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opinião

Desidratação espiritual

A água viva está disponível para todos

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Cachoeira. (Photo by Nathan Anderson on Unsplash)

O Evangelho de João (4:3-30) relata um curioso encontro protagonizado por Jesus de Nazaré com uma mulher anónima de Samaria.

Este quadro inusitado tem inspirado pregadores, teólogos, escritores e pintores ao longo dos séculos, não apenas pelo insólito da situação em si mesma – naquela tradição cultural uma mulher nunca se poderia encontrar a sós com um homem, a menos que fosse seu marido ou familiar – mas sobretudo pelo teor do interessante diálogo que o Mestre estabeleceu e manteve com ela.

O episódio gira à volta da água, elemento indispensável à vida dos seres vivos. Mas no sentido espiritual o precioso líquido é igualmente muito relevante.

Nas Escrituras, a água por vezes representa limpeza e alívio, como na prática cultural da lavagem dos pés aos visitantes, para trazer frescura, alívio, limpeza e massagem.

Mas também no sentido de renovação, como no caso do dilúvio, ou no novo nascimento, atendendo ao ritual do baptismo, ou ainda simbolizando vida espiritual, como quando o Mestre disse à mulher de Samaria “Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre” (João 7:38).

A água enquanto símbolo inspira-nos sobretudo a reflectir em três verdades espirituais notórias e basilares.

As pessoas têm sede

As pessoas estão numa situação que poderíamos descrever como espiritualmente desidratadas. Tal como aconteceu com a samaritana que se encontrou com Jesus junto ao poço de Sicar, as pessoas andam cheias de problemas, desesperadamente secas, aspiram por refrescamento.

O profeta Isaías retratou isso muito bem (41:17): “Os aflitos e necessitados buscam águas, e não há, e a sua língua se seca de sede; eu o Senhor os ouvirei; eu, o Deus de Israel não os desampararei.” Mas o Salmista não lhe ficou atrás (63:1): “Ó Deus, tu és o meu Deus, de madrugada te buscarei; a minha alma tem sede de ti; a minha carne te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água”. Ou ainda “Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (Salmo 42:1,2).

A mulher foi ao poço em plena canícula, ao meio dia (hora sexta), quando os caminhos estavam praticamente desertos, provavelmente para não se cruzar com ninguém, dada a sua fraca reputação social. Era uma mulher solitária. Devia ter poucas amigas e nem essas quereriam ser vistas em público com a mulher que já tinha tido cinco maridos e agora estava envolvida com um marido alheio.

Para matar a sua sede as pessoas tentam encontrar água de qualquer maneira

Tal como a samaritana, as pessoas esforçam-se para acabar com a sua sede, mas fazem-nos de qualquer maneira, por vezes já em desespero de causa. Mas não se pode beber uma água qualquer.

Miguel Torga, no poema “Súplica”, diz: “Não perturbes a paz que me foi dada. / Ouvir de novo a tua voz, seria / Matar a sede com água salgada.” De facto, uns tentam matar a sede com bens materiais, outros com o afecto de alguém, outros com o que lhes dá prazer, outros com o excesso de trabalho, dentre muitas outras tentativas. O problema é que tantas vezes não se conseguem aperceber de que andam a matar a sede com água salgada, como dizia o poeta português e ficam ainda com mais sede.

Afinal, mais do que encontrar água, as pessoas precisam é de encontrar a fonte da água viva

Tal como a samaritana, as pessoas precisam mais da fonte do que da água. Mais do abençoador do que das bênçãos. Mais do dador da vida do que da vida: “Aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna” (4:14).

A proposta de Deus é ampla e totalmente inclusiva: “Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Isaías 55:1).

A boa notícia é que esta água viva está disponível para todos. Só não bebe quem não quer.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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