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opinião

Bússola, antena e radar

Voltemos às Escrituras como referência máxima.

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Bússola na mão. (Aron Visuals / Unsplash)

No seu filme, Medeia, Pasolini coloca em cena toda a paixão da clássica tragédia grega de Eurípedes. Num dado momento do filme, um grupo em viagem decide acampar em pleno deserto.

Maria Callas – que interpreta Medeia – imensa e divina exclama: Aqui não! “A terra aqui não tem sustentação” – continua desesperada – “procurem uma árvore, uma pedra”.

E de seguida atira uma pedra para o deserto: “acampamos ali” – afirma ela. É um deserto! Nada existe. Apenas aridez e espaço inóspito. Todavia, o lugar da pedra é um começo. Uma referência.

A bússola indica o Norte

Vivemos, presentemente, nos escombros da esperança. Na ressaca dos sentidos. Sedentos de referências que deem significado à nossa realidade. Sempre foi assim. O cardeal Tolentino recentemente afirmou que o “itinerário histórico faz-se aos solavancos”. Pleno de fragilidades.

Houve um momento histórico em que nos orientávamos com uma bússola no bolso. Ela indicava o Norte. Nesse tempo todos os tráficos de afetos e de sentido, exerciam um magnetismo inequívoco sobre a agulha da bússola.

Influências religiosas, filosóficas e artísticas, desaguavam em respostas naturais. Sentíamo-nos em casa. Era a tranquilidade.

O radar gera a morte

No século XX, aconteceram rupturas e mudanças culturais. Fenômenos como o feminismo, o ativismo pelos direitos humanos, a importância do bem-estar pessoal acima de tudo o mais (hedonismo), e duas guerras mundiais, rasgaram o tecido social de tal forma que um ambiente de morte foi gerado. Até a morte de Deus foi decretada! E, deu-se uma reorientação na viagem. Lançamos mão do radar. O Norte deixou de ser a fiel referência.

A humanidade partiu à busca de novos rumos, novas aventuras, novos caminhos. Novos desertos onde assentar pedras. Só que o radar, pela sua natureza, potencia a busca. Multiplica as escolhas. Desmultiplica os sentidos e amplifica os afetos.

Infinitos microcosmos se desnudaram à nossa frente. Todavia, nas múltiplas possibilidades habitava a inércia da morte. Restou, o bip-bip-bip do radar, nas retinas dos nossos dias e noites.

A antena da sorte

Hoje vivemos um eclodir de repentinas mudanças. Não caminhamos com o Norte como guia. O radar deixou de ser útil porque apenas registra os imensos caminhos a peregrinar. A antena passou a ser o instrumento de navegação existencial. Com um detalhe essencial: basta ir ao sabor das ondas. Porque, com a antena não fazemos buscas de sentido. Tudo chega até nós! Todos os caminhos estão abertos e o tráfego tem sempre sinal verde.

Chega-nos tudo por todos os meios, e ao mesmo tempo. No Facebook, no correio eletrônico, no WhatsApp, no Insta, pela rádio (lembram-se!?), na TV, nos jornais… Enfim!

De forma automática as mensagens invadem o nosso itinerário e vão-se posicionando. O nosso dilema é descodificar. E as nossas habilidades de interpretação são curtas. Falta-nos o golpe de asa para distinguir, destrinçar, diferenciar. Não temos a sustentação para despoletar o saber. Não temos raízes para aprofundar o florescimento da árvore existencial. Vivemos a crise da interpretação.

Sugiro, por isso mesmo, retomarmos urgentemente, os itinerários trilhados pelos primeiros cristãos. Voltemos ao deserto para habitarmos no silêncio. Para lançar pedras de referência. Para ganharmos sustentação anímica. Voltemos às Escrituras como referência máxima.

Hebreus diz-nos que Deus nas diferentes épocas tem falado de muitas formas (Hb. 1:1-2). Todavia, hoje continua falando por Cristo, Seu Filho. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele é referência sempre atual.

Paulo escrevendo a Timóteo declara que toda a Escritura é útil para ensinar, corrigir e instruir (2 Tim 3:16). Pedro lembra-nos que temos a Palavra de Deus confirmada nas nossas vidas, e que fazemos bem em lhe dar atenção porque ela é uma luz que brilha nos lugares escuros (olha que descrição perfeita do nosso mundo), até aquele momento em que a estrela da Alva voltar (2 Pe 2:19).

Eis as nossas referências. Eis a nossa pedra (verdades sobre as quais o edifício da Igreja se fundamenta). Eis a nossa sustentação. Temos um NORTE. Sabemos o caminho! E mais… Não somos órfãos! Temos o Espírito de Verdade que em nós habita. O Consolador (João 14:15-18).

Formou-se em Teologia na Inglaterra, exerceu trabalho pastoral durante 25 anos em Portugal e vive há 12 anos no Brasil onde ensina Inglês como segunda língua.

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