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Guiados para fora

O estar fora faz parte da vida, mas não tem problema quando se está no rebanho e sob a protecção do pastor

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Ovelhas. (Foto: Pablo Heimplatz / Unsplash)

Pode parecer estranho, mas quem guia as ovelhas para fora do aprisco é o Bom Pastor. Ele sabe que o sentido da nossa vida está cá fora, mesmo com todos os perigos que tal exposição representa.

“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora (João 10:1-3).

A ideia geral é que o melhor lugar para as ovelhas é o aprisco. Mas não. As ovelhas só ficam no aprisco para passar a noite ou proteger-se de alguma tempestade. De facto a vida é passada cá fora, longe do lugar de segurança, protecção e conforto. É por isso que o pastor as guia para fora.

Mas o que fazem as ovelhas fora do aprisco?

Elas alimentam-se.

Jesus disse-lhes um dia aos seus discípulos:A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” (João 4:34). Portanto, o alimento do cristão é obedecer a Deus e fazer a Sua obra. Só assim se pode ser sal, pois dentro do saleiro não serve para nada, tal como a luz, que deve brilhar no meio das trevas, pois em lugar já iluminado para pouco presta: “Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte. Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5:14-16).

Elas bebem.

Qualquer herbívoro tem necessidade de beber água: “guia-me mansamente a águas tranquilas” (Salmo 23:2); “Refrigera a minha alma” (v3). Se a comida do cristão é cumprir o propósito de Deus na vida, a nossa bebida é refrescarmo-nos na sua presença.

Elas descansam.

Deitar-me faz em verdes pastos” (v2). A história da Criação ensina-nos que o descanso faz parte da vida. Precisamos gozar as sombras da vida e descansar. Não somos máquinas nem somos chamados para ser burros de carga e sucumbir debaixo do peso excessivo, mas para ser ovelhas do rebanho do Bom Pastor.

Elas alegram-se.

“O meu cálice transborda (v5). Cálice que está cheio não comporta mais nada, sobretudo impurezas.

Os pastores normalmente tocam flauta durante a pastagem dos rebanhos porque isso é agradável aos animais. O salmista David nos seus tempos de pastor tocaria harpa.

Elas ouvem a voz do pastor.

“Porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam(v4). Não há nada como ter comunhão com Deus, ouvindo a Sua voz e desfrutando da Sua presença.

Elas são desparasitadas.

“Unges a minha cabeça com óleo (v5). O objectivo era acalmar os animais dos efeitos irritantes e dolorosos dos parasitas, que normalmente procuram as partes moles da cabeça das ovelhas.

Mas elas também se expõem a diversos perigos.

Desde logo aos ataques de predadores como os lobos, contra os quais muitas vezes se sentem indefesas. Existe também a possibilidade de se perderem quando se distraem nos pastos, dada a sua falta de capacidade de orientação, como nos explica a parábola da ovelha perdida. Há ainda a possibilidade de caírem de patas para o ar e já não se conseguirem levantar, em especial quando a lã é muita e pesa bastante.

Mas são perigos calculados, naturais no dia-a-dia de quem está vivo e se move. O estar fora faz parte da vida, mas não tem problema quando se está no rebanho e sob a protecção do pastor: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum” (v4).

Contudo esta frase desafia o nosso raciocínio: “Habitarei na casa do Senhor por longos dias” (v6). Mas afinal o que é a “casa do Senhor”? Esqueçamos a dicotomia igreja-mundo que tão perniciosa tem sido para o testemunho do Evangelho. O reino de Deus está onde está o Rei e os filhos do reino. O rei não o é apenas quando está dentro do palácio (a sua casa), mas em todo o lugar. Mesmo no estrangeiro não deixa de ser rei.

Pense nisso.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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