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opinião

Interceptar para resistir: O tragicômico combate ao combate à corrupção

Não há os fatos, apenas a impressão ou narrativa dos mesmos

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Sérgio Moro e Deltan Dallagnol. (Foto: Marcelo Camargo / Tomaz Silva/Agência Brasil)

The Intercept e as certezas de conveniência: em 9 de Junho de 2019, o veículo de comunicação afirma a existência de uma colaboração proibida[1] entre o então juiz federal, hoje ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o Procurador da República Deltan Dallagnol: figuras que deram ampla visibilidade para a operação de combate à corrupção, conhecida por Lava-Jato.

As matérias trazem consigo várias supostas conversas entre Moro e Dallagnol, direcionando o leitor a concluir pela ilegalidade dos diálogos, além de suscitar a hipótese de critério para desqualificar os rumos que a operação já conquistou. Ambos são acusados de conluio ilegal de interesses – mas não por uma corte constitucional (ou qualquer órgão do Poder Judiciário), e sim por um jornal investigativo.

Não é possível detectar a ligação entre os trechos lançados, muito menos a relação temporal entre as palavras proferidas e os eventos ligados à operação. A confusão de trechos não é inteligível, salvo se o leitor contar com a leitura guiada pelos autores da matéria, a saber, Rafael Moro Martins, Alexandre de Santi e Glenn Greenwald – uma “nada santa” inquisição.

O veículo de comunicação não pensa duas vezes em acusar o ministro de “ditador de estratégia”, inclinando a matéria [que deixou o caráter informativo a partir do momento em que desqualifica e distorce as relações naturais na dinâmica jurídica] para efervescer os ânimos da população e impulsionar uma derrubada ao combate à corrupção, pelo menos é o que parece.

Combater o combate a corrupção? Sim, é neste cenário em que o Brasil se encontra hoje.

Narrativa da esquerda, um clássico das paradas.

O professor Franklin Ferreira esclarece muito bem cenários como este. Em sua obra “Contra a Idolatria do Estado”[2], ele nos lembra de um dos métodos mais utilizados pelos progressistas, quando se trata de derrubar um pensamento diferente[3]: se tais instrumentos afetam algum dos ícones da leftist ideology (ideologia de esquerda), eles deverão ser fulminados através do terror, que nas palavras de Hannah Arendt é um “instrumento institucional, utilizado para acelerar o momentum da revolução”[4].

Trata-se de procurar a figura de referência do povo, e acabar com sua reputação. No Brasil este ícone é observado com uma forte experiência no domínio da transparência, boa governança e princípio anticorrupção (todas bandeiras simpáticas à tradição judaico-cristã); consequentemente, compatíveis com os interesses do povo. Tais valores vão de encontro, ou seja, conflitam com a visão coletivista dos chamados progressistas – que usam a plataforma de defesa de minorias, mas são ampla maioria no establishment do poder.

Geralmente, a ala progressista defende a ideia da impossibilidade de existir neutralidade de valores. Não há os fatos, apenas a impressão ou narrativa dos mesmos. Neste sentido, qualquer fato que não se encaixe na “história” narrada, deve ser subvertido, torcido, mudado e, de forma urgente, é o “Ministério da Verdade” que encontramos na obra 1984 de George Orwell[5].

Rubens Casara resume nossa triste condição – de que somos um país onde a cultura do excessivo garantismo penal impera – com a seguinte frase: “em uma sociedade que se acostumou com o autoritarismo, a presença de mitos que reforçam a opressão estatal e o poder penal não causa surpresa”[6] – ou seja, punir o erro, é sinônimo de autoritarismo, por parte de quem faz e de quem apoia.

E agora?

O The Intercept, em nome do “jornalismo investigativo”, agiu em molde desmedido e de maneira inexplicável, cometendo ato que pode (em tese) configurar crime ao divulgar documentos obtidos de maneira ilícita, mais especificamente as vedações expressas no artigo 157 do Código de Processo Penal, a saber, a obtenção de provas em “violação a normas constitucionais ou legais”, além da determinação constitucional de inadmissão de provas ilícitas, presente no art. 5º, LVI da Constituição. Como se não bastasse a verificação viciada das informações, limitando-se a falar de conversas obtidas por uma “fonte anônima”, temos o tipo penal que trata da invasão de dispositivo informático por hackers previsto no artigo 154-A do Código Penal, em tese, outro possível enquadramento de conduta criminosa, que deve(ria) ser averiguada por um juiz criminal.

Vale lembrar das observações feitas por Modesto Carvalhosa em seu perfil de uma rede social[7], lembrando-nos da natureza do Ministério Público, em que a suspeição por aconselhamento da Parte não se aplica, limitando-se ao réu ou a vítima – conforme disposição do artigo 254, IV do Código de Processo Penal. Não podemos esquecer que a principal função do Ministério Público é de ser fiscal da lei, além de ser um instrumento para concretizar a pretensão punitiva estatal, e por isso, o MP é parte imparcial no quesito de titular da ação penal (art. 129, I da CRFB/88 e art. 100, §1º do CP).

Ao lecionar sobre Direito e Crimes Financeiros[8], o Ministro da Justiça Sergio Moro relata que a Lava Jato é fruto de um amadurecimento institucional. De fato, ao combater o “weak law enforcement” (falta de rigor na aplicação da lei), entendemos os motivos que levam a mídia progressista apelar para este tipo de expediente: proteger e reforçar uma cultura de impunidade aos que lhe interessam e punir os que andam retamente.

Tirar da atividade criminosa a ideia de que é lucrativa e pode ser mantida impune incomoda alguns setores. O garantismo penal tem um olhar de benevolência exagerada ao acusado, especialmente em matéria de corrupção[9], e o procurador da República Deltan Dallagnol, ao comprometer-se com o combate à corrupção e com o refreamento da política de privilégios aos criminosos de colarinho branco, gera desconforto para aqueles que se valem de meios fraudulentos, seja na atuação pública ou privada.

É triste, mas real: estamos diante de um cenário de ilegalidades e imoralidades – juntas para promover o FIM da PREVENÇÃO E REPRESSÃO da lavagem de dinheiro e de qualquer ameaça ao sistema de esquerda no Brasil.  Que Deus nos livre disto: o combate ao combate da corrupção.

[1] “Não é muito tempo sem operação?” The Intercept Brasil. Disponível em: < https://theintercept.com/2019/06/09/chat-moro-deltan-telegram-lava-jato/ >
[2] Disponível para compra em: https://vidanova.com.br/744-contra-idolatria-estado.html
[3] FERREIRA, Franklin. Contra a Idolatria do Estado: O papel do Cristão na Política. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 17
[4] ARENDT, Hannah. Da Revolução. São Paulo: Ática, 1988. P. 79
[5] Recomendamos avidamente a leitura, em muitas situações você vai pensar que a estória da obra se passa no Brasil de hoje.
[6] CASARA. Rubens R.R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 152
[7] https://www.facebook.com/modestocarvalhosa/
[8] Direito e Crimes Financeiros. PUCRS Online. Saiba mais em: < https://online.pucrs.br/extensao/direito-e-crimes-financeiros >
[9] Deltan Dallagnol: É preciso um garantismo integral. Estadão. Disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,e-preciso-um-garantismo-integral-diz-procurador-deltan-dallagnol,70001653476 >

* Artigo escrito por Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina

Direito Religioso é um canal formado por Thiago Rafael Vieira, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, pós-graduado em Direito do Estado pela UFRGS e Jean Marques Regina, 2º VP do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, ambos advogados, professores e escritores, com pós-graduação em Direito Constitucional e Liberdade Religiosa pelo Mackenzie, com estudos pela Universidade de Oxford (Regent’s Park College) e pela Universidade de Coimbra e pós-graduandos em Teologia pela ULBRA.

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