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opinião

Como e porque a moral cristã definha em mãos modernas

Há alguns anos, embora não seguissem a moral cristã, os ocidentais eram majoritariamente defensores da ideia de que aquela era a prática correta, indiscutivelmente superior ao vácuo, por exemplo, dos exemplos modernos da libertinagem ateia.

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O notório filósofo polaco-belga Chaïm Perelman (1912-1984) fez, no século XX, uma extraordinária contribuição para a retórica, no que chamou de “Nova Retórica” e, mais especificamente, uma diferenciação precisa, mas pouco percebida, sobre persuasão e convencimento. Para Perelman, o convencimento se dá quando os seres racionais assentem, isto é, concordam com determinada ideia, argumento, exposição.

O convencimento seria, portanto, puramente racional: quando se “abraça” determinado argumento, ainda que no campo do “razoável” apenas, ou do verossímil. Aquilo, portanto, fica estabelecido como uma verdade em nossas almas. Quando isto acontece, podemos dizer que houve convencimento de uma pessoa ou determinado grupo em relação àquilo que lhes foi apresentado.

A persuasão, por outro lado, embora pareça ser idêntica que o convencimento, na verdade não seria a mesma coisa. Persuasão dar-se-ia quando, ao ouvir até uma ideia que lhe seja a princípio contrária, um determinado grupo de indivíduos mude de opinião, aceitando a nova exposição como verdade e, consequentemente, mudando também de hábitos (costumes), afim de que haja adequação entre a vida em si e a ideia que agora passa a ter um status de verdade norteadora. Em outras palavras, para Perelman, a persuasão se dá realmente quando há uma mudança nas ações: aí podemos afirmar que alguém ou determinado grupo foi persuadido à mudança e não apenas convencido desta ou daquela ideia.

Por que exponho essas diferenças? Porque a cada dia que passa, tenho mais convicção de que estamos em uma sociedade na qual os preceitos morais – e no nosso caso, preceitos cristãos -, que até então perfilavam entre os moralmente mais relevantes, ainda que apenas no âmbito do convencimento, atualmente nem esse status têm mais! Numa linguagem mais teológica, não dizemos apenas que as pessoas são “persuadidas a serem cristãs”, mas “são convertidas a Cristo”, entendendo, contudo, que as expressões significam praticamente a mesma coisa.

Na persuasão há mudança de conduta; uma prova genuína de que houve algo além do mero convencimento. Veja, prezado leitor, que as pessoas não apenas se convenceram de que fumar, por exemplo, é prejudicial. Elas foram persuadida a não fumarem e o hábito de fumar tem caído em desuso paulatinamente. Não podemos dizer o mesmo em relação aos preceitos morais cristãos. Pelo contrário!

Observa-se que, há alguns anos, embora não seguissem a moral cristã, os ocidentais eram majoritariamente defensores da ideia de que aquela era a prática correta, indiscutivelmente superior ao vácuo, por exemplo, dos exemplos modernos da libertinagem ateia. Até a invasão da chamada Nova Era, com seu neopaganismo trazendo um forte sentimento de autoindulgência, não logrou êxito na tentativa de se substituir a moral cristã como paradigma sociocultural em fins do último milênio. As pessoas ainda sabiam, ou seja, eram convencidas de que a moral cristã é superior àquilo que se nos apresentava estranho, como se algo em nós não permitisse que nosso modo de vida fosse violentado frente a um invasor estranho, ainda que sedutor.

Infelizmente, a moral cristã tem perdido este status com a vontade coletiva desejando que aquela ceda espaço à outra moral, outros costumes, o que se nos denota uma mudança ainda mais radical em nosso pensamento; muito mais radical do que se imagina. A própria base da moral cristã está em jogo; jogo esse, cujas regras são turvas e os resultados, imprevistos. A decadência moral sobre a qual os cristãos têm alertado a sociedade ocidental é, na verdade, um jogo de definhamento e substituição da verdade que convence e persuade: paulatinamente, há algo que persuade o homem a fazer, primeiro, o contrário do que está (ou estava) convencido para, agora, convencê-lo de que a forma como vivia, pautada na moral cristã, está fundamentalmente errada e um novo estilo de vida deve nortear sua alma; e não é nenhum outro, senão o se lhe apresenta rapidamente numa moral anticristã.

Findo estas breves palavras lembrando o célebre cronista inglês G. K. Chesterton (1874-1936), que foi um exímio intérprete de seu tempo e um visionário do que seria a nossa contemporaneidade. Escrevendo até a década de 30 para periódicos britânicos, Chesterton normalmente acertava em cheio em suas análises e previsões, e um dos seus temas prediletos era aquilo em que se tornara a modernidade e seus porquês. Certa vez, registrou:

“O fato é este: que o mundo moderno, com todos os seus movimentos modernos, está vivendo do seu capital católico. Está usando, e esgotando, as verdades que permanecem do antigo tesouro da cristandade, incluindo, claro, muitas verdades conhecidas da antiguidade pagã, mas cristalizadas na cristandade. Mas o mundo moderno NÃO está realmente inaugurando suas próprias devoções. A novidade é uma questão de nomes e rótulos, como a propaganda moderna; de quase todas as formas, a novidade é simplesmente negativa. Não está iniciando coisas novas que ele [o mundo moderno] possa conduzir muito longe no futuro.

Ao contrário, está tomando coisas antigas que não pode conduzir em absoluto. Pois estas são as duas marcas dos ideais morais modernos. A primeira, que eles são tomados de empréstimo ou arrebatados de mãos antigas ou medievais. A segunda, que ele definha muito rapidamente em mãos modernas. Esta é, muito brevemente, a tese que defendo”, do livro The Thing (A Coisa), publicado em 1929.

Bacharel em Teologia e Filosofia. Pós-graduado em Gestão EaD e Teologia Bíblica. Mestre e Doutorando em Filosofia pela UFPE. Doutor em Teologia pela FATEFAMA. Diretor-presidente do IALTH -Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades. Pastor da IEVCA - Igreja Evangélica Aliança. Casado com Patrícia, com quem tem uma filha, Daniela.

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