana naquele momento, sendo esse tema amplamente discutido nas convenções a partir da década de 1940.

A influência americana na criação do primeiro instituto bíblico

Os missionários da AG (Missão Americana) J. P. Kolenda, N. Lawrence Olson, e Orlando Boyer, juntamente com alguns pastores brasileiros, foram os defensores da abertura oficial de institutos bíblicos pela AD, diante dos missionários suecos e pastores brasileiros, que acreditavam que os institutos bíblicos trariam formalismo e seriam fábricas de pastores, como relata Isael de Araújo (2014), o que reflete a superficialidade teológica na liderança pentecostal das primeiras décadas do pentecostalismo.

Foi só a partir dos anos 1950 que os estudos bíblicos ganharam mais densidade e profundidade, sendo que a criação da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), e a chegada de novos missionários americanos, também fortaleceram a ideia do conhecimento (GOMES,2013) Sendo a criação de institutos bíblicos a consequência direta disso, pois os obreiros brasileiros precisavam se aprofundar mais no conhecimento bíblico, conforme Araújo (2014).

Heróis anônimos: os primeiros alunos dos institutos bíblicos

Na década de 1960 havia grande resistência ao ensino teológico. Muitos pastores que enviavam seus filhos para estudar teologia foram ameaçados de perder o pastorado, outros foram perseguidos, e os alunos, em especial, sofreram muita rejeição, alguns, inclusive, nunca foram aproveitados no ministério como obreiros, entretanto, foram esses heróis anônimos que legitimaram a educação teológica formal no contexto pentecostal.

Sobre esse tempo, o pastor e teólogo Paulo Cesar Lima relata:

Esta é uma longa história. Os suecos, os primeiros a chegarem ao Brasil, dedicavam-se às famigeradas Escolas Bíblicas e não gostavam de nada que envolvessem teologia. Eles formaram um bloco fechado, intransponível. Com a chegada de alguns missionários norte-americanos, que não eram bem-vindos pelos suecos, diga-se de passagem – a situação da educação teológica ficou totalmente polarizada.

A fundação do IBAD e a legitimação da criação de cursos e de faculdades de teologia

As doutrinas cardeais da fé pentecostal no Brasil foram sistematizadas através dos missionários americanos a partir da década de 1950 e 1960, pois estes já apresentavam sólida fundamentação teológica, o que culminou na fundação do Instituto Bíblico das Assembleias de Deus no Brasil (IBAD).

Após a criação do IBAD, outros seminários e cursos teológicos foram fundados no Brasil: Instituto Bíblico Pentecostal (IBP) no Rio de Janeiro, Instituto Bíblico do Amazonas (IBADAM) em Manaus, Instituto Bíblico Esperança (IBE) em Porto Alegre. Estes são os primeiros de muitos que desde a década de 1970 têm sido fundado no País.

Inicialmente, os cursos teológicos eram de modalidade básica, e com duração de dois anos. Depois foram sendo abertos pelo País cursos médio e bacharel livre em Teologia, ao passo que, em 1973 a Convenção Geral das Assembleias de Deus (CGADB) funda o Conselho de Educação e Cultura (CEC).

Portanto, a partir das décadas de 1970 e 1980 surgem muitos cursos e escolas teológicas, entre as quais, a Escola de Educação Teológica das Assembleias de Deus (EETAD), que propaga a educação teológica através de núcleos de cursos básico e médio pelo País. Já no ano de 2007, é fundada a Faculdade Evangélica de Tecnologia Ciências e Biotecnologia (FAECAD), sendo esta uma instituição aprovada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), o que serviu como base para várias faculdades assembleianas que hoje possuem o reconhecimento governamental.

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