opinião
A mente partida de um “cristão” comunista
Ele pensa ser possível conciliar cristianismo e traços de uma ideologia que simplesmente combate a essência da Palavra de Deus.
“Eu também sou evangélica”, diz-me a moça que acaba de defender publicamente uma ideia antibíblica. “Eu também sou cristã”, é a fala de uma outra na mesma ocasião e condição. Acredito que sejam adeptas do cristianismo, mas o que ouvi de seu discurso é a adoção do ideário “progressista” quanto a assuntos muito caros à cosmovisão cristã. O mais curioso é que elas provavelmente não percebem isso, e pensam defender valores muito sábios, racionais e científicos, quando estão, na verdade, vocalizando os preceitos de uma ideologia ruim.
É comum depararmos com pessoas que se identificam como cristãs, frequentam igreja, adotam uma confissão de fé católica ou evangélica, mas que politicamente empunham bandeiras próprias da ideologia socialista, frontalmente contrária à Bíblia Sagrada.
No debate público, em conversas ou nas redes sociais, essas pessoas se posicionam da mesma forma que esquerdistas, senão na maioria dos temas, pelos menos em questões que não receberiam a chancela de uma cosmovisão legitimamente cristã.
Excetuando os “cristãos” de esquerda mais radicais, difilmente um cristão doutrinariamente mais conservador irá defender casamento gay, ideologia de gênero, aborto ou revolução armada, mas a ideologia “progressista” se faz representar na mente de um cristão professo quanto este, por exemplo, equipara o modelo familiar de pai, mãe e filhos à família monoparental, como se não houvesse valor na reunião das figuras paterna e materna para a educação dos filhos (geralmente o que ocorre é a diminuição da importância do homem, gênero muito desprestigiado em nossos dias).
Semelhantemente, verifica-se o referido fenômeno quando o indivíduo que se declara cristão considera gênero como “construção social”, e não como um dado da biologia; acredita, em nome do Estado laico, que não se deve recorrer à Bíblia para orientar a vida pública, salvo quando resolve sacar versículos bíblicos a fim de sustentar um discurso em prol do que entende por “justiça social”, “tolerância” e “inclusão”; atribui ao Estado a tarefa exclusiva de decidir sobre questões éticas e axiológicas, como se o indivíduo e a família não constituíssem instâncias legítimas de decisão moral, e como se a rejeição do privilégio do Estado nesse campo fosse uma forma de violar o princípio da laicidade estatal.
Tudo isto acontece porque se faz uma divisão entre religião e política, entre fé e cosmovisão, como se uma esfera não tivesse relação com a outra.
A separação entre Estado e Igreja, que é salutar, não significa alienação entre as searas da religião e da política, assim como não se podem desprezar outros escaninhos constituintes de uma cosmovisão, dentre as quais se acham a moralidade, os costumes, as tradições, as crenças pessoais, a ideologia, os valores e princípios, os medos, sentimentos e preconceitos (não leia “atos discriminatórios”; eu escrevi “preconceitos” com o sentido de ideias concebidas sem formatação filosófica ou científica).
Ora, nem tudo que é metafísico é religioso, e não deveríamos nos espantar com essa afirmação – eu me espanto, isto, sim, com a pretensa revogação da biologia pela ideologia de gênero.
A mente de um cristão “progressista”, socialista ou comunista é uma mente partida: ele pensa ser possível conciliar cristianismo e traços de uma ideologia que simplesmente combate a essência da Palavra de Deus. Sua fé restringe-se (quando muito) à devoção particular, ao culto, à congregação, ao louvor, mas não participa da cultura, da sociedade, da política, dos valores sociais, da ética pública. Sua fé é confessadamente cristã, mas sua cosmovisão não é.
Convivemos em nossas igrejas com um número cada vez maior de crentes de esquerda. Eles são influenciados pela universidade, pela escola, pela classe artística, por figuras da internet, pela grande imprensa (alguém a chama de “extrema-imprensa”, em alusão à extrema-esquerda).
O pensamento hegemônico de esquerda, fomentado pelo marxismo cultural, faz com que pensar diferente seja estranho, medieval, obscurantista, fundamentalista (no mau sentido) e coisa de gente tosca – e ninguém quer estar do lado feio da história…
Alguns, tomados de ira santa, se assustam quando defendemos a necessidade de pregarmos fé cristã e cosmovisão cristã, de lutarmos contra falsas doutrinas e falsas ideologias, de empregarmos a ferramenta da pregação evangelística ao lado da espada da defesa da fé. Para esses, não é necessário falar de política, cultura, sociedade, pois o sermão, por si, cumprirá todas as coisas.
Sim, como herdeiro do cristianismo histórico e ortodoxo eu creio que a Palavra de Deus é suficiente, mas é justamente nisso que consiste a apologética, a saber: mostrar que a Palavra de Deus é mesmo suficiente e abrangente, a ponto de fornecer princípios destinados à regência da vida humana em todas as suas dimensões.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que deploram a participação da cosmovisão cristã no debate público, os cristãos de esquerda mais militantes gostam de citar versículos bíblicos (fora de contexto e com teologia absolutamente errada) com a pretensão de nos convencer de que sua ideologia se coaduna com as Escrituras – na realidade, o que fazem é eisegese, e não exegese, pois tentam (em vão!) submeter a Palavra de Deus à ideologia que religiosamente abraçam. A deturpação ideológica do sentido do Evangelho é traída pela forma como selecionam passagens bíblicas ao seu bel talante, arrolando-as sob as epígrafes marxistas do politicamente correto e de clichês como “empoderamento feminino” e “família patriarcal”.
Não se escandalizem, colegas pastores, se daqui a pouco emergir do meio de suas igrejas um batalhão, um exército de crentes repetidores de jargões esquerdistas, defendendo ideias mais graves do que as que agora ouvimos de cristão “progressistas”.
Isso acontecerá se não incluirmos, em nosso ensino e pregação, a defesa da fé contra ideologias perniciosas; se não orientarmos as famílias da igreja a acompanharem o que seus filhos ouvem na escola ou assistem na internet e nas redes sociais; se não admoestarmos nossos irmãos quanto à necessidade de discernirmos os tempos (cf. Rm 13.11); se, enfim, sucumbirmos ao mote esquerdista de que religião é assunto privado e inútil à esfera pública.
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