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opinião

O caminho do vento

O homem espiritual, nascido de novo não tem agenda definida.

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Campo de trigo. (Photo by Dawid Zawiła on Unsplash)

Como é por demais conhecido a sabedoria de Salomão era lendária. Na literatura sapiencial, tão característica das culturas antigas, vamos encontrar o rei do Antigo Israel, cujos escritos revelam uma sabedoria superior, sobre-humana, que não é “terrena, animal e diabólica”, mas do tipo daquela que “vem do alto” (Tiago 3: 15) e que lhe foi conferida por Deus, a seu pedido: “Dá-me, pois, agora, sabedoria e conhecimento, para que possa sair e entrar perante este povo; pois quem poderia julgar a este tão grande povo?” (2 Crónicas 1:10), que é uma das coisas que Deus gosta de dar com liberalidade: “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada” (Tiago 1:5).

Uma das suas afirmações mais interessantes é sobre o desconhecimento humano sobre a forma como Deus trabalha a cada momento. Diz ele: “Quem observa o vento, nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará. Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas” (Eclesiastes 11:4,5).

De facto nós nunca sabemos como Deus trabalha. Da mesma forma como a direcção do vento não se podia antecipar com segurança naquele tempo, não havendo serviços de meteorologia, mas apenas imaginar, também não sabemos como Deus trabalha.

Da mesma forma como naquele tempo não se sabia nada sobre o processo de formação do feto no ventre da mulher, também não sabemos como Deus trabalha. Apesar de alguns quererem colocar Deus dentro de uma caixa (uma tarefa impossível) e querem dizer-Lhe como deve trabalhar… ou até dar-Lhe ordens (pura estultícia) o facto é que desconhecemos mesmo como Deus vai trabalhar numa dada situação, porque Ele é imprevisível, justamente por ser Deus, o Senhor de todas as coisas.

Vejamos alguns exemplos bíblico-históricos que demonstram a diversidade das intervenções divinas na vida humana, em grau e tempo:

  • Deus curou a sogra de Pedro mas deixou morrer Lázaro, embora dias depois Jesus o tenha ressuscitado.
  • Deus elevou José ao governo do Egipto, mas só depois de ter sido vendido pelos irmãos, que simularam a sua morte, pranteada pelos pais, tendo ainda, entretanto, que experimentar as agruras da cadeia.
  • Deus deixou Moisés quarenta anos à seca no deserto antes de o ir buscar para libertar o seu povo, apesar de ter sido criado no palácio do faraó.
  • Deus permitiu que a geração do êxodo dos hebreus perecesse no Sinai sem entrar na Terra da Promessa, mas entregou a terra à geração seguinte.
  • Deus deixou que os apóstolos fossem martirizados mas poupou João Evangelista, ainda que exilado na ilha de Patmos.
  • Deus permitiu que Saulo perseguisse encarniçadamente os cristãos, apesar de, depois da estrada para Damasco, ter feito dele uma das suas testemunhas mais relevantes.
  • Deus pediu a Abraão o filho da promessa, num teste duríssimo à sua fé, depois de ter mantido cerrada a madre de sua mulher Sara, durante todo o período fértil e a fazer conceber miraculosamente já fora de tempo.
  • Jesus efectuou curas presenciais, outras à distância, umas de modo instantâneo, outras progressivamente.

Façamos a nossa obra sem desculpas. A imprevisibilidade do vento não é razão para deixar de fazer o que precisa de ser feito (“Quem observa o vento, nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará”). Cumpramos o propósito de Deus para a nossa vida sem querer saber tudo.

O homem espiritual, nascido de novo não tem agenda definida: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai, assim é todo aquele que é nascido do Espírito” (João 3:8).

Porque eu não sei como Deus trabalha, porque eu não sei tudo, sou como o vento, porque são assim os “nascidos do espírito”. Resta-nos fazer a nossa obra sem desculpas. Semeemos sem nos preocuparmos com o vento. Compete-nos lançar a semente, o resto não é connosco. Quem recebe a Palavra pode ser um punhado de pedras, ou cardos, ou a beira do caminho, ou uma boa terra (Marcos 4:3-8). Isso já não é connosco. Colhamos sem nos preocuparmos com as nuvens. Deus cuidará dos seus cordeirinhos.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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