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opinião

A literatura como instrumento para compreender o atual cenário político brasileiro

“A arte imita a vida que imita a arte”.

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Machado de Assis (Reprodução)

A literatura é uma arte espetacular, de difícil definição e geradora de grandes paixões; é tema recorrente entre os amantes do Belo e relegada ao descaso pelo atual modelo de educação brasileiro, que dispensa a literatura a um recanto minguado à parede, como se estivesse pagando uma penitência que alguma professora de décadas passada lhe impôs.

Posta ao ostracismo, não a utilizam para análise e compreensão do próprio ser e do mundo que o envolve, como faziam nos períodos da educação Clássica, pois tudo partia dela. Os clássicos nacionais ou universais não encontram espaço na agenda da maioria da população brasileira, que desconhece até mesmo os nomes de seus autores mais brilhantes.

A arte da palavra apresenta diversos estilos de época, com características específicas que estão intimamente ligadas ao modo como os indivíduos pensam e vivem, ou seja, a filosofia predominante de cada momento. Muitos insinuam a afirmação de que a literatura é a forma artística de contar a História. Um dos grandes escritores universais, o autor russo de Guerra e Paz e Anna Karenina, Leon Tolstói, afirmou: se queres ser universal, começa a pintar a tua aldeia.

Não obstante, muitos livros, até mesmo séries, filmes e novelas alçam um considerável número de adeptos por justamente conectarem a realidade e a ficção; as pessoas se enxergam nessas obras, encontram a sua realidade e nelas repousam, desfrutam, refletem. Por vezes, encontram um mundo que anseiam ou que fantasiam, que ambicionam, e nele também repousam, desfrutam, refletem. Vale salientar que ela também possui espírito criador, gerando uma mentalidade, uma ou diversas realidades.

Um dos períodos de mudanças de estilo literário marcante no Brasil e no mundo ocidental foi o Romantismo, em meados do século XVIII, período de grandes mudanças políticas e sociais, as pessoas buscavam reconfortarem-se em si mesmas, em seus prazeres, medos e dores, bem como na criação de personagens idealizados, verdadeiros heróis nacionais. Na história, vivia-se entre tantas, a Revolução Francesa, período de muitas turbulências, conflitos; na filosofia, o Liberalismo.

Ao passar dos séculos o modo de composição foi abruptamente modificado, as temáticas e a estilística não ficaram estanques. Os avanços científicos, as guerras, as revoluções, enfim, o modo de pensar e agir das pessoas foram subitamente transformados e isso, como esperado, transformou a arte, no entanto, alguns sonhos românticos parecem resistir ao tempo.

O século é o XXI, o homem foi à lua, descobriu a cura para diversas doenças, inventou incontáveis parafernálias digitais que deram à sociedade um ritmo acelerado, porém, mantêm certos hábitos reféns de sua imaginação que institui heróis nacionais, seres fortes, destemidos e imaculados: o índio romântico com vestes morais europeias ou o bom político de esquerda que luta por justiça social.

O brasileiro talvez seja um dos maiores românticos, talvez o último, como assim cantou Lulu Santos. Criam-se mitos incontestáveis. Precisam deles para manter acesas as esperanças, abdicam do protagonismo de suas próprias vidas e aguardam o agir do herói.

São tantos os heróis, os mitos que para muitos de seus seguidores não erram jamais. Mesmo descartando uma boa literatura, muitos parecem imitar, às avessas obviamente, o velho Don Quixote de La Mancha e enxergam meros moinhos de vento, onde há de fato dragões. Concedem a líderes e instituições uma credibilidade incontestável, e para qualquer opinião contrária, seus críticos logo padecem de assassinato intelectual.

Vide a Organização Mundial da Saúde e suas declarações a respeito da pandemia do Covid-19, aos alinhados às políticas de esquerda quaisquer declarações ou direcionamentos devem ser seguidos indubitavelmente; os oponentes execrados.

Comumente ouve-se alguém dizer que “a arte imita a vida que imita a arte”, não obstante, tem-se nesses tempos um ambiente análogo ao vivido pelos personagens Pedro e Paulo, no livro Esaú e Jacó, de Machado de Assis, obra do estilo Realista brasileiro; todavia, a época, os irmãos gêmeos divergiam entre república ou o império e lutavam pelo amor pela mesma moça, a Flora, que amava os dois rapazes e não se decidia.

As divergências políticas atuais dão-se de forma ampla entre a esquerda e a direita, mas no centro dessa antonímia, dividido entre ambos, encontra-se a Flora da história de Machado: o Brasil, da realidade. Flora gostaria de unir o que havia de melhor de ambos os garotos, tão divergentes em discursos, mas tão semelhantes em aparência, é deveras uma utopia unir as práticas tão antagônicas das ações política, social e econômica desses dois sistemas que ganham o cenário atual.

Machado retrata em Esaú e Jacó a sociedade de seu tempo: a abolição da escravatura, os costumes da classe média, o sincretismo religioso, além de tudo, as divergências políticas. O ano de publicação foi 1904, todavia, como uma obra universal que é, serve aos tempos atuais, as divergências políticas e a inércia do povo brasileiro que padece, assim como a Flora ao contemplar as discussões dos gêmeos e sucumbe tragicamente, o livro parece retratar o Brasil atual.

Seu povo dividido duela, sem compreender o porquê duela, enquanto o Estado é lançado a ruínas por políticos oportunistas que alternam as ideologias conforme lhes convêm, semelhante a Batista e sua esposa Dona Cláudia, na história de Esaú e Jacó.

“A História conta a vida e a Literatura a gera”, disse Davi Geffson, membro da Academia Caruaruense de Literatura de Cordel, cujo mote cedeu inspiração a outro poeta e cordelista, Jénerson Alves, que de improviso produziu versos que enchem de esperança os ânimos dos apreciadores de uma boa literatura e de expectativa os brasileiros pela a escrita de uma nova história para o Brasil, e que a literatura auxilie nessa construção. Segue:

Na vida se tem doçura
Se pensa na trajetória
De maneira meritória
História e Literatura
É esta a essência pura
Que o vate não exaspera
Mas chega a estratosfera
Pois a história é mantida:
Que a história conta a vida
E a Literatura a gera.

Serva do Cristo Vivo, é casada com Diógenes Rocha e mãe de Luiza, Adonai e Maria Júlia. Amante da literatura, é escritora. Formada em Letras, pós-graduada em Linguística. Servidora pública como professora do Estado de Pernambuco.

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