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Fogo estranho: Por que Nadabe e Abiú morreram diante do Senhor?

Estudo bíblico sobre a vida, ofício e morte dos filhos de Arão – Nadabe e Abiú – que ofereceram fogo estranho.

em

A morte de Nadabe e Abiú (Gerard Jollain)

O livro de Levítico diz respeito aos levitas e é um verdadeiro manual sobre as atribuições e responsabilidades dos sacerdotes de Israel. Orientações quanto ao que deveriam fazer e o que estavam proibidos de fazer, a fim de demonstrarem o zelo do Senhor e honrarem a Sua santidade diante do povo.

Este estudo bíblico, baseado no capítulo 10 de Levítico, destaca um caso fatídico de descumprimento por parte de dois sacerdotes das regulamentações já estabelecidas por Deus, e o castigo divino que se seguiu imediatamente. Estudemos e reflitamos atentamente, pois há muitas lições que se aplicam também a nós, Igreja do Senhor!

Os privilégios de Nadabe e Abiú

Jesus disse que a quem muito é dado, muito será cobrado, e a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá (Lc 12.48b). Então avaliemos as dádivas concedidas pelo Senhor aos dois filhos do sumo sacerdote Arão, para que então compreendamos o peso da responsabilidade deles diante dos demais levitas bem como de toda a congregação de Israel, e o porquê daqueles irmãos terem pago com a própria vida pela irreverência que demonstraram.

1°. Nadabe e Abiú procediam da tribo de Levi, a única tribo de Israel a qual Deus escolheu para oficiar no culto. Uma tribo de líderes espirituais, cujos filhos homens foram consagrados ao Senhor para o serviço no tabernáculo e, posteriormente, no templo. Era a tribo modelo por assim dizer, a tribo que Deus chamou para ser referência espiritual para as demais.

Estes irmãos nasceram numa família privilegiada por Deus! (Quantos hoje que nascem num “lar evangélico”, recebendo desde a mais tenra idade educação espiritual de boa qualidade, mas colocam tudo isso a perder tão logo alcançam a juventude? Ignoram para seu próprio prejuízo a criação que receberam junto à pais-pastores, mães de oração, irmãos músicos na casa do Senhor…)

2°. Nadabe e Abiú eram sobrinhos de Moisés e filhos de Arão, a quem Deus escolheu para encabeçar o sacerdócio de Israel. Não a outros, mas à família de Arão foi que Deus entregou o ofício sacerdotal, e tanto Nadabe como Abiú, além de seus outros dois irmãos Eleazar e Itamar, teriam, cada um por sua vez, o direito ao posto de sumo sacerdote, visto que este mais elevado cargo religioso seria passado de pai para filhos, por ordem de nascimento.

Ou seja, se já eram levitas e sacerdotes, Nadabe e Abiú tinham diante deles um futuro ainda mais promissor! (Quantos de nós hoje temos uma “carreira que nos está proposta” – Hb 12.1 -, mas preferimos trocar as glórias do porvir pelo prazer efêmero do pecado?)

3°. Nadabe e Abiú viram ou tomaram conhecimento de muitas manifestações sublimes do poder de Deus, desde as pragas que caíram sobre o Egito ao maravilhoso livramento dos primogênitos hebreus por causa do sangue aspergido nas portas; viram a mão poderosa do Senhor fazendo o mar Vermelho dividir-se em duas bandas, entre as quais uma multidão de judeus passou a pés enxuto; nas mesmas águas do mar Vermelho viram o exército egípcio perecer afogado; viram o monte Sinai fumegar e tremer diante da maravilhosa manifestação divina na qual os mandamentos foram entregues a Moisés; viram sinais e maravilhas operados no deserto.

Todas estas manifestações divinas que requeriam uma resposta reverente por parte dos adoradores de Yavé. Deus revelou-se grandioso, poderoso e temível (Dt 28.58), e não teria por inocente ao culpado. (Semelhante advertência está posta aos cristãos em Hebreus 6.4-6, quanto aos que receberam e viveram maravilhosas experiências com Deus, mas que desprezaram tudo indo após o pecado e a apostasia conscientemente. Há uma linha que quando ultrapassada não é possível mais voltar!)

Fogo estranho no altar

O incenso era coisa santíssima!

As regulamentações quanto ao altar do incenso, que ficava no primeiro cômodo interno do tabernáculo, o lugar Santo, estão no capítulo 30 do livro do Êxodo. Nos versículos 7 a 10 e 34 a 38 o Senhor dá a Moisés instruções quanto às responsabilidades de quem deveria oferecer regularmente este incenso e que essências deveriam ser usadas. E destaca-se: “O incenso lhes será santíssimo” (v. 36b, NVI).

O uso desse superlativo, “santíssimo”, deveria servir para inspirar temor e profunda reverência naqueles que ministrariam culto ao Senhor no tabernáculo. Os irmãos Nadabe e Abiú, e qualquer outro oficial do culto jamais poderiam alegar inocência, ignorância ou desatenção, pois as orientações eram claras e objetivas!

Fogo estranho – que é isso?

O texto bíblico, porém, revela a imprudência daqueles irmãos: “E os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, tomaram cada um o seu incensário e puseram neles fogo, e colocaram incenso sobre ele, e ofereceram fogo estranho perante o SENHOR, o que não lhes ordenara” (Lv 10.1). Discute-se a natureza deste “fogo estranho” oferecido pelos sacerdotes filhos de Arão, mas entre as respostas mais prováveis estão:

  1. O incenso não foi feito de acordo com as instruções de Moisés (Ex 30.34-38)
  2. O fogo não era proveniente do fogo que estava queimando no altar do holocausto (Lv 16.12)
  3. A oferta foi feita no momento errado (Ex 30.7,8)
  4. Nadabe e Abiú estavam embriagados, daí o porquê das orientações quanto à proibição da ingestão de vinho logo em seguida a morte deles (Lv 10.8-10)
  5. Os filhos teriam assumido uma função que naquele momento cabia exclusivamente ao seu pai, o sumo sacerdote Arão (se assim o for, desonraram também o próprio pai, agindo com impaciência e atrevimento)

O texto bíblico não revela objetivamente o que era o fogo estranho, mas fato é que aquela era uma oferta corrompida, maculada pela desobediência, imprudência, irreverência e desonra. Era um braseiro que não tinha conexão com o fogo legítimo de Deus no altar do holocausto. Christopher Wright comenta:

“O hebraico (zarâ) significa ‘estranho’, ‘vindo de fora’. Talvez tenham tirado [o fogo, isto é, as brasas] de fora do santuário e não do altar, como que dizendo: ‘Qualquer fogo serve’” [1]

Para quem pensa que se pode adorar a Deus de toda maneira – “cada um tem seu jeito de adorar”, dizem alguns modernistas – o texto de Levítico 10 é um chamado à atenção. O Deus que disse a Moisés: “tira as sandálias dos pés porque o lugar que estás é santo” (Ex 3.5), e que deve ser adorado na beleza de sua santidade (Ex 28.36; 1Cr 16.29), não tolerará que os adoradores se aproximem dele com irreverência. É preciso oferecermos a Deus um “culto racional” (Rm 12.1), com entendimento, com discernimento, para que não sejamos condenados pelo Senhor por banalizar o sagrado e trata-lo como coisa comum.

A adoração deve ser do jeito que Deus quer e determinou

Jesus disse que o Pai procura aqueles que o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23,24). Ou seja, nossa adoração deve partir do mais profundo do nosso ser, e não tornar-se cumprimento de meros ritos formalistas irrefletidos; e deve ser conforme a verdade de Deus, não segundo invenções de nossa mente. Deus deve ser adorado do jeito que Ele quer e merece, não do jeito que bem entendermos, com brincadeiras, irreverência ou misturando elementos de cultos pagãos com o culto santo do Senhor!

Que será que o Senhor está preparando para aqueles que transformaram a igreja em circo, o púlpito em picadeiro, os ministrantes em palhaços ou comediantes e o culto em verdadeiro show de humor? Que será que Deus fará aos que hoje transformaram o púlpito num verdadeiro balcão de negócios? Que será que Deus fará aos que colocam políticos descrentes para falarem ao rebanho do Senhor no culto do Senhor, tomando tempo e espaço na adoração da igreja?

Que será que o Senhor, santo e poderoso, fará aos que usam e abusam de falsas profecias em nome do Senhor, dizendo e prometendo coisas que o Senhor não disse, alimentando falsas esperanças de pessoas leigas e sofredoras? Há muita gente hoje oferecendo “fogo estranho” no altar do Senhor. Mas “Deus não se deixa escarnecer. O que o homem plantar, isso também colherá!” (Gl 6.7).

Luto no santo ministério

Nadabe e Abiú em meio ao fogo (Jim Padgett, cortesia da Distant Shores Media / Sweet Publishing)

Fogo contra fogo

Vejamos que ironia: Nadabe e Abiú foram oferecer ao Senhor “fogo estranho” (v. 1), mas do Senhor saiu o fogo verdadeiro que os consumiu! (v. 2). Fogo contra fogo! O falso não prevaleceu diante do verdadeiro; o estranho não prevaleceu contra o autêntico; a imitação não prevaleceu diante do original!

Os sacerdotes levaram um “foguinho”, mas Deus respondeu com um “incêndio” (v. 6)! Este é o Deus que é “fogo consumidor” (Dt 9.3; Hb 12.29). Digno de reverência é! Wright explica a natureza desse fogo do Senhor, para que não pensemos também que se tratou de uma grande fogueira descontrolada que tomou conta do tabernáculo (o que teria causado um incêndio geral naquela tenda):

foi provavelmente algo como a descarga elétrica de um relâmpago em vez de um grande incêndio, visto que suas túnicas [de Nadabe e Abiú] não foram destruídas, mas transformadas em mortalhas (v. 5)”  [2]

Se o fogo do Senhor manifesto a Moisés em Horebe queimava, mas não consumia a sarça (Ex 3.2), aqui o fogo do Senhor consumiu os sacerdotes, mas não as suas roupas nem o tabernáculo. O corpo foi atingido e derrubado ao chão, mas ao que parece as roupas sacerdotais ficaram intactas! Somente Deus pode atingir o mal com tal precisão!

Julgamento muito pesado?

Para quem julgar demasiado o juízo de Deus contra aqueles dois irmãos pelo “simples fato” de oferecerem fogo estranho, deve-se novamente lembrar que o castigo é sempre proporcional não apenas ao erro cometido, mas também leva-se em conta a posição ocupada por aquele que errou e o grau de revelação que ele recebeu de Deus. Ou seja, um mesmo pecado cometido por um ignorante e por um biblista terá punições diferenciadas, porque este sabia a vontade de seu Senhor e não a fez, enquanto aquele era ignorante dela. Tal proporção no julgamento é explicada pelo próprio senhor Jesus (Lc 12.47,48).

Por esta razão é que Tiago, irmão de Jesus, adverte: “Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo” (Tg 3.1).

Os que receberam de Deus maiores privilégios, receberão de Deus maiores cobranças! Em virtude disso, como podem tantas pessoas cobiçarem posições elevadas na obra de Deus, quando não foram vocacionadas para tal posto? Por que há disputa nalgumas igrejas por cargos de liderança? Por que há pastores disputando rebanhos? Enquanto crentes continuarem encarando cargos como troféus e recompensas, ao invés de responsabilidades e vocação divina, continuaremos a ver “fogo estranho” sendo oferecido no altar do Senhor. Mas ele não deixará isto impune! O julgamento começará pela casa de Deus (1Pe 4.17).

O comentarista Christopher Wright destaca assim a gravidade do pecado de Nadabe e Abiú: “É como se um pastor cristão, ao celebrar a Ceia do Senhor, inserisse rituais ou objetos associados ao ocultismo” [3]. Não é difícil ver sincretismo religioso em muitos cultos ditos “evangélicos” hoje em dia, onde são incorporadas crenças e práticas pagãs. Objetos de superstição, crendices oriundas de religiões não-cristãs e discursos em nada conectados à boa ortodoxia estão sendo oferecidos em muitas igrejas para perdição dos ouvintes e dos próprios falsos mestres (2Pe 2.1).

Exemplo? Darei alguns: igrejas celebrando casamentos gays, ordenação de pastores homossexuais e pastoras lésbicas, líderes religiosos reclamando legalização de aborto e liberação da maconha, outros há que defendam relações sexuais entre jovens solteiros, e já há quem esteja deixando de cantar “Deus cuida de mim na sombra das suas asas” para cantar junto com os ímpios “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”.

Já ouvi falar até de pastores que usaram dízimos da igreja para reconstruir templos de terreiros de macumba, tudo em nome de uma aproximação religiosa que é promíscua e se esconde por detrás de um discurso do politicamente correto. Fogo estranho!

Que Deus tenha misericórdia de Sua Igreja e a proteja contra o falso fogo, nem que tenha que enviar fogo do céu outra vez para remover os que banalizam o verdadeiro culto ao Senhor! (Quem achar isso impossível nos dias da graça, lembrem-se do casal Ananias e Safira – Atos 5!)

O lamento é proibido para que a santidade de Deus seja exaltada

Tão firme foi o castigo divino e tão séria era a lição que se deveria extrair daquele fatídico episódio, que Deus, através de Moisés, proibiu Arão e seus outros filhos, Eleazar e Itamar, de prantearem a morte dos filhos mais velhos, sob pena de também morrerem caso desobedecessem a ordem para não manifestarem luto (vv. 6,7).

Parece insensível que o luto fosse proibido aos parentes? É que neste momento, as lágrimas e o luto demonstrariam um sentimento de perca maior pelos filhos do que pela glória e a santidade de Deus que foram ofendidas pelos sacerdotes Nadabe e Abiú. Deus estava querendo ensinar uma nova lição a Arão e a todos os levitas: o pecado dos líderes causa maior dano à santidade de Deus e à Sua reputação no meio do povo, do que o dano que é causado à família destes líderes quando eles são punidos por Deus.

O amor a Deus acima de todas as coisas (Dt 6.5), inclusive da própria família, é novamente ressaltado, e agora não de modo teórico, mas prático! Foi uma lição amarga, mas necessária.

Foi por não aprender esta Lição, que o sacerdote Eli veio a morrer logo após a morte de seus filhos, também sacerdotes como Nadabe e Abiú, devido eles estarem tratando com desrespeito as ofertas e os sacrifícios. O próprio Deus o confrontou: “Por que pisastes o meu sacrifício e a minha oferta de alimentos, que ordenei na minha morada, e honras a teus filhos mais do que a mim, para vos engordardes do principal de todas as ofertas do meu povo de Israel?” (1Sm 2.29).

Jesus também nos ensina que o amor a ele deve estar acima do nosso apego à família:

“Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14.26).

Muitas vezes pecamos por excesso de condescendência, quando a compaixão leva-nos à frouxidão. O profeta Samuel quase escorregava nesse erro, quando Deus então lhe sacudiu: “Até quando terás dó de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que não reine sobre Israel” (1Sm 16.1). Não raro hoje, muitos pais estão querendo ter mais dó de seus filhos do que Deus tem por eles; muitos líderes querem ter mais compaixão de seus liderados do que Deus tem por eles. Esta Lição extraída de Levítico 10 deve levar-nos a refletir seriamente: Deus é bom e amoroso, tanto quanto santo e zeloso!

Conclusão

Nenhum de nós é perfeito e impecável – tais atributos são exclusivos de Deus. Entretanto, não podemos agir com atrevimento comparecendo ao Senhor para dar-lhe culto sem antes corrigirmos nosso coração diante dele. Jesus nos ensina, por exemplo, que se tivermos algo contra nosso irmão, devemos nos reconciliar com ele antes de oferecermos nossa oferta a Deus (Mt 5.23,24).

Ainda mais quando somos conhecedores da Palavra, não podemos acalentar pecados, pois Deus dará a cada um segundo as suas obras (Rm 2.6).

Sendo assim, que sirva para nós também o que Jesus disse a igreja de Éfeso:

“Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres” (Ap 2.5)

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REFERÊNCIAS

[1] [2] e [3] Comentário Bíblico Vida Nova, Vida Nova, p. 213

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