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opinião

Incoerência e propósito

Entender o plano de Deus é seguir pelo perene, seguro, desafiador, mas encorajador caminho do propósito divino.

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Irmãos colocam José em um poço. (Foto: Michel Angelo / Record)

Poucas coisas são mais absurdas e presentes no dia a dia do que a incoerência. É realmente incrível como nós nos acostumamos a ela. Temos líderes e ex-líderes políticos, presos por roubo, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, estelionato e que não se cansam de “clamar por justiça”.

Somos uma nação rica e incoerentemente pobre, cuja população reclama da situação, mas, incoerentemente, parece se preocupar mais com fantasias carnavalescas, programações supérfluas e os pontos de encontros de blocos de rua, do que sua situação sócio-econômica geral. Denunciamos os efeitos devastadores da falta da educação formal e, incoerentemente, fazemos pouco ou nada para que isto mude.

Quando observamos com um pouco mais de atenção a história humana, percebemos que, desde o princípio, somos uma raça incoerente.

No princípio, deixamos todo um jardim pelo experimento de um único fruto, que comemos uma única vez e o tal nos tirou até o privilégio de voltar a comê-lo. Daí para frente, a incoerência só aumentou.

À medida em que éramos punidos por nossas ações incoerentes, incoerentemente fazíamos pior! Nosso relacionamento com Deus foi marcado por nossa incoerência crescente: não só como indivíduos, mas – e talvez até principalmente -, como civilização!

E como falamos em “princípio”, vejamos o que a Bíblia nos fala dos irmãos de José, os patriarcas que hostilizaram, quase mataram e venderam seu irmão para uns mercadores ismaelitas:

“Os irmãos de José tinham ido cuidar dos rebanhos do pai, perto de Siquém, e Israel disse a José: “Como você sabe, seus irmãos es­tão apas­centando os rebanhos perto de Siquém. Quero que você vá até lá”.
“Sim, senhor”, respondeu ele. Disse-lhe o pai: “Vá ver se está tudo bem com os seus irmãos e com os rebanhos, e traga-me notícias”. Jacó o enviou quando estava no vale de He­brom. Mas José se perdeu quando se aproximava de Si­quém; um homem o encontrou vagueando pelos campos e lhe perguntou: “Que é que você está procurando?” Ele respondeu: “Procuro meus ir­mãos. Pode me dizer onde eles estão apascentando os rebanhos?” Respondeu o homem: “Eles já partiram daqui. Eu os ouvi dizer: ‘Vamos para Dotã’ “.
Assim José foi em busca dos seus irmãos e os encontrou perto de Dotã. Mas eles o vi­ram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá-lo. “Lá vem aquele sonhador!”, diziam uns aos outros. “É agora! Vamos matá-lo e jogá-lo num destes poços, e diremos que um animal selvagem o devorou. Veremos então o que será dos seus so­nhos.” Quando Rúben ouviu isso, tentou livrá-lo das mãos deles, dizendo: “Não lhe tiremos a vi­da!” E acrescentou: “Não derramem sangue. Joguem-no naquele poço no deserto, mas não toquem nele”. Rúben propôs isso com a inten­ção de livrá-lo e levá-lo de volta ao pai. Chegando José, seus irmãos lhe arranca­ram a túnica longa, agarra­ram-no e o jogaram no poço, que estava vazio e sem água. Ao se assentarem para comer, viram ao longe uma cara­vana de ismaelitas que vinha de Gileade. Seus camelos estavam carregados de especiarias, bálsamo e mirra, que eles levavam para o Egito. Judá disse então a seus irmãos: “Que ganharemos se matarmos o nosso irmão e escon­dermos o seu sangue? Vamos vendê-lo aos ismaelitas. Não tocaremos nele, afinal é nosso irmão, é nosso próprio sangue”. E seus irmãos concordaram. Quando os mercadores ismaelitas de Midiã se aproximaram, seus irmãos tiraram José do poço e o venderam por vinte peças de prata aos ismaelitas, que o levaram para o Egito. Quando Rúben voltou ao poço e viu que José não estava lá, rasgou suas vestes e, vol­tando a seus irmãos, disse: “O jovem não está lá! Para onde irei agora?” Então eles mataram um bode, mergu­lha­ram no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai com este recado: “Achamos isto. Veja se é a túnica de teu filho”. Ele a reconheceu e disse: “É a túnica de meu filho! Um animal selvagem o devorou! José foi despedaçado!” Então Jacó rasgou suas vestes, vestiu-se de pano de saco e chorou muitos dias por seu filho. Todos os seus filhos e filhas vieram consolá-lo, mas ele recusou ser consolado, dizendo: “Não! Chorando descerei à sepultura para junto de meu filho”. E continuou a chorar por ele. Nesse meio-tempo, no Egito, os midiani­tas venderam José a Potifar, oficial do faraó e capitão da guarda”. Gênesis 37:12-36.

José pode ter errado, contando seus sonhos para irmãos e pais. A Bíblia diz que até estes ficaram chateados com os sonhos de José, pois lhes pareciam devaneios de grandeza (Gn. 37:1-11).

Todavia, apesar do ódio de seus irmãos, conforme expressamente diz a Bíblia (vs. 5), aquilo não fora motivo para abandonarem José num buraco, cogitarem mata-lo e, enfim, vende-lo e enganarem seu pai, dando-o por morto, uma vez que tinham certeza de que jamais imaginariam voltar a a vê-lo.

A ação dos irmãos de José é a epítome, em Gênesis, das ações incoerentes: não há a mais mínima descrição de misericórdia, salvo de Rúbem. Pelos demais, José seria morto mesmo, em nome da inveja, e a frieza com que conduzem seu intento, não matando-o, mas vendendo-o, corrobora o que acabo de dizer. José literalmente iria sumir do mapa por causa dos seus sonhos!

Esta é uma marca ainda maior de incoerência que crassa sobre nós. Somos, além de incoerentes, frios com nossas incoerências. Na história bíblica, José torna-se, por obra de Deus, o segundo homem do Egito, abaixo apenas de Faraó (Gn. 41:41-46). Seus irmãos vêm pedir auxílio aos egípcios, pela fome em Canaã e têm de se dirigir a José, o qual não reconhecem, depois de tantos anos.

José poderia facilmente mata-los, todos. Mas, como era um homem de Deus, prefere ajuda-los e aos seus pais. José conseguia ver um propósito por trás de toda aquela tragédia e triunfo, que havia se tornado a sua vida (Gn. 45:5). Sim, a frieza com que nos acostumamos a agir nos impede e perceber que, para que algo faça sentido no caos que é a nossa vida, é necessário que entendamos que Deus tem seu propósito.

Aqui, finalizo com a seguinte assertiva: creio que não podemos entender a importância do todo, olhando apenas as singularidades das partes. Não creio, em absoluto, que Deus conduza obras más, mas ele é especialista em transformar o mal em bem, o vazio em preenchido, a tristeza em alegria.

Só com esta consciência e entendendo que a ordem divina é, acima de qualquer coisa, coerente, que entenderemos que não podemos seguir um fluxo de ações incoerentes e chama-la de “vida”, de modo incoerente até. Trocaremos o mal das ações incoerentes pela coerência da fé, da racionalidade, do amor, posto que sem isso, não é apenas o nosso modo de vida que se revelará incoerente, mas a própria vida em si.

Portanto, para sermos coerentes, reconhecendo nossas vicissitudes, nossas falhas, nossos pecados, o primeiro passo é entender que não precisamos viver pela inveja, pelo ódio, pela ingratidão ou cobiça, mas vendo na história de homens como José que podemos entender o propósito de Deus em nossas vidas… e segui-lo! Entender o plano de Deus é seguir pelo perene, seguro, desafiador, mas encorajador caminho do propósito divino.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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