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estudos bíblicos

Deus se arrepende?

Análise exegética e contextual da rejeição de Saul por parte de Deus e seu “arrependimento”.

em

Saul Reproved by Samuel (John Singleton Copley)

“Então veio a palavra do Senhor a Samuel, dizendo: “Arrependo-me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir, e não cumpriu as minhas palavras. Então Samuel se contristou, e toda a noite clamou ao Senhor.” (1 Sm 15:10,11)

וַֽיְהִי֙ דְּבַר־יְהוָ֔ה אֶל־שְׁמוּאֵ֖ל לֵאמֹֽר׃ נִחַ֗מְתִּי כִּֽי־הִמְלַ֤כְתִּי אֶת־שָׁאוּל֙ לְמֶ֔לֶךְ כִּֽי־שָׁב֙ מֵאַֽחֲרַ֔י וְאֶת־דְּבָרַ֖י לֹ֣א הֵקִ֑ים וַיִּ֙חַר֙ לִשְׁמוּאֵ֔ל וַיִּזְעַ֥ק אֶל־יְהוָ֖ה כָּל־הַלָּֽיְלָה׃ (Hebrew OT Westminster Leningrad Codex) 

נִחַ֗מְתִּיNihanti: Me arrepende, me angustia, me traz tristeza, me traz profundo pesar.

Em 1 Sm 15.35, observamos uma expressão semelhante:

“Nunca mais viu Samuel a Saul até ao dia da sua morte; porém tinha pena de Saul. O SENHOR se arrependeu de haver constituído Saul rei sobre Israel“.

וְלֹא־יָסַ֨ף שְׁמוּאֵ֜ל לִרְאֹ֤ות אֶת־שָׁאוּל֙ עַד־יֹ֣ום מֹותֹ֔ו כִּֽי־הִתְאַבֵּ֥ל שְׁמוּאֵ֖ל אֶל־שָׁא֑וּל וַיהוָ֣ה נִחָ֔ם כִּֽי־הִמְלִ֥יךְ אֶת־שָׁא֖וּל עַל־יִשְׂרָאֵֽל׃ (Hebrew OT Westminster Leningrad Codex)

נָחַם –  Nacham: Sentir muito, desculpar, consolar-se.

Porém, em 1 Sm 15.28,29 encontramos:

Então Samuel lhe disse: O Senhor tem rasgado de ti hoje o reino de Israel, e o tem dado ao teu próximo, melhor do que tu. E também aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa.” (KJA) (Grifo meu)

וַיֹּ֤אמֶר אֵלָיו֙ שְׁמוּאֵ֔ל קָרַ֨ע יְהוָ֜ה אֶֽת־מַמְלְכ֧וּת יִשְׂרָאֵ֛ל מֵעָלֶ֖יךָ הַיֹּ֑ום וּנְתָנָ֕הּ לְרֵעֲךָ֖ הַטֹּ֥וב מִמֶּֽךָּ וְגַם֙ נֵ֣צַח יִשְׂרָאֵ֔ל לֹ֥א יְשַׁקֵּ֖ר וְלֹ֣א יִנָּחֵ֑ם כִּ֣י לֹ֥א אָדָ֛ם ה֖וּא לְהִנָּחֵֽם׃ (Hebrew OT Westminster Leningrad Codex) (Grifo meu)

יִנָּחֵ֑ם – Ynacham: desculpa, lamentar, sofrer pesar, arrepender-se dos próprios atos.

לְהִנָּחֵֽם – Lehinahem: Ou mudar de ideia; pois ele não é homem, NVI: porque ele não é  homem, para que se arrependa. INT: Um homem que ele pensa.

Percebe-se que, segundo consultas ao “Strong Exhaustive Concordance” a palavra hebraica (radical) נָחַם  e suas derivações contextuais vão sempre ter o sentido de: sentir muito, entristecer-se, condoer-se, sentir pena, mudar a ideia, desculpa, sentir pesar e trazer tristeza a si mesmo.

Uma raiz primitiva também pode significar: suspirar, isto é, respire profundamente; por implicação, desculpe-se, isto é (em um sentido favorável) por pena, consolo ou (reflexivamente) tristeza; ou (desfavoravelmente) vingar-se (a si mesmo) – conforto (eu), tranquilidade (própria), arrepender-se, desculpe, tenha pena, tenha compaixão pelos outros, desculpe, lamentar, sofrer pesar, arrepender-se dos próprios atos.

Será que estamos diante de uma contradição bíblica? Calma, não se trata disto!

Antes de estabelecer-se uma conclusão se o Senhor foi surpreendido com a escolha de Saul como rei e então “se arrependeu” do ato “impensado” precisamos fazer algumas considerações teológicas.

Em primeiro lugar o nosso Eterno Deus possui alguns atributos que são classificados como incomunicáveis, tais como: soberania, eternidade, onipresença, onipotência, santidade e onisciência, etc.

Onisciência é uma palavra de origem latina formada pela aglutinação do termo “omni” “todo” ou “completo”, e “scientia,” que significa “conhecimento”. Logo, “Ser Onisciente” significa saber de tudo.

Outra questão é que o nosso Deus não se limita às dimensões espaço e tempo, sendo assim, ontem, hoje e amanhã para Jeová se resume em “Hoje”. Por isso, qualquer episódio futurístico na compreensão humana já aconteceu no plano divino.

Conclui-se, então, que nada poderá surpreender ao nosso Criador. Ideia que com certeza desmonta as heresias da Teologia Aberta. (Teologia Aberta ou Teísmo Relacional – É erroneamente tido como a corrente teológica que nega a onisciência de Deus. No entanto, ela tem a ver, antes de tudo, com a natureza do futuro. Seus proponentes advogam que o futuro não está completamente definido, sendo parte dele, assim, composto de possibilidades. Logo, Deus, conhecendo a realidade perfeitamente, assim conhece o futuro – como parte definido e parte composto de possibilidades.”)

De posse destas informações podemos compreender então que jamais o Senhor tomaria uma decisão que viesse a se arrepender de suas consequências, uma vez que todo os desdobramentos deste ato são patentes aos Seus Santos olhos.

“Eu sou o Alfa e o Ômega”, diz o Senhor Deus, “o que é, o que era e o que há de vir, o Todo-poderoso.” (Ap 1:8)

“Então Jó respondeu ao Senhor: “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado.” (Jó 42:1-2)

“Pois nada é impossível para Deus”. (Lc 1:37)

Outro aspecto a se considerar sãos as figuras de linguagem abundantemente utilizadas pelo Senhor para se fazer compreender pelos homens.

Dentre a infinidade de metáforas utilizadas pelo Criador nas Santas Escrituras quero destacar duas delas, a Linguagem Antropomórfica (Cuja forma aparente evoca a de um ser humano; antropomorfo. 2. Descrito ou concebido sob uma forma humana ou com atributos humanos; antropomorfo) Ex: As mãos do Senhor, Seus olhos, Seus pés, a boca de Deus, etc; e a Linguagem Antropopática (Adjetivo Relativo ou pertencente à antropopatia. Que atribui sentimentos humanos a algum ser que não é humano, no caso Deus).

O Espirito Santo então usa uma linguagem humana para expressar os sentimentos divinos.

Quando Samuel nos informa que: “O SENHOR se arrependeu de haver constituído Saul rei sobre Israel“, de forma alguma quer dizer que Jeová amargava as consequências de ter tomado uma “decisão impensada” ao escolher o benjamita como soberano de Israel, mas sim que Deus estava “profundamente entristecido” pela negligência e desobediência de Saul, não atendendo às Suas ordenanças.

Ou ainda que foi uma atitude “lamentável” a de Saul, a ponto de causar um estado de angustia ao Eterno, sabendo-se que tanto o sucesso da nação como do Rei eram condicionais à fidelidade:

“Se temerdes ao SENHOR, e o servirdes, e lhe atenderdes à voz, e não lhe fordes rebeldes ao mandado, e seguirdes o SENHOR, vosso Deus, tanto vós como o vosso rei que governa sobre vós, bem será.” (1 Sm 12:14)

Pode significar também que, à partir desta atitude de Saul Deus dá um novo curso na história para que tudo suceda segundo ao Seu propósito, ou seja, o Eterno interfere no tempo e no espaço da dimensão humana, interagindo como se fosse um de nós, com as mesmas indignações e sentimentos humanos.

Assim, as atitudes de Saul foram de tal forma decepcionantes que causaram um profundo sentimento de repulsa, tristeza e indignação ao Senhor. Contudo, como nada foge ao Seu controle, um novo Rei, segundo o Seu coração já estava sendo preparado (Davi só assumiu o Trono após aproximadamente 15 anos, mais uma comprovação de que tudo fazia parte dos desígnios de Adonai):

“…e Samuel concluiu: “Eis que hoje Yahweh arrancou de ti o reinado de Israel e já o entregou a um teu próximo, que é melhor do que tu!” (1 Sm 15.29)

“E, quando este foi retirado, levantou-lhes como rei a Davi, ao qual também deu testemunho, e disse: Achei a Davi, filho de Jessé, homem conforme o meu coração, que executará toda a minha vontade.”  (Atos 13:22)

Não há, como visto acima, nenhuma contradição, mas uma expressão que procura humanizar o sentimento de tristeza do Pai.

“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” (Nm 23:19)

Saiba que aquilo que foi decidido e definido pelo Senhor DECRETADO está, não se mudará :

“Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.”  (Tg 1:17)

Que o Senhor nos abençoe hoje e sempre!

Graduado em Teologia. Pós-graduado em Teologia Bíblica. Mestre em Sociologia da Religião. Doutorando em Teologia.

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