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Deus, a filosofia e a sabedoria bíblica

O livro de Jó, tido como um dos mais antigos da Bíblia Sagrada, já falava acerca da sabedoria exaltando-a, além de conferir sua origem ao próprio Deus.

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Existem algumas correntes filosóficas que negam a existência de um ser criador e mantenedor de todo o universo, além de acreditar que o saber, como explicação da realidade, foi sobremodo esquematizado adequadamente somente a partir da passagem do mito (discurso alegórico, religioso) para o logos (discurso racional) por volta do século VI ou VII a.C. na Grécia antiga.

Neste contexto, dizem ainda que foi Pitágoras, quando indagado sobre ser sábio, quem preferiu ser chamado de philosofos (amigo da sabedoria), ao invés de sophos (sábio). Entretanto, alguns tem se esquecido de mencionar a motivação de Pitágoras ao se referir como filósofo. A história conta que Pitágoras não quis ser chamado de sábio porque acreditava que somente Deus ou os deuses possuíam uma sofia (sabedoria), ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro[1].

Por isso, percebe-se que a sabedoria de Pitágoras estava muito além de sua época. Sua motivação nos faz lembrar a passagem ocorrida (aproximadamente) no século X a.C., em que Deus concede sabedoria ao rei Salomão como resposta ao pedido dele[2]. Somente Deus pode conceder sabedoria aos homens. Ele concedeu sabedoria a Salomão de forma que os reis e os povos de sua época vinham até ele para ouvir e conhecer de perto a sua sabedoria.

A ideia do amor pela sabedoria, da reflexão e da esquematização intelectualizada do saber cotidiano (ainda que de modo menos intenso) ocorreu muito tempo antes do próprio Pitágoras. O livro de Jó, tido como um dos mais antigos da Bíblia Sagrada, já falava acerca da sabedoria exaltando-a, além de conferir sua origem ao próprio Deus. Muitos dos conceitos filosóficos desenvolvidos a partir dos pré-socráticos foram, séculos antes, tratados pelo próprio rei Salomão a exemplo do livro de Provérbios e de Eclesiastes, ambos de sua autoria.

Entender que a filosofia (como explicação racional das coisas e de si mesmo) se inicia somente e a partir da Grécia antiga parece um pensamento pretensioso, pois não considera a sabedoria hebraica, por exemplo, como um tipo de filosofia. Talvez, isto se dê por receio de as palavras da Bíblia Sagrada ser entendidas como verdades imutáveis ou por simples preconceito, em razão de a sabedoria judaico-cristã estar situada historicamente numa cultura e regime de governo teocráticos.

Voltando a questão do mito citada no inicio do texto, Marcelo Perine em seu livro Ensaio de Iniciação ao Filosofar, escreve: “O pressuposto fundamental da compreensão filosófica do mito é que ele, antes de tudo é palavra ou, que é o mesmo, uma das formas do discurso humano” (PERINE, 2007, p. 69). Com isso é possível compreender que nem todo o mito utilizado por alguma cultura arcaica para explicação da realidade pode ser tomado como alegórico, fantasioso ou mera lenda.

Isto nos remete a algumas questões cruciais:

Se o verdadeiro “saber racionalizado” se deu com o advento da filosofia grega, então porque a ideia de Deus, dos deuses ou da transcendência continuou ocupando um lugar especial nas reflexões filosóficas da quase totalidade dos filósofos gregos, bem como da “trindade grega” – Sócrates, Platão e Aristóteles?

Não deveria a ideia de Deus, dos deuses ou da transcendência ser suprimida da razão humana no momento, ou a partir, da passagem do mito para o logos?

Mais de 2500 anos se passaram desde a transição do mito para o logos e, porque mesmo com o advento do iluminismo e de seus corolários materialistas[3], a ideia de Deus, dos deuses ou da transcendência no campo religioso subsiste com relativa força em nosso tempo?

Finalmente, ao se intitular filósofo (segundo os historiadores), Pitágoras o fez por respeito (temor) ao próprio Deus, ou aos deuses, reconhecendo-O como único sábio. Isto, de fato, coaduna fortemente com a ideia bíblica de que: o temor do Senhor é o princípio da sabedoria[4]. Não que isto prove algo a respeito da existência de Deus, contudo é inegável o convite à reflexão mais aprofundada sobre esta questão que intriga a humanidade, desde a sua mais remota forma de busca pelo sentido da vida.

Portanto, suspeita-se que muito daquilo que várias correntes filosóficas tratam acerca da inexistência de um ser criador e mantenedor do universo se refere, como alguns autores tem pontuado, à inexistência do Deus judaico-cristão descrito pela Bíblia Sagrada. Nem mais, nem menos.

[1] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: antiguidade e idade média. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1990. p. 21.
[2] Passagem bíblica do Antigo Testamento registrada em 2º Crônicas 1.7-12.
[3] Movimentos como: cientificismo, positivismo, darwinismo, niilismo (mais tardio).
[4] Passagem bíblica do Antigo Testamento registrada em Provérbios 9.10.

Apologista cristão por vocação. Mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Campinas-SP. Formado em Filosofia também pela PUC-Campinas-SP e em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Independente de Campinas-SP.

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