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Constituição está sendo “reiteradamente violada” durante pandemia, avalia juiz

“Sempre que se abrem exceções ao respeito aos direitos individuais as consequências não são boas”, afirma William Douglas em entrevista ao Gospel Prime.

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William Douglas (Reprodução)

Evangélico, autor de best-sellers, considerado um referencial para estudantes em concursos e com um currículo que impressiona, o juiz federal William Douglas, da 4ª Vara Federal de Niterói, Rio de Janeiro, vê seu nome figurar para uma possível indicação para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

Casado com Nayara e pai de Fernanda Luísa, Lucas e Samuel, o magistrado é membro da Igreja Plena de Icaraí e costuma usar as redes sociais para compartilhar sua fé, além de alguns livros lançados em diversos países do mundo que abordam temas como Deus e a Bíblia.

Palestrante motivacional requisitado, bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Direito pela Universidade Gama Filho, William também é professor universitário, conferencista, articulista e consultor para grandes veículos de imprensa.

Douglas também coopera em trabalhos sociais, como as aulas que concede gratuitamente há mais de 20 anos para pessoas carentes através do Educafro, trabalho que lhe concedeu o reconhecimento pela Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, tendo sido o único branco entre os 7 homenageados.

Focado em produtividade, o juiz já foi agraciado, entre outras distinções, com o Prêmio Melhores Práticas de Gestão Conselho Nacional de Justiça, citado no Planejamento Estratégico do Poder Judiciário/CNJ, bem como foi premiado nas 6ª e 9ª Mostras Nacionais de Qualidade do Poder Judiciário.

Em entrevista ao Gospel Prime, William fala sobre pandemia, fé, família, Justiça, futuro e Brasil.

Leia na íntegra:

O que mudou na sua rotina como magistrado depois da pandemia?

Não muito, por incrível que pareça. A Justiça Federal continuou funcionando em regime de teletrabalho. Não temos por enquanto a ida ao Foro, mas continuamos produzindo. Analiso e decido tudo virtualmente, atendo os advogados por telefone e em breve teremos as audiências em ambiente virtual.

Desafiei a equipe a produzir mais do que antes, já que o país precisa mais ainda e não temos o tempo de deslocamento para o trabalho, e eles reagiram muito bem. As nossas estatísticas melhoraram!

O senhor é visto por muitos como uma espécie de “guru”, se me permite chama-lo assim. Quais orientações têm dado para os cuidados emocionais?

O termo “guru”, que vem do sânscrito, pode se referir a “professor” e é nesse sentido, de referência carinhosa a um mestre, que as pessoas me tratam. Assim, não só permito como agradeço a referência!

Quanto aos cuidados emocionais, considerando os nervos à flor da pele das pessoas, e os temores vários que têm afligido a população, recomendo manter a calma, procurar fazer os exercícios físicos possíveis, ter rotinas e horários, manter a disciplina espiritual, ter paciência e, claro, lembrar que Deus está no controle.

Fazer como Jó, que em meio à enorme crise, continuou confiando em Deus e fazendo o que lhe era possível.

Existe um propósito espiritual com essa crise do coronavírus?

Não me sinto seguro para dizer que há um propósito espiritual nesta crise, mas tenho absoluta certeza de que podemos tirar lições espirituais dela. Esta crise revela a insuficiência humana e mostra a importância de perceber o valor de nossa vida, rotinas e escolhas.

Assim como as águas dos mares e os céus estão mais cristalinos, essa mesma transparência pode ser aproveitada em nosso cotidiano: para descobrimos o que é realmente importante.

O senhor vê uma insegurança jurídica em meio à pandemia?

Sim, infelizmente. A Constituição Federal está sendo reiteradamente violada sob o argumento de que é para a “proteção da vida”, mas sabemos que sempre que se abrem exceções ao estrito e rigoroso respeito aos direitos individuais as consequências não são boas.

Não podemos aceitar nenhum pretexto para que as autoridades ajam sem respaldo na Constituição.

Como a Igreja pode se tornar mais efetiva em meio a crises?

A Igreja tem uma forte tradição de auxílio às autoridades e às pessoas em momentos de crises, de desastres naturais ou decorrentes da ação humana. A pandemia é apenas um evento mais grave e geral, e por suas características trouxe desafios extras, como o impedimento do funcionamento regular das igrejas. Seja como for, Jesus prometeu que nada irá prevalecer sobre a Igreja.

Precisamos aprender a nos adaptar aos novos tempos e dificuldades para sermos aquilo que Jesus quer de nós. É a hora de levar conforto espiritual e material para os domésticos da fé e para todos os necessitados, e de mostrar que acima de tudo que está ocorrendo há um Deus que nos salva e socorre. A crise é uma oportunidade para a igreja crescer, servir e mostrar sua importância.

Acredita que algumas medidas tomadas para o combate ao coronavírus são inconstitucionais?

Sim, com certeza. Não estamos em estado de sítio ou de defesa e várias garantias individuais estão sendo desrespeitadas.

Existe um risco ao Estado de Direito?

O Estado de Direito já foi arranhado, já passamos do risco e entramos na certeza da ocorrência de violações. Contudo, o próprio Estado de Direito e as instituições possuem instrumentos para corrigir essas violações.

Creio que desse momento atribulado podemos sair melhores e com novos aprendizados. Se isso ocorrer, a nossa democracia sairá fortalecida.

Contudo, esse otimismo conta com a maior responsabilidade das autoridades, da imprensa e da própria população para lidar com estes temas.

É justificável a violação dos direitos fundamentais para proteção da saúde em meio à pandemia?

Não. Todo regime autoritário sempre se estabeleceu alegando alguma razão nobre para retirar direitos. Não podemos abrir exceções.

Quais os desafios para o Judiciário neste momento de crise?

O maior desafio do Poder Judiciário e das carreiras afins é não ceder à forte tentação de querer substituir o administrador público. Quando o advogado, o Defensor Público, o membro do Ministério Público ou o Magistrado não gostam do governante eleito ou dos caminhos que o governante escolhe, há o risco desse operador jurídico peticionar ou conceder medidas que entendem melhores.

Há o risco do Judiciário achar que é mais sábio ou legitimado que o governante eleito, mas este não é o caminho correto na democracia e no Estado de Direito. O problema é que o Judiciário não pode formular política pública. Para fazer isso é preciso a legitimidade das urnas, que o Judiciário não tem. Daí, o maior desafio é a autocontenção. Uma coisa é corrigir abusos e proteger direitos, outra, indevida, é querer comandar a situação e gerir a crise. Isso é atribuição do Poder Executivo em primeiro lugar, com as regras criadas pelo Poder Legislativo.

O Judiciário vem sendo bastante criticado por conta do “ativismo judicial”. Como o senhor vê essas críticas?

As críticas infelizmente são corretas. Uma recente decisão do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro resume bem o que eu penso: A sociedade precisa de tranquilidade e segurança jurídica. Cumpre ao Poder Judiciário, com serenidade e responsabilidade, se desincumbir desse mister.

“Em um Estado Democrático de Direito, a atuação do Poder Judiciário deve respeitar os limites impostos pela Constituição e pelas demais leis do país. Não pode se dar, exclusivamente, pela vontade do julgador, por melhor que seja sua intenção. Julgar não é um ato de vontade, mas de conhecimento. De fato, e não raro, sob a argumentação de [suposta] proteção aos direitos fundamentais, muitas vezes se escondem objetivos pragmáticos e ideológicos de controle sobre os demais Poderes republicanos, o que afronta diretamente a Constituição.”

Qual deve ser a posição de um cristão diante de injustiças?

Lutar contra elas respeitando as determinações bíblicas e as leis do país. Sempre, em qualquer caso, agir “não por força, nem por violência”, mas segundo o Espírito.

A Bíblia é o melhor manual não só de salvação, mas também de ação contra as injustiças. O cristão precisa começar a lutar contra as injustiças lendo, relendo e estudando a fundo as Escrituras.

Só assim terá base teórica, moral e espiritual para cumprir essa importantíssima missão de ir contra as injustiças.

E deve começar por si mesmo, dentro da ideia de não olhar o cisco no olho do outro antes de tirar a trave que eventualmente está no seu próprio olho.

O Supremo reconheceu competência dos estados e municípios no combate a pandemia. Isso não prejudicou o trabalho do Executivo?

Creio que tal decisão revelou a necessidade de união de todos para superar a crise. Sob certo aspecto, a decisão, ao prestigiar a Federação, dividiu a responsabilidade de cada Governador e Prefeito dentro dos territórios sob seu governo.

Se a decisão tivesse ficado apenas para o Governo Federal, sobre ele recairiam os ônus e bônus das ações escolhidas. A partir do momento em que essas decisões ficaram regionalizadas, cada Governador e cada Prefeito passaram a ter maior responsabilidade sobre os efeitos das decisões que estão tomando.

Vemos frequentemente o STF abordando temas relacionados aos costumes, que estão em debate no Legislativo. É de competência da Corte decidir sobre essas questões?

O STF não pode legislar. Eventualmente, cabe a função de legislador negativo, retirando do ordenamento jurídico normas inconstitucionais. Todavia, não pode, mesmo que com ótimas intenções, exercer as funções de legislador positivo, as quais são reservadas ao Poder Legislativo, que é eleito diretamente para fazer isso.

O STF não pode querer forçar o que lhe parece uma evolução, pois todas as autoridades dos três poderes devem servir e se curvar ao povo brasileiro, que é o titular do Poder. Quem quer fazer lei precisa se submeter ao voto popular, precisa vencer no voto e ainda correr o risco de perder o cargo na próxima eleição.

Os membros do Judiciário não têm esse risco e por isso mesmo precisam se auto conter na natural tendência humana de tentar criar regras melhores. A intenção é boa, mas sem legitimidade eleitoral não se pode querer criar/impor normas.

O Congresso tem 513 deputados e 81 senadores que representam os mais diversos segmentos da sociedade, e para se criar uma lei há muita conversa, debate, idas e vindas e tudo o mais. Só assim há legitimidade e segurança para criar leis.

Constantemente o STF é acusado de usurpar competências do Executivo e do Legislativo. Para o senhor existe certo exagero nesta acusação?

Não, infelizmente algumas das críticas são pertinentes. Não sou eu quem diz isso, mas vários respeitáveis juristas. Nesse sentido, mais uma vez irei transcrever trecho de decisão recente proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

“Preocupação com saúde, educação, segurança são deveres do Estado, cujas políticas nacionais estão a cargo do Estado-Administrador (Poder Executivo). Não cabe ao Estado-Juiz (Poder Judiciário) a elaboração de políticas públicas nessas áreas, menos ainda atuar como ordenador de despesas.

Assim agindo, assenhora-se de atribuições que, constitucionalmente, não lhe competem. A Separação dos Poderes que deve ser respeitada. Há necessidade de respeitar as escolhas administrativas tomadas pelos órgãos técnicos do Estado, não competindo ao julgador substituir o administrador nas decisões tomadas. Não cabe ao Poder Judiciário adentrar o mérito das decisões administrativas, mormente no atual momento vivenciado pelo país, não podendo substituir prévias avaliações técnicas do Poder Executivo.”

Existe um clima de muita tensão no Brasil atualmente, sendo que muito disso está sendo fomentado pelos confrontos entre os agentes públicos. Eles não deveriam buscar apaziguar o país diante desta grave crise?

Sim, com certeza. Os agentes públicos precisam ter um mínimo de entendimento e respeito mútuo, ainda mais em tempos de pandemia.

O que o brasileiro pode esperar para o pós-pandemia?

Muitas dificuldades e desafios e, por isso mesmo, muita necessidade de esforço comum para que possamos vencer todas as ondas de crise que já chegaram e estão por chegar. Contudo, devo dizer que temos, sim, capacidade para isso. E se pedirmos ajuda a Deus, os bons propósitos terão mais viabilidade.

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