estudos bíblicos

As consequências do pecado de Davi

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 11 do trimestre sobre “O Governo Divino em Mãos Humanas – Liderança do Povo de Deus em 1º e 2º Samuel”.

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Nem mesmo Davi, homem segundo o coração de Deus, estava livre das consequências do pecado. Ninguém está!

A Lição de hoje, baseada no décimo segundo capítulo de 2Samuel servirá ao propósito de nos mostrar que o prazer momentâneo do pecado não compensa a aflição que suas consequências deixam após o ato consumado.

Calcemos as sandálias da humildade, e, com a Bíblia em mãos, passemos a estudar esta preciosa Lição.

I. O conceito de pecado no Antigo e Novo Testamento

Como bem pontuou Blocher, “uma das principais marcas da religião bíblica é a preocupação com o pecado. A denúncia do pecado e o anúncio das maldições resultantes dele ocupam mais da metade dos Livros Poéticos (Mq 3.8); Salmos e os Livros Sapienciais incluem muitas confissões e repreensões de pecado; a história sagrada ressalta as consequências da desobediência de pessoas e governantes; a ênfase é basicamente a mesma no NT…”[1].

Vejamos sucintamente o que os dois testamentos bíblicos têm a dizer sobre o que é o pecado.

1. No Antigo Testamento

Há uma grande variedade de termos no hebraico bíblico que fazem alusão ao pecado; são pelo menos 50 vocábulos diferentes, dentre os quais destacamos os dois mais importantes e seus respectivos significados.

A) hattã’t – segundo o Dicionário Vine[2], este vocábulo aparece em torno de 293 no Antigo Testamento, e seu significado básico é pecado no sentido de errar o caminho ou o alvo (Êx 20.20). Os homens devem se voltar do pecado, um caminho errado, um estilo de vida ou ato que diverge do que Deus determinou. De fato, no caso em estudo nesta Lição, vemos que Davi, ao adulterar com Bate-Seba e tramar o assassinato de Urias, estava desviando-se de um estilo de vida que lhe fora típico desde sua consagração na casa de seu pai Jessé para acomodar-se ao desejo carnal.

B) ‘awôn – ainda segundo Vine, esta palavra deriva-se de outra que significa “ser curvado, torcido, deturpado, pervertido” (1Sm 3.13); logo, o termo ‘awôn retrata o pecado como uma perversão da vida (uma torção do que é certo), uma perversão da verdade (quando se verga para o erro), ou uma perversão da intenção (quando a vontade se dobra deliberadamente para a desobediência). Em Davi vemos essa inclinação perversa para o mal, quando se curvou ao seu desejo carnal ao invés de reprimi-lo e dominá-lo (Gn 4.7b). É quase incrível que um homem tão sensível a Deus como era Davi tenha se demonstrado tão insensível na sequência de atos após a cobiça pelo corpo da mulher de Urias.

2. No Novo Testamento

Ainda que em frequência bem menor, comparado à língua hebraica, o grego do Novo Testamento também traz uma variedade de palavras quando trata do assunto “pecado”. Poderíamos falar dos vocábulos gregos parabisis, que significa “transgressão”, ou de paraptôma, que aponta para “queda”, ou ainda de hôbâ, que fala de “dívida”. Porém, destacamos as duas palavras mais importantes usadas pelos escritores neotestamentários:

A) hamartia – daí vem o termo conhecido dos estudantes de teologia, hamartiologia, que é a disciplina em teologia sistemática que estuda “a doutrina do pecado”. Este vocábulo têm sentido semelhante ao de hatta’t na língua hebraica, ou seja, errar o alvo ou desviar-se de uma conduta moral adequada (1Co 6.13, “impureza”). O pecado é sempre um erro e um desvio da direção estabelecida por Deus.

B) adikia – palavra amplamente utilizada pelos gregos, e que faz alusão à injustiça (1Co 6.9), isto é, toda atitude contrária ao que é justo, ao que é legal, ao que é reto. Assim, pecado é toda falta de conformidade com a lei de Deus.

II. A repreensão do profeta Natã ao rei Davi

1. Uma consciência morta

Dizia o teólogo holandês Jacó Armínio: bona conscientia paradisus, expressão em latim que quer dizer “uma boa consciência é um paraíso”. De fato, como é bom podermos estar não apenas tranquilos em nossa consciência, mas convictos em nossa consciência de que estamos seguindo a direção de Deus e contando com sua aprovação! Quem dera pudéssemos todos dizer como Paulo: “Meus irmãos, tenho cumprido meu dever para com Deus com toda a boa consciência, até o dia de hoje” (At 23.1, NVI).

Entretanto, o pecado pode operar em nós de tal modo a fazer adormecer e cegar nossa consciência, levando-nos à acomodação e privando-nos daquela sensibilidade espiritual pela qual discernirmos o que é bom e o que é mau. O pecado embaça e até cega nossa visão espiritual; adormece e até endurece nossa consciência, impedindo-nos de perceber a gravidade de nossas ações (Hb 3.13). É o que vemos acontecer em Davi.

Muito tempo se havia passado, após seu adultério, e Davi tornara-se tão insensível aos seus pecados que sequer se deu conta de que o vilão na história narrada pelo profeta Natã dizia respeito ao próprio Davi. Poderíamos até dizer que Davi agiu como um hipócrita, entretanto, tão cegado estava o rei que hipocrisia não é o termo adequado para descrever seu comportamento, já que ele não tinha em seu interior a consciência de pecado; o rei pensava mesmo que suas ações foram normais, e agora condena-se a si mesmo quando diz: “digno de morte é o homem que fez isso” (2Sm 12.5b).

Para fazer Davi recobrar a consciência e perceber a gravidade de sua ofensa contra Deus, foi necessário o corajoso profeta Natã confrontar Davi na face: “Tu és este homem” (v. 7). Com muita facilidade, a exemplo de Davi, reprovamos nos outros os pecados que há em nós; condenamos “o servo alheio” (Rm 14.4) pelos mesmos erros que praticamos e aos quais nos acomodamos.

Temos sempre pedras nas mãos para tacar contra um irmão que foi flagrado com “cisco no olho”, mas deixamos de nos olhar no espelho da Palavra e perceber que em nosso olho há uma “trave”, uma transgressão muito maior! Nessas horas precisamos ser confrontados como Davi, e julgarmos a nós mesmos para não sermos julgados por outros. Todavia, Deus é tão bom que nos permite muitas vezes sermos confrontados e julgados, para não sermos condenados com o mundo (1Co 11.31,32).

2. Mostrando a gravidade do seu pecado

O profeta Natã descreve a Davi, através de uma parábola, o mal que o rei tinha praticado contra o homem que tinha uma única ovelhinha – este homem era o soldado Urias, que tinha uma única esposa a quem muito amava, enquanto Davi tinha várias mulheres, além de concubinas.

Davi foi cobiçoso (desejou o que não podia ter), ganancioso (queria mais do que precisava), adúltero e cruel homicida! Ele mesmo, ainda que não soubesse o real propósito da parábola contada pelo porta-voz do Senhor, havia admitido a gravidade da transgressão do “homem rico” que se apropriara indevidamente da cordeirinha do homem pobre para satisfazer o amigo visitante: “digno de morte… pela cordeira tornará a dar quadruplicado… não se compadeceu” (2Sm 12.5,6).

Toda conduta que não se adequa à vontade de Deus é pecado, porém, é inegável que existem pecados de maior gravidade que outros, especialmente se cometidos por pessoas que receberam de Deus maior revelação e maiores responsabilidades, como é o caso de Davi. Ele, que tantas vezes exaltou a Lei do Senhor em suas canções (ou salmos), sabia qual era a vontade de seu Senhor, mas não a fez, contrariando-a na verdade (Lc 12.47,48).

3. Traindo a generosidade divina

Conforme as palavras de Natã, Deus havia feito grandes coisas por Davi, que ele, em seu pecado, parecia ignorar ou perverter:

a) Deus ungira Davi rei de Israel. Davi não usurpou nem pelejou para tomar o trono, Deus mesmo o escolhera para isso quando ainda era um adolescente.

b) Deus livrara Davi das mãos sanguinárias de Saul. Não foi por habilidades próprias de Davi, mas por proteção divina que ele conseguira escapar das ameaças de morte do rei Saul.

c) Deus deu as regalias de Saul a Davi. Tanto o palácio como as mulheres de Saul foram dadas a Davi.

d) Deus deu o reino unificado de Israel e Judá a Davi. Não somente a tribo de Judá, como fora nos sete primeiros anos, mas todo o reino de Israel foi dado a Davi.

e) Deus poderia ter feito muito mais a Davi. Noutras palavras, o que quer que Davi precisasse, como necessidade real, o Senhor lhe teria concedido, já que sua sabedoria é infinita, seu amor é imensurável e seu poder é grandiosíssimo!

Deus fora muito generoso com Davi, aquele que outrora fora ignorado como o “menor” na casa de seu pai Jessé, um mero cuidador de ovelhas. Deus o exaltou sobremaneiramente, mas por não levar em conta tudo isso, Davi foi acusado de desprezar a Palavra do Senhor e fazer mal aos seus olhos (2Sm 12.9). Como disse Jesus, “a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá” (Lc 12.48).

O que o Senhor nos confiou? Em que lugares Ele nos colocou? Que dons nos entregou e que milagres em nós operou? Como estamos retribuindo ao Senhor por todos os benefícios que nos tem feito? Demonstremos a Deus gratidão diária por todos os seus grandes feitos em nossas vidas, e, na medida do possível, retribuamos ao Senhor com nosso amor, reverência e obediência à sua Palavra. É caro o preço da ingratidão!

III. As consequências do pecado de Davi

1. As consequências pelos pecados cometidos

O pecado de Davi fora perdoado porque ele demonstrou arrependimento genuíno. O texto de 2Samuel 12 é muito breve quanto ao registro da confissão de Davi (“Pequei contra o Senhor” – v. 13), porém, como se pode ver no Salmo 51, o rei Davi humilhou-se profundamente diante do seu Deus de quem obteve o pronto perdão.

Mas a despeito do perdão de Deus, Davi amargou as consequências de seus erros, e isso serve-nos como uma grande Lição para quando o pecado sussurrar aos nossos ouvidos: “Você pode ser perdoado por Deus depois”. Deus perdoa, se há arrependimento verdadeiro, entretanto, será que vale a pena sofrer as consequências do pecado? Teria Davi preferido pecar para depois se arrepender, se ele tivesse medido as consequências de seus atos previamente e visto a desgraça que se instauraria em sua família? Com certeza não. O pecado não vale a pena!

O prenúncio de Natã quanto às desolações que abateriam Davi, sua família e seu reino está registrado com detalhes entre os versículos 10 a 14 de 2Samuel 12. É pertinente a nota de rodapé constante na Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal quanto ao cumprimento deste prenúncio:

As previsões desse[s] versículo[s] tornaram-se realidade. Porque Davi matou Urias e roubou sua esposa, (1) o assassinato tornou-se uma ameaça constante em sua casa (13.26-30; 18.14,15; 1Re 2.23-25); (2) os membros de sua família rebelaram-se contra ele (15.13); (3) suas esposas foram trazidas a outro, à vista de todos (16.20-23); (4) e seu primeiro filho com Bate-Seba faleceu (12.18). Se Davi imaginasse as terríveis e dolorosas consequências de seu pecado com certeza não teria procurado prazeres tão efêmeros.

Bem dizia Jair Pires, numa de suas canções mais populares na década de 1990:

Se o pecado doesse
Muitos não pecariam
Preferiam a Deus
Assim seria melhor

Mas ele vem de mansinho
Sempre dando jeitinho
Deixa a gente no pó[3]

Desde o Éden, o pecado tem se demonstrado assim: prazeroso a princípio, mas pesaroso ao fim; sigiloso no início, mas escandaloso no final! O pecado não dói enquanto o ato está sendo consumado, mas depois deixa culpa, vergonha e profundas feridas no coração e na alma. Como canta Victorino Silva, em seu hino “Consequências”,

O pecado mata o corpo e fere a alma,
Suas consequências fatalmente são cruéis…

2. Davi, o rei fraco no seu próprio lar

O comentarista da Lição, pastor Osiel Gomes, é muito contundente neste ponto. Ele afirma: “Davi foi um grande líder para Israel, mas um péssimo pai de família”, e no final acrescenta: “Não adianta realizarmos grandes conquistas eclesiásticas [isto é, na igreja], ou financeiras, tendo um lar desestruturado”. Nas palavras do pastor Josué Gonçalves, terapeuta familiar, nenhum sucesso justifica o fracasso de uma família!

De fato, dentre todos os filhos de Davi, o único que vemos receber dele boa orientação é o herdeiro do trono, Salomão, ainda que este no final de sua vida tenha praticado reiterados pecados de idolatria (certamente diferente de seu pai Davi, que, apesar de ter pecado, não incorreu nos mesmos erros com frequência).

Em Adonias, filho que Davi teve com Hagite, vemos um típico caso de indisciplina. Cobiçando este filho o trono de seu pai que este já era velho, e arquitetando para tomar o reino, Adonias não sofreu nenhuma repreensão paternal. Antes, declara o texto bíblico que “jamais seu pai o contrariou, dizendo: por que procedes assim?” (1Re 1.6). Ou seja, Davi nunca questionou, nunca confrontou, nunca repreendeu seu próprio filho Adonias, que o ameaçava. Nas palavras de Charles Ryre, “Adonias era um filho mimado”[4].

Também os capítulos 14 a 17 de 2Samuel demonstram como Davi se sentia enfraquecido e até mesmo amedrontado diante das ambições de seu próprio filho Absalão (assunto que será melhor detalhado na Lição 12). O Davi que outrora enfrentara urso, leão e até o gigante filisteu, além de exércitos inimigos, agora se vê incapaz de gerenciar sua própria casa e ordenar sua própria família, encaminhando-a pela justiça, retidão e obediência ao Senhor.

Que nenhum de nós inverta as prioridades: primeiro Deus, segundo nossa família, terceiro igreja, trabalhos e demais serviços e ocupações. Sempre que colocamos nossa família no final desta lista de prioridades acabamos amargando semelhantes aflições as de Davi. O problema de muitas igrejas e da própria sociedade em geral são famílias esfaceladas, destruídas, convivendo em desarmonia constante, enquanto muitos pais e mães de família estão demasiadamente ocupados com o ativismo profissional ou mesmo com o ativismo religioso.

Pode uma igreja estar saudável enquanto as famílias estão adoecidas? Pode haver ordem e progresso numa sociedade onde os lares estão cheios de perturbações sociais? Coloquemos em ordem nossa casa, se queremos de fato uma igreja avivada e uma sociedade transformada!

Conclusão

Mais que mera descrição do erro e do castigo sofrido por Davi, esta Lição de hoje deve levar-nos a refletir seriamente sobre as consequências do pecado. Do nosso pecado! Deus não aliviará a mão do castigo de sobre nós, se negligenciarmos a santificação diária, nos entregarmos aos prazeres carnais e endurecermos nosso coração para o arrependimento. Ninguém escapará das consequências do pecado, ainda que todos possam livrar-se da culpa, desde que se permitam serem confrontados e tratados em seu alma.

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Referências

[1] H. A. G. Blocher em Novo Dicionário de Teologia Bíblica, Vida, p. 1011

[2] Dicionário Vine, 7° ed., CPAD, p. 220

[3] Música O pecado não dói, de Jair Pires

[4] Charles Ryre. Bíblia de Estudo Anotada Expandida, Mundo Cristão.

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