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Fechado com Bolsonaro? Bons motivos não podem virar justificativas para erros

Breve análise do apoio evangélico a Jair Bolsonaro

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Jair Bolsonaro. (Alan Santos / PR)

O que eu vou dizer neste texto não tem nenhuma relação com “lugar de fala” ou coisa do tipo, mas, sim, com a possibilidade que tenho de me expressar sobre o eleitorado evangélico sendo parte dele, enquanto a grande imprensa, recheada de progressistas e carregada de preconceitos contra os cristãos, não consegue atravessar a ponte e enxergar “o outro lado”.

Mais do que isso, como eleitor de Bolsonaro no pleito de 2018 e amigo de várias pessoas honestas e inteligentes (evangélicas ou não) que gostam dele, creio que posso apontar motivos que foram preponderantes para que o segmento protestante apoiasse o atual presidente (e não me refiro simplesmente a apoio oficial de lideranças, mas ao povo em si).

Um dos vetores da base eleitoral bolsonarista está relacionado ao campo dos valores éticos e sociais, e diz respeito principalmente aos temas do aborto, casamento gay e ideologia de gênero, o que entra no rol das bandeiras anticristãs defendidas pelo PT e partidos que orbitam na esteira de sua influência.

Essas questões são importantes para o eleitorado evangélico e estão associadas ao seu conservadorismo moral, formando um código de valores que orienta a bancada evangélica na Câmara dos Deputados.

Também no campo ético está o combate à corrupção, um dos fatores mais importantes para a eleição de Bolsonaro, por ser, então, um candidato tido por outsider e incontaminado com quaisquer escândalos, como os dantescos Mensalão e Petrolão.

Bem por isso, grande parte dos eleitores do atual presidente, incluindo evangélicos, tinham ampla simpatia pela Operação Lava Jato, o que faz do “lavajatismo” parte do fenômeno bolsonarista.

Deve-se ressalvar que o mesmo eleitorado evangélico tinha, ao menos em parte, aderido aos projetos eleitorais de Lula e Dilma, embora desde 2005 já houvesse elementos suficientes para se saber que o PT era corrupto e corruptor, e apesar de ser notória a sua defesa de tudo o que não presta em termos morais e éticos.

Todavia, demandas econômicas e sociais devem ter levado pessoas honestas a “tapar o nariz” e votar quatro vezes nos candidatos presidenciais petistas, os quais, como todo mundo sabe, no campo dos valores sempre foram contrários à ética cristã.

De toda maneira, desde o segundo mandato de Dilma Rousseff começou uma reviravolta, nascendo uma “onda conservadora” que se explica por fatores como fastio com a corrupção petista, preocupação com a economia e maior influência de formadores de opinião conservadores ou antipetistas. Vale destacar, ainda, que o curso do tempo revelou um avanço das pautas anticristãs no governo Dilma, gerando confrontos com a bancada evangélica.

O impeachment da presidente incapaz de articular pensamentos lógicos só não foi mais comemorado que a eleição de Jair Messias Bolsonaro, um aparente conservador casado com uma evangélica “neopentecostal” que se apresentou como defensor da Família, das Liberdades e do Cristianismo.

Aqui entram aspectos de interesse especial dos evangélicos, pois, de fato, o presidente não discrimina evangélicos – pelo contrário, lhes dá espaço;

  • nomeou a séria e competente Damares Alves, ativista cristã, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos;
  • não patrocina uma agenda abortista nem LGBTTQIA+;
  • nomeou um ex-missionário da Missão Novas Tribos para a área da FUNAI responsável pela coordenação de índios isolados e de recente contato;
  • pediu que o dia 5 de abril de 2020 fosse um dia nacional de oração e jejum;
  • frequentemente se acha em cultos evangélicos (embora também visite outros cultos, sua frequência em igrejas cristãs é certamente maior do que a de todos os seus antecessores).

Ocorre, no entanto, que na parte de combate à corrupção promessas de campanha e compromissos firmados publicamente têm-se derretido diante de atitudes que transmitem uma mensagem contrária:

  • há indícios veementes de que o presidente busca, sim, interferir politicamente na Polícia Federal, como ele mesmo confessou em pronunciamento realizado no dia 24 de abril de 2020, quando afirmou esperar que a corporação lhe forneça relatórios de inteligência (competência, na verdade, da ABIN) e informações sobre procedimentos de investigação de seu interesse;
  • pode nomear para a direção-geral da Polícia Federal um amigão da família Bolsonaro, sendo que seus três filhos com mandato são investigados, seja por “rachadinha” de salários de servidores, seja por suspeita de disseminação de fake news;
  • pode nomear para o Ministério da Justiça e Segurança Pública uma figura sem expressão no meio jurídico-político que, todavia, é muito ligada à família presidencial;
  • não apoiou decisivamente o então ministro Sergio Moro no combate à corrupção, deixando que um de seus mais importantes ministros se desidratasse paulatinamente;
  • nomeou para a Procuradoria-Geral da República alguém que criticava a Operação Lava Jato por supostamente atrapalhar a economia.

Mesmo diante dessas informações, muitos evangélicos compram a ideia de que notícias nesse sentido fazem parte de uma conspiração para derrubar o presidente, ainda que essas notícias deem conta da verdade; dizem que isso tudo é fruto da luta do sistema político e midiático para derrubar o primeiro presidente conservador e cristão, e o único que convocou a nação para orar e jejuar; dizem também que Bolsonaro foi “enviado por Deus”, o que, além de afastar possibilidade de crítica entre cristãos, torna até pecado discordar do presidente…

Se, por um lado, é certo que a Globo odeia o presidente Bolsonaro, e que, de fato, ele se vê às voltas com um sistema político corrupto e fisiologista, não se pode fechar os olhos para erros brutais que contrariam o discurso eticamente conservador.

Ademais, é bom registrar que, para o verdadeiro conservador, os meios qualificam os fins. Foi por “passar o pano” para os defeitos de Lula, em nome de “um bem maior” (a chamada “justiça social”) que o eleitorado deu mais três mandatos presidenciais ao PT, o que contou com o voto de muitos evangélicos que hoje se consideram bolsonaristas e conservadores desde sempre.

Cabe deixar claro que o conservadorismo moral nem sempre se faz acompanhar do conservadorismo político, e aqui temos um problema: a “onda conservadora” bolsonarista ostenta uma bandeira moralmente conservadora, mas sua política, longe de ser conservadora, tem uma inclinação reacionária, porque não consegue lidar normalmente com as instituições democráticas, precisando constantemente de um clima de “nós contra eles”, elegendo inimigos com vistas a inflamar a massa de apoiadores e esconder seu deserto de ideias e inabilidade política.

Poderemos, em breve, discutir se um cristão pode afirmar, com base bíblica, que determinado governante contemporâneo foi “enviado por Deus”, mas este artigo teve por objetivo apontar o seguinte: os bons motivos para votar em Jair Bolsonaro não podem ser traídos pela racionalização de erros em nome desses mesmos motivos.

A continuar assim, não construiremos um país, mas cavaremos um fosso entre nossos valores cristãos e nossa prática política.

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