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opinião

A proteção à vida em uma nação transformada

Enquanto Igreja de Cristo, somos chamados a defender e proteger a vida em qualquer situação.

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Um dos princípios balizadores do Reino de Deus é a vida. O ser humano vive pelo fôlego de vida de Deus soprado em suas narinas (Gn 2.7) e recebe gratuitamente a vida eterna por intermédio de Jesus Cristo (Jo 3.36), que é a própria Vida (Jo 14.6). A vida começa no ventre materno, no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, como mostra a ciência. Mesmo sendo uma fase inicial de desenvolvimento, o embrião e o feto já apresentam consciência e ciência do mundo exterior. Rebeca, esposa de Isaque, vivenciou tal experiência (Gn 25.21-23). Durante sua gravidez, seus filhos gêmeos, Jacó e Esaú, lutavam em seu ventre, antecipando o que, décadas depois, ocorreria. De forma semelhante, Isabel sentiu seu bebê, João Batista, saltar de alegria no sexto mês de gravidez ao ouvir a saudação de Maria (Lc 1.41-44).

Pela sua importância, a vida é biblicamente protegida (Ex 20.13) e só pode ser tirada pelo próprio Deus (I Sm 2.6). Se tirada pelo homem, o ato é considerado crime e deve ser devidamente punido (Lv 24. 18, 21; Pv 22.23). As leis mosaicas, por exemplo, previam a pena de morte para agressores em caso de morte da mãe ou do embrião ou feto (Ex 21.23). A proteção à vida desde sua concepção era levada tão a sério que somente esse artigo da lei previa a morte de um criminoso em caso de assassinato acidental. Mesmo após a vinda de Jesus, o mandamento “não matarás” (Ex 20.13) foi mantido (Rm 13.9). Deus é amor e, como tal, ensina-nos a amar e a cuidar do próximo da mesma forma como Ele nos ama e cuida de nós (Mt 7.12, 22.39).

Sob influência do cristianismo, a proteção à vida tornou-se um direito humano fundamental e passou a ser garantida por leis nacionais e convenções e normas internacionais. A Constituição Federal Brasileira, por exemplo, assegura, em seu artigo 5º, o direito inviolável à vida e proíbe a pena de morte, salvo nos períodos de guerra. Semelhantemente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, em seu artigo I e V, afirma que todo ser humano tem direito à vida e a sua proteção.

Não obstante a ampla legislação favorável à vida, as últimas décadas têm se caracterizado por uma crescente discussão e inúmeras decisões a nível nacional e internacional que relativizam o direito à vida. No Brasil, desde o início dos anos 2000, diversas proposições de lei têm tramitado no Congresso Nacional com o objetivo tanto de descriminalizar o aborto voluntário, como de dificultá-lo e impossibilitá-lo pela ampliação de penas para os envolvidos e pela definição na lei do início da vida. Como a proteção à vida tem vencido nas Casas Legislativas, a discussão tem sido levada para o Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de ações judiciais distintas. A mais recente é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que pede à Corte a não criminalização do aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização.

De modo comum, as diferentes iniciativas no sentido de relativizar a proteção à vida argumentam que, ao obrigar a mulher a ter um filho indesejado, o Estado viola seu direito de autonomia e sua liberdade de escolha. A proibição e a criminalização dessa prática comprometeriam a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, além de ferir seu direito à saúde e à integridade física e psicológica e seu direito à vida e à segurança por relegar as mulheres à clandestinidade de procedimentos ilegais e inseguros que causam mortes evitáveis e danos à saúde física e mental. Em nome da qualidade de vida da mãe, seu filho perderia a vida visando seu “próprio bem”.

A relativização do direito à vida para se assegurar a autonomia individual irrestrita tem suas origens teóricas no estágio atual da ideologia liberal, que se caracteriza pelas iniciativas do Estado voltadas para a promoção de “justiça” em esferas autônomas e privadas, como a do indivíduo, da família e da igreja3. Nessas áreas, a promoção de “justiça” ocorre em situações de desigualdade subjetiva, isto é, quando os indivíduos sentem-se coagidos a ser, a se comportar, a pensar e a decidir com base em “padrões culturais e sociais impositivos”, que limitam o gozo da plena liberdade interna e externa pelos mesmos. Em nome da autonomia individual subjetiva, parte expressiva dos Estados Ocidentais já legalizou o aborto voluntário e o uso recreativo de drogas, permitiu o casamento homossexual e outros tipos de união não-monogâmicas e heterossexuais, além de financiar a mudança de sexo livremente em nome de uma nova “identidade de gênero” do indivíduo e processar judicialmente líderes religiosos e empresários que se recusam a aceitar tais ações em suas próprias instituições. O principal problema dessas intervenções é que elas são justificadas por discursos teóricos que desconsideram as reais consequências negativas dessas ações para o bem-estar e a qualidade de vida do indivíduo e da sociedade como um todo.

Enquanto Igreja de Cristo, somos chamados a defender e proteger a vida em qualquer situação. Argumentos afetivos não justificam a relativização da vida; pelo contrário, eles apontam para dificuldades e problemas físicos, psicológicos e sociais, que, como tais, devem ser devidamente tratados, e não valorizados e difundidos como se fossem naturais.

Notas:
1 Este é o décimo quarto artigo de uma série de reflexões cujo objetivo é preparar os Cristãos para escolher de forma consciente e acertada seus representantes políticos nos períodos eleitorais e atuar enquanto agentes de transformação do Brasil a partir de suas respectivas profissões.
2 Viviane Petinelli é pós-doutora em Ciência Política. É especialista em políticas públicas e participação social.
3 Para entender o que a ideologia liberal defende, leia o artigo “Resistindo às ilusões políticas”.

Possui graduação em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007) e doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade Harvard (2014). É pós-doutora em Ciência Política, especialista em Políticas Públicas e Participação Social.

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