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estudos bíblicos

Cristo é superior a Arão e à ordem levítica

As distinções entre o sacerdócio de Cristo e o sacerdócio dos levitas.

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Arão. (Foto: Reprodução / Record TV)

O estudante não deve estranhar essa repetição de tema, pois o sacerdócio de Cristo é um assunto tratado amplamente na Carta aos Hebreus, desde o final do quarto capítulo até o décimo. Todavia, investigaremos mais à fundo as distinções entre o sacerdócio de Cristo e o sacerdócio dos levitas.

A princípio destaco apenas que o autor da Carta aos Hebreus é o único dentre os autores do Novo Testamento que reivindica o título de sumo sacerdote para Jesus (Hb 2.17; 4.14 – 5.10; 8.1-6).

Segundo, o leitor mais crítico deve ter percebido a quebra de assunto no capítulo quarto da Carta aos Hebreus, onde nos versículos 14 a 16 o autor introduz um assunto diferente daquele que ele estava falando até então (o descanso prometido aos fiéis). Ou seja, parece que o final do capítulo quarto não está bem conectado ao restante do capítulo, embora perfeitamente ligado ao assunto do quinto capítulo.

Deixe-me explicar algo: nos manuscritos originais não existia essa divisão de capítulos e versículos. A divisão moderna da Bíblia em capítulos foi feita somente no século 13, pelo clérigo inglês Stephen Langton; a divisão da Bíblia em versículos foi feita em tempos distintos: primeiro, copistas judeus dividiram o Antigo Testamento em versículos, depois, no século 16, o erudito francês Robert Estienne fez a divisão do Novo Testamento em versículos.

Essa divisão em capítulos e versículos objetivava ajudar o leitor, tanto na localização de passagens, como na memorização e estudo. E de fato, ajuda-nos muito. Entretanto, não é uma divisão perfeita nem também “inspirada” como o texto em si o é. Pontuo isso apenas para dizer que o quinto capítulo de Hebreus deveria, em minha opinião, já começar no versículo 14 do quarto capítulo, visto que ali é introduzido um novo tema neste livro.

Por razões que eu desconheço, o tema ficou, então, desnecessariamente fragmentado. Na verdade, estudiosos da Bíblia sagrada já têm de longas datas percebido esses equívocos na repartição de alguns capítulos e versículos da Bíblia. Vamos ao estudo!

Um sacerdócio superior quanto à qualificação

O teólogo pentecostal Severino Pedro da Silva lembra-nos que “três sacerdotes, na Bíblia, receberam ofícios sacerdotais diretamente de Deus: Melquisedede, Arão e Jesus” (1). Sobre o sacerdote Melquisedeque, um tipo de Cristo, falaremos na Lição 7. Por enquanto, nos deteremos na comparação entre o sacerdócio de Arão e dos demais levitas e o sacerdócio de Jesus Cristo, percebendo a superioridade deste em relação àquele. Didaticamente o autor da Carta aos Hebreus prossegue no uso de comparações para demonstrar como crer em Cristo faz todo sentido, ao passo que afastar-se dessa fé é um terrível contrassenso.

Assim como a escolha de Arão para o sacerdócio não se deu por indicação de Moisés, nem por usurpação do próprio Arão, mas por soberana escolha de Deus, o sacerdócio de Cristo também não foi “tomado”, mas dado a Ele pelo Pai em virtude da plena obediência do Filho encarnado. Todavia, os demais sacerdotes que vieram após Arão tiveram que pertencer à sua raiz genealógica, ou seja, deveriam ser todos da tribo de Levi, como era Arão e seus filhos.

Embora nos dias de Jesus, o sacerdócio tenha sido oferecido como um favor político (2), o padrão veterotestamentário era que ninguém tomasse para si esta honra senão aqueles a quem Deus havia chamado dentre os levitas. Jesus distingue-se do sacerdócio araônico porque ele não era da descendência de Levi, mas da tribo de Judá, da qual ele é o Leão! (Ap 5.5)

Assim como Arão foi ungido com óleo (Ex 30.22-30; daí vem a expressão “é como óleo precioso que desce sobre a barba de Arão” do Salmo 133), Jesus também foi ungido, mas não com óleo, senão pelo próprio Espírito Santo (que era tipificado pelo óleo no Antigo Testamento). Numa sinagoga de Nazaré, tendo recebido a oportunidade para falar à congregação, Jesus tomou o livro de Isaías e leu: “O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18,19).

Sim, ele foi ungido pelo Espírito Santo que desceu sobre ele no dia de sua apresentação pública no batismo do rio Jordão (Mt 3.16). Não à toa Jesus é apropriadamente chamado de Cristo, para falar de sua unção e missão sacerdotal. Foi a vibrante declaração de Pedro: “Tu és o Cristo” (Mt 16.18). O teólogo holandês Jacó Armínio resume a essência desse título de Jesus: “A palavra ‘Cristo’ denota uma pessoa ungida, que é chamada pelos hebreus de mashiah, ‘o Messias’.

No Antigo Testamento, o óleo era utilizado para ungir; pois, de acordo com a sua eficácia natural, ele fornecia      ao corpo não apenas fragrância, mas também agilidade, e era, portanto, apropriado para representar duas coisas sobrenaturais” (3), que são elas: a santificação de Cristo para a missão sacerdotal (o bom perfume de sua vida santa) e a capacitação que lhe fora dada, enquanto homem, pelo Espírito Santo. Jesus é o Messias, o Cristo, o Ungido!

Um sacerdócio superior quanto ao serviço

Segundo aponta-nos Ellingworth (4), eram três as principais funções do sacerdote:

  1. Ministrar no altar, especialmente queimando as ofertas e apresentando o sangue do animal, “a parte mais sagrada da vítima”, oferecida em sacrifício ao Senhor.
  2. Trazer a direção de Deus para o povo, destacando-se aqui o uso do Urim e Tumim pelo qual se teria revelada a vontade de Deus numa situação impossível de ser resolvida pela habilidade humana.
  3. Instruir o povo, “não só em questões cultuais, como a distinção entre o santo e o profano, mas também em questões de conduta correta”. Os sacerdotes também foram a princípio intérpretes da Lei para o povo, “e da sua boca devem os homens buscar a lei porque ele é o mensageiro do Senhor dos Exércitos” (Ml 2.7). Mas como ressalta Ellingworth, “depois do exílio, essas funções foram exercidas cada vez mais por escribas, tornando-se a área de atividade sacerdotal principalmente restrita ao ritual. No tempo do NT, o ensino foi separado fisicamente da adoração sacrificial e situado na sinagoga”.

Jesus também trouxe o ensino final aos homens (“…falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” – Hb 1.1), e sua doutrina deixava seus ouvintes deleitosos (quando não raivosos!): “E maravilharam-se da sua doutrina, porque os ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas” (Mc 1.22). A instrução de Jesus é superior à dos sacerdotes araônicos e também dos escribas porque suas palavras são “espírito e vida” (Jo 6.63), e sua hermenêutica é correta e irretocável.

Ele não só sabia perfeitamente o que estava escrito, como sabia perfeitamente a correta interpretação do texto. Ele não só ensina a verdade como é em si mesmo a verdade! (Jo 14.6). Ele também trouxe a direção de Deus para os homens, não mais com uso do Urim e Tumim, mas pelo uso de sua perfeita sabedoria e conhecimento. De tal modo é que ele pode dizer: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12) e ainda “Eu sou o caminho” (Jo 14.6). Não seguir a orientação que Deus dá através do Filho é permanecer vagueando na escuridão das trevas e da ignorância, caminhando para a perdição eterna.

Todavia, no sacerdócio de Cristo destacamos o perfeito sacrifício por ele realizado, bem como suas intercessões pelos seus, feitas de contínuo no altar celestial. Enquanto o sacerdote do AT oferecia sangue alheio, sangue de animal no sacrifício, Jesus ofereceu seu próprio sangue, sangue humano para expiação de nossos pecados. Neste sentido, Cristo não foi só o sacerdote como foi também a própria vítima, o próprio sacrifício. E diferentemente dos sacerdotes que ofereciam sacrifícios também para expiação de seus pecados – devendo antes se purificarem para os rituais do tabernáculo ou do Templo -, Jesus não precisou purificar-se de qualquer pecado nem oferecer sacrifício em seu benefício próprio, pois ele é “…santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores…” (Hb 7.26).

Visto que ele aprendeu a obediência pelo sofrimento (Hb 5.8) e foi obediente até mesmo em face da morte (Fp 2.8), qualificou-se completamente para ser nosso “grande sumo sacerdote” (Hb 4.14). perceba: Jesus não é só sacerdote, ele é Sumo Sacerdote, o maior dentre os sacerdotes, que hoje somos nós, não os pastores apenas, mas todos os salvos a quem Deus nos constituiu “reis e sacerdotes” (Ap 1.6; 5.10), “sacerdócio santo” (1Pe 2.5), “sacerdócio real” (1Pe 2.9); e ainda mais que isso, ele é nosso grande Sumo Sacerdote! Sacerdotes existiram muitos, sumos sacerdotes também sucedendo um ao outro. Mas grande Sumo Sacerdote nós só temos um, que é nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Se a ocupação mais comum do trabalho sacerdotal era no altar, Cristo realiza hoje comumente no altar celestial este ofício sacerdotal: interceder por aqueles que se achegam a ele com fé. Cristo “vive sempre para interceder por eles” (Hb 7.25), pois como disse Paulo, Ele “ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm 8.34).

Um sacerdócio superior quanto à importância teológica

Há uma grande importância doutrinária no estudo do sacerdócio de Cristo. No estudo da Cristologia, buscamos conhecer a pessoa, os atributos e os ofícios de Jesus Cristo, entre os quais está o ofício sacerdotal (além do ofício real e profético). Pedro nos ordena “crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18). Isso por si só deve instigar-nos ao estudo deste tema, para que conheçamos mais ao Senhor a quem servimos e nos acheguemos confiadamente a ele. Infelizmente os cristãos hebreus estavam negligenciando estas coisas – como muitos hoje! – fazendo-se lentos no conhecimento e inaptos para um ensino mais profundo.

Eles já deveriam ser mestres pelo tempo de fé, mas ainda estavam na fase infantil, tomando leite, necessitando ainda aprender os rudimentos da doutrina cristã (Hb 5.11-14). Muitos crentes hoje se gabam de serem como crianças no entendimento, e se contentam em nadar em águas rasas. Mas a Palavra de Deus não privilegia a ignorância, nem desestimula o progresso do entendimento. “Vocês se fizeram lentos para aprender” foi a crítica contundente feita pelo autor da carta aos Hebreus contra aqueles irmãos.

O conselho do apóstolo Paulo também serve ao nosso tempo: “Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria…” (Cl 3.16).

Agora, o estudo do sacerdócio de Cristo não é apenas teórico, mas também prático. Aprofundarmo-nos nele nos levará não só à ortodoxia (doutrina correta), mas também à ortopraxia (vida correta) e à ortopatia (sentimento correto). Destaco três pontos essenciais, que são práticos, sobre o sacerdócio de Cristo:

  1. Porque Cristo é nosso grande sumo sacerdote ele pode nos dar, mediante seu próprio sacrifício que é vicário (em nosso lugar), a plena certeza de expiação dos nossos pecados, fazendo a mediação que precisamos diante de Deus, já que por nossos próprios méritos jamais poderíamos chegar ao trono da graça. Como nos dias dos sacrifícios veterotestamentários, em que o ofertante colocava a mão sobre a cabeça do animal num sinal de transferência de culpa para em seguida o animal ser sacrificado e seu sangue apresentado a Deus para expiação do pecado, assim também Cristo na cruz recebeu a transferência da culpa que era nossa para então livrar-nos da terrível ira de Deus. “o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós” (Is 53.6)
  1. Porque Cristo é nosso grande sumo sacerdote ele pode oferecer a Deus preces em nosso favor que sejam atendidas pelo Pai, já que Ele não só ora bem como também tem os méritos que Deus exige para ser ouvido. Ainda que nosso nome fosse esquecido na mente de todos os nossos parentes e amigos, ainda assim ele seria lembrado incessantemente no céu, pelo nosso fiel Amigo que intercede por nós. Não temos aí um maravilhoso consolo para as aflições da vida? Como diz a segunda estrofe do hino 193 da Harpa Cristã,

Ele intercede por ti, minh’alma;

Espera nEle, com fé e calma;

Jesus de todos teus males salva,

E te abençoa, dos altos céus. 

  1. Porque Cristo é nosso grande sumo sacerdote ele pode compreender nossas fraquezas e não nos tratar com imoderação. Ele conhece a nossa estrutura porque dela também participa – Jesus continua sendo homem no céu! Perfeitamente Deus e perfeitamente Homem! Ainda que não mais em corpo frágil como em seus dias de labor terreno, senão num corpo glorificado e perfeitamente adaptado para as condições celestiais. Como bem pontuam Duffield e Van Cleave, “Jesus, o Filho de Deus, representa Deus para o homem e, reciprocamente, o homem para Deus” (5). Ele não se envergonha de nos chamar “irmãos” (2.11), pois como homem padeceu tentações diversas, sendo “homem de dores, e experimentado nos trabalhos” (Is 53.3). Nenhum crente pense que Deus não lhe entende, ou que foi fácil demais para Jesus suportar todas as dores que sofreu e vencer as tentações do diabo, usando o argumento de “Jesus era Deus”. Sim, ele era Deus, mas na luta contra as tentações e na vitória sobre as aflições e o mundo, ele não lançou mão de sua força onipotente para então resistir. Ele venceu como Filho obediente, como Homem piedoso. A tradução “foi ouvido quanto ao que temia” em Hebreus 5.8 (versão Almeida Corrigida) não é adequada, pois dá a ideia que Jesus estava com medo. “temor” neste versículo tem a ver com aquele temor que nós somos exortados a manifestar para com Deus: a reverência, a santidade, o zelo. Por isso, a tradução da NVI é mais adequada: “sendo ouvido por causa da sua reverente submissão”. Entende agora? Jesus venceu não pelo uso de força onipotente, mas pela submissão reverente! Paulo diz que Jesus “esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fp 2.7). Foi como homem que Jesus venceu, por isso a nós homens ele compreende perfeitamente e de nós tem compaixão. Ele recebeu auxílio do Espírito Santo no deserto, e recebeu auxílio dos anjos no Getsâmani. Na cruz, sentiu-se só e então exclamou: Eli, Eli, Lamá Sabactani! Sim, Jesus compreende nossas fraquezas. Não precisamos achar que estamos fatalmente destinados ao pecado, à queda e que devemos nos contentar com a derrota. Em Cristo, “somos mais que vencedores” (Rm 8.37). Esta, portanto, é a grande lição prática: “Assim sendo, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade” (Hb 4.16). Jesus é o nosso Parakleto, aquele que o Pai chamou para nos socorrer!

Conclusão

Continuaremos o assunto sobre o sacerdócio de Cristo na Lição 7, onde veremos o tipo Melquisedeque, um rei e sacerdote, e seu antítipo, Cristo, que também é rei e sacerdote, ou grande sumo sacerdote. Mas que este estudo de hoje desperte em nós: maior amor por Jesus Cristo, maior gratidão a Deus e maior confiança para enfrentarmos o labor desta vida, certos de que há alguém muito especial intercedendo por nós e fortalecendo-nos em oculto, para nos conduzir em vitória tanto nas provações quanto nas tentações. Louvado seja Cristo que por nós morreu, e que agora vive para sempre, intercedendo em nosso favor!

Referências

(1) Severino Pedro da Silva. Teologia Sistemática Pentecostal (Antônio Gilberto, ed.), CPAD, p. 143

(2) Craig Keener. Comentário Histórico-cultural da Bíblica – Novo Testamento, Vida Nova, p. 765

(3) Jacó Armínio. As Obras de Armínio, vol. 1, CPAD, p. 492

(4) Novo Dicionário de Teologia Bíblica, Vida, pp. 1136,7

(5) Guy Duffield e Nathaniel Van Cleave. Fundamentos da Teologia Pentecostal, vol. 1, Editora Quadrangular, p. 130

Casado, bacharel em teologia (Livre), evangelista da igreja Assembleia de Deus em Campina Grande-PB, administrador da página EBD Inteligente no Facebook e autor de quatro livros.

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