estudos bíblicos

A mordomia da alma e do espírito

Subsídio para a Escola Bíblica Dominical da Lição 3 do trimestre sobre “Tempo, Bens e Talentos”.

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Bíblia. (Photo by Aaron Burden on Unsplash)

A Lição de hoje é um chamado para os cuidados essenciais que todo cristão precisa ter com a sua alma e espírito. A princípio trabalharemos uma parte mais teórica e teológica, quando conceituaremos alma espírito no tópico I; mas nos tópicos II e III traremos orientações práticas sobre como proceder a correta mordomia do nosso “homem interior” (2Co 4.16).

Sem dúvidas, esta é uma aula em que aprenderemos a ortodoxia (crença correta), mas também a ortopraxia (prática correta).

I. Conceituando alma e espírito

Antes do conceito, precisamos ressaltar nosso compromisso com a doutrina bíblica da natureza espiritual do ser humano. Embora tenha sido formado do pó e seja pó (não no sentido de reduzir-se à matéria, mas no sentido da sua fraqueza, especialmente quando comparada à grandeza imensurável do Criador), o homem foi feito por Deus “alma vivente” (Gn 2.7), e tem em sua constituição tanto a parte física com que se relaciona com o mundo como a parte espiritual e invisível que, uma vez criada, durará para sempre (sim, espírito e alma são imortais!).

Nas palavras do teólogo pentecostal Raimundo de Oliveira, “O homem é muito mais que um amontoado de agentes químicos. Ele é muito mais que carne e osso. O homem é um ser espiritual, pois Deus o fez alma vivente. Ele não é só um ser transitório, isto é, de existência física limitada. O homem é um ser que Deus ao cria-lo, destinou-o a eternidade.” [1]

A existência da alma e do espírito, que permanecem mesmo após a morte física e com os quais o homem se relaciona com o mundo espiritual, é um ensino bíblico inquestionável, ainda que seus detalhes possam constituir-se um mistério para nossa limitada inteligência. Veja-se, só a título de exemplo, a parábola contada pelo próprio Jesus sobre um certo rico e um certo mendigo chamado Lázaro, cujo enredo em sua maior parte se dá num ambiente espiritual, após a morte de ambos (Lc 16.19-31).

1. O significado de alma

É difícil, senão impossível, definir com precisão o significado de alma. Os dicionaristas por vezes não são muito claros ou didáticos na explicação, o que acaba não auxiliando muito o crente leigo. Também é comum na comparação entre diferentes dicionários, vermos significados de alma e de espírito sendo usados intercambiavelmente, o que gera mais confusão que compreensão.

Isso, porém, não é de se estranhar, visto que em geral os próprios escritores bíblicos, de uma forma especial os do Antigo Testamento, não fazem distinção precisa entre nephesh (alma em hebraico) e ruah (espírito em hebraico). A Bíblia não foi escrita como um livro de teologia sistemática, onde possamos encontrar a matéria Antropologia com essas conceituações feitas detalhadamente pelos autores bíblicos. Com a revelação progressiva do Novo Testamento é que se percebe mais claramente uma distinção entre psyche (alma, em grego) e pneuma (espírito em grego). Entretanto, mesmo assim, persistem algumas dificuldades na compreensão da natureza de cada uma dessas entidades. Realmente, só a Palavra de Deus pode discernir a “divisão da alma e do espírito” (Hb 4.12).

Por considerarmos uma das mais sucintas e, no entanto, mais lúcidas conceituações de alma, partilhamos com o leitor essa definição de Menzies e Horton:

Pode-se dizer que o termo “alma” é usado teologicamente para denotar o próprio “eu”, particularmente em relação à vida consciente, aqui e agora (Ap 6.9). A alma humana provê a nossa autoconsciência [consciência de que existo e de quem sou]. É a alma que torna o indivíduo uma personalidade genuína, dotada de características ímpares. As faculdades da alma, comumente consideradas, são: intelecto, emoções e vontade. Juntas, essas qualidades compõem a pessoa real. [2]

2.  Origem da alma

Há muitas teorias e especulações quanto a origem da alma, se ela é preexistente (como defendia um dos Pais da Igreja Grega, Orígenes, no terceiro século), se ela é criada por Deus dias depois da concepção no ventre materno (como defendia Jerônimo e Pelágio, entre o quarto e quinto séculos) ou se ela é apenas uma forma diferente de referir-se às emoções e à inteligência humana, mas não a uma entidade espiritual que pode apartar-se do corpo.

Acreditamos pela Palavra de Deus que a alma é uma entidade espiritual real e que é formada junto com o espírito na concepção. De outro modo, não se poderia chamar o embrião recém-formado de ser humano ou de vida humana, visto que não haveria nele “alma vivente”. Elinaldo Renovato fez ótima observação:

Assim, podemos concluir que a alma humana é formada e, segundo as leis da procriação, deixada por Deus, numa cooperação entre os pais biológicos e “o pai dos espíritos” [Deus, o Criador de toda a vida]. Cada vez que um gameta masculino funde-se com um gameta feminino, seja no casamento ou fora dele, pela lei do Criador, forma-se um conjunto alma-espírito dentro do homem. Diz a Bíblia: “[…] Fala o SENHOR, o que estende o céu e que funda a terra, e que forma o espírito do homem dentro dele” (Zc 12.1b). [3]

3. Conceituação de espírito

Espírito é o nosso próprio ser interior revestido pela alma que lhe dá consciência. Deus é espírito, porque não tem corpo físico (Jo 4.24); nós não somos espíritos, mas temos espírito, e também somos constituídos de corpo. É esse espírito do homem que sobe até Deus após a sua morte (Ec 12.7). Por isso Jesus orou na cruz: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46).

Entretanto, o espírito nunca se separa da alma e vice-versa. Isso porque o espírito e a alma juntos formam a nossa “pessoa espiritual”, e juntos ao corpo constituem o ser humano integral. Espírito sem alma seria um espírito morto, o que é impensável; enquanto que uma alma sem espírito, seria uma consciência ambulante, sem existência própria, sem identidade, sem personalidade, o que é igualmente impensável.

Na eternidade seremos espírito, alma ou corpo? Seremos o que já somos agora, no entanto revestidos de glória celestial! Não seremos espíritos desencarnados ou fantasmas, antes teremos a mesma constituição de agora, visto que nosso corpo será ressuscitado e revestido da imortalidade e incorrupção, perfeitamente adaptado para as condições das moradas santas que Deus nos tem preparado (1Ts 4.13-15).

II. A mordomia da alma: “o homem interior”

Esperamos que o leitor não tenha perdido o fôlego diante das conceituações do primeiro tópico. Na verdade, essa aula de hoje tem como foco não a tripartição humana (o tema de nossa Lição não é Antropologia, A doutrina do homem), embora esse conhecimento seja importante para estabelecer as bases da mordomia espiritual. O que realmente não podemos perder de vista é o cuidado que precisamos ter para o bem-estar da nossa alma e do nosso espírito.

1. A tricotomia do homem

Os teólogos estão divididos quanto a distinção da alma e espírito. Os que defendem que alma e espírito são entidades distintas do ser humano, porém, inseparáveis, são chamados de tricotomistas, isto é, acreditam que o ser humano é formado de três partes (corpo, alma e espírito); mas os que defendem que alma e espírito são uma única entidade, sob aspectos diferentes, são chamados de dicotomistas, ou seja, acreditam que o ser humano é formado de duas partes (corpo e alma/espírito).

É possível apontar bases bíblicas para ambas as posições (conf. 1Ts 5.23; 2Co 4 e 5); só não há fundamento para o materialismo, que é aquela filosofia que defende que o ser humano é apenas matéria, isto é, um mero aglomerado de células, um amontoado de compostos químico fadados à morte e à destruição, mas sem qualquer entidade espiritual eterna. O materialismo é engodo do diabo! Entretanto, quanto à natureza do homem, se optarmos por uma compreensão dicotômica ou tricotômica não nos fazemos hereges por causa disso, desde que aceitemos biblicamente tanto a realidade do “homem exterior” como do “homem interior” (2Co 4.16).

2. Mordomia da alma

A má administração de cuidados com a nossa alma pode repercutir em danos para o nosso corpo. José Delgado comenta:

Evidentemente existem algumas emoções que são claramente prejudiciais à nossa saúde. Por exemplo, a raiva produz distúrbios nervosos; a ansiedade gera úlceras estomacais; guardar rancor ou ficar remoendo desgostos afeta o fígado. Devemos, então, evitar essas emoções, bem como outras semelhantes, tais como a angústia e o medo. Pelo contrário, deixemos que o Espírito Santo produza em nossa vida o seu fruto abundante e maduro… [4]

O Senhor adverte-nos sobre os cuidados que devemos ter em nossa alma, livrando-nos da ansiedade quanto as provisões futuras para o corpo. A ansiedade neutraliza as forças, antecipa sofrimentos e expulsa a fé para fazer abrigar a dúvida e o desespero no íntimo do nosso ser. Por isso, Jesus instrui seus discípulos: “Não andeis ansiosos com as coisas da vida…” (Mt 6.25). O apóstolo Paulo também ensina: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças” (Fp 4.6); Pedro igualmente exorta: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).

É curioso notar que etimologicamente as palavras alma e ânimo têm a mesma origem na língua latina: alma – anima, que é sopro, ar, vida; ânimo – animus, que é a forma masculina de anima e significa disposição de espírito, vida, humor, força. Uma pessoa animada é uma pessoa com alma avivada, isto é, com vida, com força e disposição; ao contrário disso, uma pessoa desanimada, é aquela desprovida de força de vontade, de alegria, de bom humor.

Estamos vivendo dias em que a depressão e o suicídio têm se disseminado em nosso país como epidemias devastadoras. Infelizmente, muitos estão perdendo o ânimo e lançado suas almas sobre a escravidão da negatividade ou precipitando-se na solidão devido frustrações na vida sentimental, perdas na vida financeira, tribulações na família e outros sofrimentos diversos. Mas como disse a Josué, o Senhor também nos diz hoje: “Esforça-te e tem bom ânimo!” (Js 1.6,7,9). Fortifiquemos nossas almas na graça de Deus! (2Tm 2.1)

O remédio sugerido por Tiago, irmão de Jesus, aos que padecem sofrimentos vários, não é entregar-se ao sentimento de derrota, à clausura e à depressão, mas entregar-se a Deus através da oração. “Está alguém entre vós sofrendo?”, pergunta ele e logo recomenda: “Faça orações” (Tg 5.13). A segunda estrofe do hino 200 da Harpa Cristã, intitulado O bondoso amigo, da autoria do irlandês Joseph Scriven, nos direciona para a oração nestes momentos em que nossa alma está tomada de dores:

Tu estás fraco e carregado,
De cuidados e temor?
A Jesus, refúgio eterno,
Vai com fé teu mal expor!
Teus amigos te desprezam?
Conta-Lhe isso em oração,
E com Seu amor tão terno,
Paz terás no coração

A alma do crente se abate diante das tribulações da vida? Claro que sim. O apóstolo Paulo dizia que somos abatidos, mas não destruídos (2Co 4.9). Como o justo vive pela fé e não pelo que vê (2Co 5.7), então precisamos tomar o exemplo dos salmistas e buscarmos a Deus quando nossa alma sentir o peso do fardo diário (é essa a atitude que vemos expressa no Salmo 42). No mais, para uma mordomia correta da nossa alma, façamos como disse Jeremias: trazer à memória aquilo que pode dar esperança (Lm 3.21; veja na versão Almeida Atualizada).

III. A mordomia do espírito

1. Andar na carne X Andar em Espírito

Visto que o espírito é o canal através do qual o homem pode conhecer a Deus e as coisas inerentes ao seu domínio, precisa manter esse canal desobstruído de sujeiras e fluxo de coisas impuras; do contrário, sua relação com Deus estará interrompida.

Raimundo de Oliveira discorre sobre os perigos da falta de mordomia para com o espírito:

Por exemplo, se o homem permitir que o orgulho o domine, ele tem um “espírito altivo”. Conforme as influências respectivas que o dominem, o homem pode ter um espírito perverso, rebelde, impaciente, perturbado, contrito e humilde, de escravidão e de inveja. Assim é que o homem deve guardar o seu espírito, dominar o seu espírito, e confiar em Deus para transformar o seu espírito.

Oliveira prossegue correlacionando alma e espírito:

Quando as paixões más dominam a alma da pessoa, o espírito é destronado. Isto é, o homem torna-se vítima dos seus maus sentimentos e apetites naturais. A este homem a Bíblia chama de “carnal”. O espírito já não domina mais, e essa condição é descrita na Bíblia como um estado de morte. Desse modo há necessidade de um espírito novo. Somente Deus, que originalmente deu vida ao homem, poderá soprar novamente na alma do homem, influindo nova vida espiritual. A este ato a Bíblia chama “regeneração”.

Quando assim acontece, o espírito do homem novamente ocupa lugar de destaque em busca da perfeição estabelecida por Deus, e o homem chaga a ser “espiritual”. [5]

O espírito do homem lhe foi dado para que ele estivesse em comunhão com o Deus que é espírito. O sucesso desta comunicação é garantido pelo Espírito Santo, quando o crente a ele se submete para fazer a Sua vontade. Diz o apóstolo Paulo: “Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne” (Gl 5.16).

2. Frutificando no Espírito.

Além do fruto do Espírito (Gl 5.22), que é o Espírito Santo gerando em nós o caráter de Cristo, dotando-nos de amor, alegria, paz, fidelidade, mansidão, etc., listamos algumas formas pelas quais o crente deve garantir a pureza de seu espírito e a sua boa mordomia:

  1. Orando regularmente (1Ts 5.17)
  2. Meditando diariamente na Palavra (Sl 1.2; Cl 3.16)
  3. Jejuando com frequência (Jl 2.15; Mt 17.21. OBS: se o alimento fortalece o corpo, o jejum fortalece o espírito, quando o crente põe-se diante de Deus em consagração)
  4. Participando da comunhão com a igreja local (At 1.13,14; Hb 10.25)
  5. Alimentando-se da leitura de bons livros (2Tm 4.13)
  6. Enchendo-se do Espírito Santo (Ef 5.18)
  7. Adorando a Deus com cânticos espirituais (Ef 5.19)
  8. Através do dom de línguas (1Co 14.4)

Assim procedendo, o crente desenvolve a musculatura de sua alma e tonifica o seu espírito, preparando-se para servir a Deus com integridade.

Conclusão

Embora tenhamos estudado primeiro sobre a mordomia do corpo, pelo texto de Paulo aos irmãos de Tessalônica (1Ts 5.23) vemos que a santificação começa pelo espírito, passando pela alma e alcançando o corpo. Na metáfora de Jesus, a limpeza começa pelo interior do “copo e do prato” (Mt 23.26). Assim, é imprescindível que cuidemos da nossa santificação interior, pois é lá, no íntimo do nosso ser que se processam nossas emoções e vontades. Se os médicos recomendam uma hora de caminhada por dia para garantir boa circulação do sangue, além de queima de calorias e controle da pressão, creio que podemos recomendar também ao menos uma hora por dia de oração, leitura da Palavra e louvores ao Senhor para saúde da alma e do espírito!

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Referências
[1] Raimundo de Oliveira. As grandes doutrinas da Bíblia, CPAD, p. 158
[2] William Menzies e Stanley Horton. Doutrinas bíblicas: os fundamentos da nossa fé, CPAD, p. 68
[3] Elinaldo Renovato. Tempo, bens e talentos: sendo mordomo fiel e prudente com as coisas que Deus nos tem dado, CPAD, p. 39
[4] José Delgado. Mordomia cristã, 3° ed., ICI Brasil, p. 84
[5] Raimundo de Oliveira. op. cit., p. 159

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