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opinião

Abatidos, mas não destruídos

Abatimento não significa derrota e muito menos desistência

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Árvore. (Foto: Reprodução)

Corinto era uma igreja gentílica numa cidade portuária integrante duma importante rota comercial, adoradora de divindades pagãs, repleta de imoralidade, sendo por isso pouco propícia aos valores do Evangelho. A certa altura da sua Segunda Epístola dirigida à comunidade cristã existente naquela cidade na segunda metade do I século, Paulo afirmou: “Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos” (4:8,9).

A árvore da imagem anexa caiu há muito tempo, mas recusou-se a desistir, recusou-se a morrer. Mesmo só com uma única raiz agarrada à terra ela firmou-se e gerou vida. Ainda assim cumpriu o seu propósito.

A Bíblia fala de alguns homens – tanto Antigo como do Novo Testamento – que ficaram abatidos mas que não foram destruídos, acabando por cumprir o seu propósito de vida.

Moisés: a perda duma posição de privilégio

Foi alguém que fugiu para o deserto do Sinai a fim de salvar a vida. Logo após ter provocado a morte a um egípcio, provavelmente sem dolo, mas em todo o caso num acesso de fúria por vê-lo maltratar um hebreu como ele. Tomado pelo pânico, certamente por pensar que a sua origem num povo de escravos não lhe daria garantias de indulto, optou em considerar perdidos todos os privilégios de que desfrutava no palácio, na condição de neto adoptivo do faraó. O “salvo das águas” (Moisés) pensou que já não tinha salvação em terras egípcias.

Depois de quarenta anos de aprendizagem, de controlo emocional e de reflexão, aconteceu-lhe uma epifania inesperada e surpreendente. O encontro com Deus no Monte Horebe impediu que Moisés fosse um homem definitivamente destruído.

Perdeu uma posição de privilégio mas… cumpriu o seu propósito.

Paulo: a perda duma carreira brilhante

Saulo de Tarso era um homem determinado no ódio à novel seita dos cristãos, na perseguição à Igreja, enquanto adepto fanático do judaísmo. Extremamente culto, conhecedor da cultura helénica, treinado teologicamente pelo mais famoso rabi da época – Gamaliel – e socialmente privilegiado pela sua condição de cidadão romano, Saulo tinha tudo para ser relevante na vida e na sociedade. Faltava-lhe, porém, a luz de Cristo, que só começou a vislumbrar surpreendentemente numa atribulada viagem a caminho de Damasco e que veio a mudar a sua vida.

De facto, foi o encontro na estrada a caminho da Síria com o Cristo glorificado que evitou que Saulo se viesse a tornar num homem definitivamente consumido pelo ódio, frustrado e destruído.

Perdeu uma carreira brilhante mas… cumpriu o seu propósito.

Elias: a iminência da perda da vida, face a uma sentença de morte

Logo após a grande vitória alcançada no Monte Carmelo sobre os quatrocentos profetas de Baal e a perversa rainha Jezabel, o profeta hebreu de Samaria, logo que os níveis de adrenalina baixaram passou a sofrer dura perseguição e tornou-se um homem deprimido e abatido ao ponto de desejar a própria morte.

Foi o encontro com Deus na caverna que deu início à sua restauração emocional e espiritual, evitando que se transformasse definitivamente num homem destruído.

Sofreu perseguição e uma sentença de morte, mas… cumpriu o seu propósito.

Job: a perda dos bens e da família

Depois de todas as desgraças desta vida lhe terem caído em cima, num curtíssimo espaço de tempo, Job tornou-se um homem compreensivelmente triste e abatido, mas também abandonado pelos amigos e até pela sua mulher.

Em franco diálogo com Deus, Job reafirmou, a certa altura, a fé no seu Redentor: “Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra” (Jó 19:25), e esse acto impediu que se tivesse tornado um homem destruído para sempre.

Sofreu perdas impensáveis mas… cumpriu o seu propósito.

E por último, mas não menos importante,

Jesus: a perda da própria vida

Jesus de Nazaré, foi um homem enxovalhado, torturado, abatido e entregue a uma morte ignominiosa como o profeta Isaías profetizara séculos antes (cap. 53), mas venceu o poder da própria morte, derrotando assim as forças das trevas e ressurgiu ao terceiro dia.

Sofreu a morte mas… cumpriu o propósito da sua vinda a este mundo enquanto Emanuel (“Deus entre nós”).

Todos eles experimentaram a perda de algo, mas perda não significa destruição. Abatimento não significa derrota e muito menos desistência. Podemos ficar abatidos, mas ainda assim gerar vida como aquela árvore cujas raízes não foram totalmente arrancadas ao solo, e ainda assim cumprir o nosso propósito de vida.

Nasceu em Lisboa (1954), é casado, tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e investigador.

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